samedi 30 janvier 2010

Abusos de Poder, Igual a Martírios




Para voltar de novo aos meus velhos tormentos, apareceram-me os meus primeiros problemas de saúde. Sem saber por que razão, comecei a ter inopinadas urgências de urinar. Eram todos os quartos de hora! dia e noite! Fui ver o meu médico. Ele, com uma carta por si manuscrita, enviou-me a uma clínica em Thiais para fazer um exame do qual eu nunca tinha ouvido falar, a que eu viria a chamar "bitoscopia", pelo facto de se tratar duma sonda que me enfiavam uretra acima - isto sem qualquer anestesia local - para investigarem não sabia muito bem o quê! Esse exame era extremamente doloroso pelo facto de haver uma pequena câmara na ponta dessa sonda, para que o cirurgião analisasse certos órgãos internos ali para as paragens do meu corpo que até essa data só me tinham dado prazeres incalculáveis!

Esse primeiro sacrifício pagão foi nessa clínica em Thiais. Quando dois jovens assistentes com cara de enterro me vieram chamar à sala de espera, fiquei contentíssimo da vida, pensando que esse cirurgião iria resolver-me esse tão desagradável problema sem grandes afazeres. Porém, enquanto aguardávamos a chegada do cirurgião, esses dois perturbados e perturbantes jovens pediram-me para me despir da cintura para baixo e me estirar naquela marquesa. Até ali tudo muito bem. O cagaço assaltou-me quando eles, enquanto um esterilizava um estranho utensílio, o outro pegou no meu sexo e começou também, com uma seringa, a injectar algo de oleoso dentro da minha uretra. Depois do embaraço foi o terror que de mim se apoderou! Momentos depois entra o cirurgião. Disse-me boa tarde e explicou o que me ia fazer. Que ia dar uma vista de olhos à minha bexiga. Que magoaria um pouco mas que não tínhamos outra alternativa! Depois foi avançando e comentando a viagem da minúscula câmara dentro de mim, desbravando os meus órgãos internos, dizendo que estava tudo na ponta da unha e que não precisava de qualquer intervenção cirúrgica. Depois retirou a sonda, descalçou as luvas, e disse-me que fosse para casa e que esquecesse o assunto!

Aliviado, depois dessa inesperada pavorosa experiência, regressei a casa e preparei-me uma vez mais para fazer face ao meu pobre futuro sem grandes expectativas! Uma outra rotina se instalou no meu dia-a-dia. Tudo poderia ter entrado nas normas se não fosse o problema das constantes corridas para a retrete para urinar. Voltei a visitar o meu médico, o qual se mostrou muito surpreendido, pois que tinha recebido uma carta de Thiais dizendo que estava tudo em regra com a minha bexiga. Depois de ter insistido que não era o caso, pois que o problema persistia, novamente ele me faz uma outra carta para outro urólogo numa outra clínica, para um duplo exame e um segundo diagnóstico.

Desta vez fui desaguar numa bela clínica em Ivry sur Seine, nas mãos dum cirurgião encantador que me propôs outra « bitoscopia » ! Depois de me ter queixado do horror que esse exame sem qualquer anestesia representava, ele prometeu-me fazer uma anestesia geral , mas que tinha de ser hospitalizado nessa clínica, para no caso de ele encontrar algo que fosse necessário rectificar, ele o pudesse fazer imediatamente!

Na data combinada, com o meu pequeno saco dos meus necessários haveres, lá me apresentei nessa clínica em Ivry. Claro que, muito bem recebido, acompanharam-me ao terceiro andar e apresentaram-me o meu confortável quarto com janela para a rua. Na manhã seguinte vieram-me buscar de padiola para me levarem para o bloco operatório. Na antecâmara deram-me uma injecção e imediatamente tombei na minha coma artificial Nem cheguei a ver o cirurgião que me iria operar. Horas mais tarde acordei no quarto de reanimação. Um enfermeiro veio buscar-me para me transportar até ao meu bonito quarto. Pelo caminho apercebi-me que eu tinha um tubo que me saía pela uretra, que aterrava num grande bocal de vidro. Fiquei aterrado. O bocal estava cheio de sangue. O enfermeiro ajudou-me a transferir-me para a minha cama, substituiu o ensanguentado bocal por um outro bocal mais apresentável e, afastando-se, disse-me que dentro de alguns momentos me seria servida uma refeição ligeira. Depois dessa refeição a enfermeira inspeccionou a minha sonda e, antes de sair, sugeriu-me que eu devia agora descansar um pouco.

