jeudi 16 juillet 2009

A Torre do Relógio














Outras grandes recordações que guardei desses belos tempos do Café Estrela foram certas relações que tive com vários cadetes que encontraram em mim algo de diferente que eles gostariam talvez de explorar, compreender e, quem sabe, possuir, utilizar!

Lembro-me do Profírio, um jovem muito atraente, elegante, muito retraído, como que refugiando-se por detrás de invisíveis muralhas, como se receasse mostrar quem realmente era e que talvez procurasse em mim um pretexto para encontrar alguma libertadora resposta às suas certamente muitas dúvidas sobre a minha e a sua própria sexualidade. Quando ele mergulhava seus bonitos olhos côr de mel nos meus, sempre inquisidores, ele parecia indagar que espécie de atracção eu exercia sobre ele.

Todos os dias vinha várias vezes ao Café para tomar uma bebida e ali ficava de pé, junto ao balcão, silenciosamente indagando quem eu era e que tipo de resposta poderia eventualmente dar às suas mudas interrogações.

Esbarrámos um contra o outro, variadíssimas vezes no Jardim do Cerco e aí, sentados num banco de pedra fria, rodeados de hortênsias, as suas mãos procuraram temerosamente as minhas. Nesse afago, nunca percebi se era fraternidade, sexo ou amor que ele timidamente mendigava. Seria talvez simplesmente a busca dum esclarecimento a calar as invasoras dúvidas que o atormentavam e a finalmente escutar as mensagens que o seu corpo decerto lhe enviava?
Ele era um homem muito recolhido e apenas a doçura do seu olhar o traíam frequentemente. Sensualíssima, a sua boca nunca se atreveu a emitir um único som que atraiçoasse os seus mais íntimos segredos, mas o seu quase imperceptível sorriso enviava-me constantemente discretas missivas cuidadosamente lacradas.

Um dia ele chegou ao balcão e, temeroso, afoitou uma audaciosa questão:

“Rogério, amanhã deixo Mafra, acabei a tropa, volto para a Universidade de Coimbra. Antes, porém, vou descansar um mês a Gala com a minha mãe. Gostaria de dar um salto até lá e passar uns dias connosco e conhecer a Figueira?”

Alvoroçado, disse-lhe que adoraria, e ele apontou-me a sua morada e número de telefone da mercearia em frente, sobre um guardanapo de papel que depôs na minha mão, apertando-a ligeiramente.

Sua boca não se abriu para uma palavra de despedida mas os seus olhos, muito a medo, disseram-me tantas coisas indizíveis.

No dia seguinte ele vem-se despedir de mim e aperta-me longamente nos seus braços. Pairava no ar um beijo não ousado! Depois pegou na sua mala e, ao sair, virou-se uns instantes, acenou com a sua mão um tanto trémula e atirou:

“Venha até à Figueira! Eu lá estarei na estação à sua espera!”

Na manhã seguinte dei um salto ao Sardinha e indaguei que tipo de transporte havia para se chegar à Figueira e quanto me custaria. O Beatriz deu-me todas as informações requeridas, perguntando-me: “que vai você fazer à Figueira”? Provocadoramente respondi-lhe que não tinha nada a ver com a minha vida, mas penso que, segundo o seu malicioso sorriso, ele tinha pressentido que algo de insidioso pairava no ar.

Depois fui ver a tia Laura e pedi-lhe uma semana de férias, que tinha algo de muito importante a tratar! A tia Laura acedeu:
“Vai em boa hora, rapaz! O Carretas pode encarregar-se das mesas sozinho durante uma semana. De resto ainda não tiveste férias este ano!”

Voltei ao Beatriz e comprei a minha ida e volta. Depois fui ao Correio e pedi para falar com o tal número em Gala. Falei com o senhor merceeiro que me pediu um instante, que ia chamar o Profírio!
Momentos depois, muito ofegante, chega o Profírio. Quando lhe disse que eu chegava no dia tal às tantas horas à estação da Figueira ele, sem grandes efusões, diz-me apenas:
”Lá estarei sem falta à tua espera na estação!”
Foi a primeira vez que ele me tratava por tu!

Chegada a data prevista para a minha partida, como planeado, levantei-me muito cedo, arranjei-me, tomei o pequeno-almoço e pus os pés a caminho, sem me despedir de ninguém!

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