Nunca mais ouvi falar do Mariano, nem do Jorge nem da Encarnação.
O Jojo, muitas décadas mais tarde, encontrei-o por acaso em França, em Boulogne-Billancourt, onde eu então vivia. Ele dá-me a sua morada ali em Chaville, a dois passos, que viesse um dia tomar um copo “chez-lui”. O que aconteceu dias mais tarde.
Ele habitava com a mulher, numa pequena casa de campo, perdida na Floresta de Meudon. Tinha um filho adulto que nunca cheguei a conhecer.
Nessa tarde falámos de mil e uma coisas. Do que ambos tínhamos feito esses anos todos que nunca mais nos vimos.
Quando os assuntos se egotaram, acabámos de regresso a Leiria, nesses tempos quando ambos éramos jovens e tínhamos um futuro que nos acenava. Claro que o Mariano veio à baila.
Jojo, sempre pensára que eu tinha tido uma paixoneta por ele e não aquela paixão suicidária pelo Mariano
.
E nisso pairava um certo desapontamento.
Relembrou aquele dia em que eu me aprontava a saltar da sua janela abaixo, que se o tivese feito lhe teria causado uma carga de trabalhos. Que, afinal, viver valeria sempre a pena!
Para isso bastava acreditarmos em Deus e pôrmo-nos inteiramente nas suas mãos.
***
Alguns anos mais tarde, mudei-me para Meudon, ali muito perto da casa onde vivia o Jojo com a sua esposa. Um dia resolvo telefonar-lhe para sugerir-lhe de passarmos uns momentos juntos, mas quem respondeu à chamada foi a sua viuva!
João Paulo já tinha sido enterrado há tempos no cemitério de Chaville, víctima de um cancro.
Dele não me ficou nada, nem mesmo uma fotografia como recordação!
Apenas esta frustração imensa de nunca ter tido o Mariano nos meus braços, dentro de mim, nem que fosse apenas uma vez, um fragmento de dois instantes, uma só vez que talvez, a ambos, tivesse chegado? Que tudo teria sido esquecido em algumas horas, dias, anos?
Nunca o saberei, pois que ainda hoje penso nele e nos momentos de paixão que poderíamos ter vivido juntos se a Sociedade não fosse tão negativamente controladora dos destinos dos outros!
***
Que resta hoje de toda esta história?
Apenas uma mesa dessa Esplanada já sem mim, sem o Jojo, sem o Jorge, sem a Encarnação, sem o meu tão desejado Mariano que passou na minha vida como um rápido relâmpago numa inesquecível noite de Verão!
Agora, quem sabe? Quem estará neste momento à volta dessa mesa dessa esplanada da Praça Rodrigues Lobo, em Leiria? Talvez apenas alguns pombos famintos pousados sobre essa mesa desolada, essa mesa talvez agora com sauddades de mim, do Jojo, do Jorge, do Mariano?
Que será feito desse meu Deus do Olimpo que um dia quase me levou até quase ao Paraíso das Almas Penadas, para além do Arco Iris?
A CRUZ
RépondreSupprimerEu não morrera
Simplesmente
Deixara d’existir!
E duma vida que perdera
Apressadamente
Dispursera-me a saír
Fugia!
Meu corpo inerte
Na terra verde e fresca
Da margem daquele rio
Que a morte não desperte
A vida grotesca
Do meu destino tardio
Jazia!
Mas fugi daquele corpo inerte
Rompi a teia d’arvoredo
E no azul imenso mergulhei
Que minha boca aperte
Eternamente
O segredo que nunca pronunciei
Mentia!
De mãos postas
Junto ao queixo erguido
D’olhos semi-cerrados
Ao mundo virei as costas
Como um foragido
Dos caminhos errados
Evoluia!
No meu alar estatuificado
Os sonhos brancos e leves
Esvoaçavam etéreos no espaço
Sobre meu corpo petrificado
De mãos vazias sorrisos breves
E duma vida que já não faço
Fazia!
Mas deram-me uma cruz
Com uma doirada coroa de espinhos
E pétalas dum sonho desfeito
Para que a levasse a Jesus
Mas perdi-me nos caminhos
Nos caminhos do meu peito
Perdi-a!
E ainda hoje sem um lamento
Continuo à procura
Dessa cruz pesada e dura
Que deixei caír no firmamento
Vivia!
Rogério do Carmo
Leiria, 25 Novembro 1954