Cinco dias estive nessa cama com uma muito regular mudança de bocais, refeições ligeiras, tomadas de temperatura, e um doce sorriso antes de sair, pedindo-me que tentasse dormir. As dores na uretra e aquela intrusão da sonda dentro daquilo de eu tanto me orgulhava, que me prestara grandes serviços no passado, mas que, desde que a Sida fez a sua aparição, apenas me servia para urinar e ocasionais sessões de desenrasca-te! A minha imensa frustração era perceber que aquela coisa que me tinha sido conferida para urinar e procriar, estava agora limitada a apenas quase um pequeno estorvo. Isso desmoralizava-me ao extremo das das minhas capacidades de agressões externas!

Ao fim desses cinco dias, uma manhã, um enfermeiro veio extrair a sonda da minha uretra e, pela primeira vez na vida, um muito atraente jovem se ocupava da minha intimidade, sem que ela, como no passado, engordasse com apenas um sorriso acompanhado duma piscadela de olho! Depois aconselhou-me um duche, e que me preparasse para regressar a casa e voltar dentro de dois dias para a necessária inspecção pós operatória. O cirurgião? Nem vistas! Devia já estar a jantar com a família e amigos, nalgum daqueles restaurantes muito chiques dos Campos Elísios!

O Doce Caramelo da Minha Alma






Pouco conformado com a minha sorte, lá ia reagindo o melhor que podia para não me deitar pela janela abaixo. O suicídio tornara-se-me numa intransigente obsessão! Saía bastante para fugir a tentações e fingir que ainda vivia. Ia ao Café ver gente, fazer as minhas compras, organizar o jantar, mas sentia-me sempre assustadoramente só desde o dia em que a Cookie fora abatida. Trabalho já nem me dava ao trabalho de procurar. Na minha idade já todas as portas se tinham fechado para mim! Restava-me o ficar em casa distraindo-me com o nosso pequeno computador. Escrever, para mim era uma frágil bóia onde me agarrava para ainda não soçobrar! O que me valia era que éramos frequentemente convidados a jantar em casa de colegas do Pat. Nesses dias não tinha que me preocupar com cozinhados e ainda por cima saía de casa, passar umas horas noutros ambientes menos tensos do que o meu caseiro dia a dia!

Um desses convites chegou-nos um dia de Boulogne, duma amiga do Pat que vivia só e tinha muitos gatos. Ela morava no último andar dum edifício que fazia esquina com a Rotunda Marcel Sembat. Normalmente íamos a um restaurante italiano ali muito perto, mas nessa noite ela decidiu preparar-nos uns bons petiscos em sua casa. Ela tinha aí uns quatro gatos, mas nessa noite encontrei um novo lindo focinho. Era um gato que ela encontrara perdido na rua e que o tinha trazido para casa a pensar em nós, que tínhamos perdido a Cookie. Claro que recusei! Eu não queria mais gatos na minha vida! Porém a páginas tantas esse belo gato amarelo e branco subiu para o meu colo, enroscou-se, começou a ronronar, e depois adormeceu. Ela virou-se para mim e atirou abruptamente:

- OK! Tu não o queres mas ele já te adoptou!

Moralidade da história: Depois dessa grande jantarada onde tínhamos chegado dois, regressou a Villjuif uma pequena família de três cabeças e três rabos. No carro ele continuou ao meu colo e mal chegámos a casa pu-lo no chão. Ele visitou a casa toda, fez dela o seu novo território, e nessa noite noite já dormiu connosco na nossa cama. Como ele era muito amarelo dêmos-lhe o nome de Caramelo!

A presença do Caramelo na nossa casa e nas nossas vidas, trouxe-nos uma certa alegria de viver que tínhamos perdido quando o Pat levara a nossa querida Cookie ao matadouro. Mas o Caramelo não vinha tomar o lugar da Cookie, ele vinha simplesmente ser o mestre do seu território, não o da Cookie. Para nós Cokie estava no céu à nossa espera e enquanto esperávamos, o Caramelo para nos ajudar a esquecer a sua ausência. