mercredi 15 juillet 2009

As Belas-Artes











A nota de 100 escudos desapareceu muito rapidamente! Fui à loja do Normando - um rapaz encantador por quem eu andava também um tanto embeiçado - comprar uma gravata e uma camisa às riscas que estavam expostas na montra e que eu já andava há muito tempo a cobiçar. A nota escrita pelo Assunção entrou numa malinha que eu tinha - à qual eu chamava “O Meu Tesouro” - e que muitos anos mais tarde viria a ser tragada pelas águas revoltas do Canal da Mancha, quando duma viagem de Londres a Paris, sob uma violenta tempestade. Nessa pequena mala eu guardava religiosamente coisas que me eram infinitamente preciosas! Coisas como a mensagem do senhor Assunção; várias edições do “Diário Popular” com todas as boas críticas acerca dos meus poemas por eles publicados na “Antologia de Revelações”; o meu primeiro artigo publicado na revista Turismo, intitulado “Eu Também Tenho um Jardim; o jornal O Carrilhão com a minha primeira quadra publicada nesse jornal quando eu tinha apenas doze anos:

“Não preciso que me compreendam
Ao mundo jamais direi quem sou
Cortarei as amarras que me prendam
E ninguém saberá para onde vou!”

E tantas coisas mais, como a foto do meu querido irmão Alberto, algumas cartas de amor e tantas coisas com um significado sentimental para mim de inestimável valia, como um copo com a marca do batom da Amália.

Dias depois, acabada a leitura da biografia do Eça, fui novamente à biblioteca procurar novas leituras e dei com o meu D. João V emoldurado e exposto numa das paredes da biblioteca, assim como a Dona Mariana de Áustria na parede em frente. Em baixo, no canto à direita da moldura, numa pequena nota colada ao vidro, podia ler-se esta observação:
“Desenho feito por Rogério Carmo, um dos nossos leitores de apenas 14 anos de idade”!

Esses retratos foram certamente vistos por muita gente e, um dia, Pedro Moutinho e Maria Leonor, da Emissora Nacional, foram visitar o Convento e passaram pela Biblioteca Municipal e esbarraram com os meus desenhos. Impressionados, perguntaram ao contínuo onde é que eles poderiam encontrar o tal miúdo. Disseram-lhe que eu trabalhava num Café mesmo em frente do Convento. Eles vieram ao Café Estrela e propuseram pôr-me nas Belas Artes em Lisboa. Como eu andava muito apaixonado pela Balbina, recusei! Ninguém me arrancaria de Mafra nesses belos tempos de outrora! Eles perguntaram-me onde poderiam encontrar o meu pai. Como o meu pai tinha o seu gabinete de Notário na casa do senhor Leonardo, eu enviei-os para lá, era logo ali atrás, no Poço do Rei!
Dias depois meu pai chama-me ao seu gabinete e tem uma longa e séria conversa comigo acerca do meu futuro, que eu devia aceitar a proposta do Pedro Moutinho. Recusei! Eu não queria ser artista, eu queria ser amado! A Balbina era o meu futuro! Várias vezes meu pai tentou convencer-me mas eu persisti sempre na minha recusa!

Um dia meu pai proíbe-me de frequentar a Balbina, porque ela tinha estado tuberculosa. Tinha estado no Caramulo e ele receava muito o contágio. A minha seca e rude resposta foi: “se eu deixar de ir a casa da Balbina, também deixarei de vir à casa do senhor Leonardo! O Alberto também está tuberculoso!”

Foi uma injusta bofetada que dei ao meu pai, a qual eu nunca me perdoarei!

Penso que ele ou minha mãe falaram acerca disso à tia Laura, pois que ela também me fez igualmente essa mesma reflexão acerca do Pedro Moutinho e da Balbina. Lembro-me tão bem das suas palavras tão maternalmente pronunciadas:

“Ó rapazinho, quando é que tu vais ganhar juizo? Um dia vais lamentar a tua falta de tino!”

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