Depois dessa noite o nosso dia-a-dia continuou como se nada se tivesse passado. Continuámos a ir passar as tardes na esplanada do Parque e a dar as nossas voltas e a fazer planos de futuro.
Certa manhã, depois de ter tomado o pequeno almoço com o Jojo, ele resolveu ficar em casa para tratar de não sei que matérias urgentes, e eu fui dar uma volta para espraiar o espírito.
Atormentado, sozinho naquela cadeira, querendo libertar-me da minha má sina, decidi por um ponto final no meu desamparo. Levanto-me, atravesso a rua e entro numa papelaria onde costumava comprar postais ilustrados para enviar aos amigos distantes, e compro uma lâmina Nacet. Meto-a no bolso e encaminho-me vagarosamente para as margens do Lis.
Aí chegado, sento-me na relva, escuto indiferente o chilrear da passarada, mergulho os olhos nas águas turvas e tumultuosas, e ataco ao que tinha ali vindo consumar. Tiro a lâmina do bolso e preparo-me para, num gesto decisivo e resoluto, cortar os pulsos e deixar o meu sangue misturar-se com águas trepidantes, e ir em busca do distante mar. Libertar-me definitivamente do meu irresolúvel dilema.
De repente oiço uma voz. Era a voz do Jorge, que me tinha visto entrar nessa papelaria. Ele tinha entrado e perguntado o que tinha eu ido lá comprar, e seguiu-me até ao Lis.
Depois caminhámos em silêncio, olhos postos nos calhaus do caminho. Nossos pés que caminhavam lado a lado, sem saberem exactamente onde iriam ter, que destino nos aguardava.
- Anda daí! Vamos tomar uma bica e um bagaço, e deixar que todos as nossas desditas subam por esses ares fora, envolvidas no fumo dos nossos cigarros. Chupemos as nossas beatas até que elas nos queimem os beiços!
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