lundi 20 juillet 2009

As margens do Lis



Depois dessa noite o nosso dia-a-dia continuou como se nada se tivesse passado. Continuámos a ir passar as tardes na esplanada do Parque e a dar as nossas voltas e a fazer planos de futuro.
Na Esplanada, tínhamos sempre a companhia do Jorge e da Encarnação, mas o Mariano nunca mais fez nenhuma aparição. Eu tinha tomado a decisão de apagá-lo da minha memória, mas ela retinha-o com a força das amarras! Meus olhos procuravam-no constantemente em derredor para ver se ele inesperadamente reaparecia. Por muito longe que o sentisse, eu precisava dele ali, imediatamente a meu lado, comendo-me gulosamente com aqueles seus olhos de predador.

Certa manhã, depois de ter tomado o pequeno almoço com o Jojo, ele resolveu ficar em casa para tratar de não sei que matérias urgentes, e eu fui dar uma volta para espraiar o espírito.
Fui sentar-me na esplanada, sozinho a uma mesa. A praga do Mariano voltou à carga. Era já uma obsessão! Eu queria-o nos meus braços, na minha cama, na minha vida, dentro de mim, mas também queria fundar uma família, viver uma vida aceite pela Sociedade, mas no fundo eu sabia-me condenado a viver o meu triste fado, e não aquele que eu gostaria de cantar aos quatro ventos! Mas o meu fado era unicamente uma desgarrada sem qualquer concerto!

Atormentado, sozinho naquela cadeira, querendo libertar-me da minha má sina, decidi por um ponto final no meu desamparo. Levanto-me, atravesso a rua e entro numa papelaria onde costumava comprar postais ilustrados para enviar aos amigos distantes, e compro uma lâmina Nacet. Meto-a no bolso e encaminho-me vagarosamente para as margens do Lis.

Aí chegado, sento-me na relva, escuto indiferente o chilrear da passarada, mergulho os olhos nas águas turvas e tumultuosas, e ataco ao que tinha ali vindo consumar. Tiro a lâmina do bolso e preparo-me para, num gesto decisivo e resoluto, cortar os pulsos e deixar o meu sangue misturar-se com águas trepidantes, e ir em busca do distante mar. Libertar-me definitivamente do meu irresolúvel dilema.

De repente oiço uma voz. Era a voz do Jorge, que me tinha visto entrar nessa papelaria. Ele tinha entrado e perguntado o que tinha eu ido lá comprar, e seguiu-me até ao Lis.
Ele não disse nada. Tirou-me a lâmina da mão, lançou-a às águas, agarrou-me pelos sovacos, soergueu-me e, brutalmente, disse-me que eu tivesse juizo e não fizesse asneiras.
Que eu tinha a vida toda à minha frente! O mundo inteiro à minha espera!

Depois caminhámos em silêncio, olhos postos nos calhaus do caminho. Nossos pés que caminhavam lado a lado, sem saberem exactamente onde iriam ter, que destino nos aguardava.
Ao passarmos pela Esplanada, ele quase ordena:

- Anda daí! Vamos tomar uma bica e um bagaço, e deixar que todos as nossas desditas subam por esses ares fora, envolvidas no fumo dos nossos cigarros. Chupemos as nossas beatas até que elas nos queimem os beiços!

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