jeudi 16 juillet 2009

Adeus Figueira! Até nunca mais!










De mãos nos bolsos e olhos no chão, metemos os pés a caminho de regresso a casa. Atravessámos uma vez mais essa ponte a desafiar as loucas ventanias, sem um comentário, como se entre nós, nessa noite, nessa praia, contra essa torre, nada se tivesse realmente passado, nada tivesse acontecido! Nem um nem outro ousou gritar, dizer, sussurrar, que os nossos corpos clamavam uma entrega total, imediata, que se queriam fundir e confundir um no outro, no delírio de frenéticos orgasmos, que somente nós poderíamos conceber!

Chegados a casa ele diz secamente:
“boa noite, dorme bem, amanhã tens que te levantar cedo para apanhares o comboio!”

Nessa inquietante noite dei voltas e reviravoltas sobre esse colchão de ruídosas carapelas sem poder pregar o olho. Minha boca e todo o meu ser estavam em carne viva. Eu implorava a todos os santos que Profírio subisse e desse largas ao que os nossos corpos tão intensamente reclamavam. Esperei a noite inteira que ele ousasse, decidisse subir, entrasse no meu quarto, na minha cama, jorrasse dentro de mim! Eu estava ávido, sôfrego, guloso do seu belo corpo a rebentar de escaldantes vigores! Deus não quis ouvir as minhas preces e nessa interminável noite a Eternidade perdeu a mais gloriosa de todas as noites de amor de todos os tempos!

Ao alvorecer de mais um outro outonal dia, Profírio veio dizer-me que me despachasse senão perderia o comboio!

Vesti-me à pressa e desci para os meus derradeiros momentos em Gala! Baixei com a minha mala cheia de trapos, de frustrações, de imensuráveis raivas: raiva de ter vindo, raiva de não ter levado a cabo o meu mais veemente desejo de ter provado a Profírio que o amor entre dois homens era uma decisão da Natureza, uma vontade de Deus, não uma aberração! Que sem sexo a vida seria um árido imenso deserto onde nos perderíamos sem jamais reencontrarmos o caminho que nos mostrasse a realidade duma vida toda inteira a correr atrás da felicidade. Felicidade enganadora, falsa dádiva perfidamente engendrada por crédulos utopistas que não lobrigavam que para além das suas ilusórias quimeras não havia nada! - Nada! - Niente! - Nothing! - Rien! - Nichts! - שום דבר!!!

A mãe dele ainda estava na cama, ainda roncava, nem sequer me despedi dela. Profírio serviu o último frugal pequeno-almoço na cozinha, sem me olhar nos olhos, como se eu não estivesse ali na sua frente, como se eu não existisse! Como se eu fosse apenas um embargo, uma ameaça na sua vida toda controlada por velhas tradições, estúpidas regras, impostas obrigações!
Seria que a sua atitude fosse apenas embaraço da sua parte? Que estivesse envergonhado daquele inolvidável beijo de amor com que o céu nos tinha contemplado naquela maravilhosa noite de luar, na Praia da Claridade, junto à Torre do Relógio? Esse beijo à socapa, beijo proibido, beijo contestado pela Sociedade e suas absurdas limitações?

Depois desse rápido pequeno-almoço, peguei na minha maleta e lá fomos, pela última vez, atravessar essa ponte das ciclónicas ventanias que tudo levava, excepto essas inestimáveis reminiscências duma bela noite de luar, algures no espaço e no tempo!

Eu já sabia o caminho para a estação e segui em frente, a passos largos, como que fugindo de mim mesmo. Profírio acompanhava-me, seguindo-me em silêncio, como que para evitar justificações acerca do que se tinha passado na noite anterior na Praia da Claridade, junto à Torre do Relógio. Amor indomável, amor invencível, amor implacável, ou malfadada ironia do destino?
Chegados à estação, Profírio esperou mudamente a meu lado até o comboio aparecer lá ao longe, na curva das calhas, bufando uma fumarada infernal, como se fosse para o inferno que ele me levaria!
Mal o combóio atracou, Profírio acompanhou-me até à porta da carruagem, abriu-a, empurrou a minha pequena bagagem para dentro do compartimento e, num tom manifestamente comovido, apertando ambas as minhas mãos nas suas, diz-me:
“Boa viagem Rogério! Talvez até qualquer dia...”

Debrucei-me agitadamente à janela para o ver talvez pela última vez sobre o apeadeiro, bafejado por aquela ligeira neblina matinal misturada à fumarada do combóio. Acenei-lhe com a mão e ele - quando o comboio vagarosamente arrancou - pousa um doce beijo na ponta dos seus longos pálidos dedos e envia-mo pelo ar dessa triste manhã de Outono.
Um beijo que não senti na minha carne, mas que se alojou para sempre na minha saudade infinita!

Prisioneiro dessa janela, quando o comboio começou lentamente a afastar-se, continuei a acenar-lhe até ele desaparecer lá ao longe, sobre o cais, como algo, como alguém que gradualmente se reduzia a um pequeno, insignificante ponto final. Ponto esse que o tempo nunca apagaria!

Foi a última vez que vi Profírio! Até à data nunca mais ouvi falar dele! Nem um postal, um telefonema, um inesperado encontrão numa rua qualquer a abarrotar de gente, um imprevisto, nada!

Será que casou? Que fez uma grande carreira como advogado? Foi viver para Lisboa? Ficou em Coimbra? Na Figueira? Foi para o estrangeiro?

Foi feliz? Lembrar-se-á ele ainda daquele ardente beijo naquela noite de lua cheia, contra a Torre do Relógio na Praia da Claridade, às dez e trinta e dois minutos dessa noite memorável?
Só sei que não sei, nem nunca o saberei!

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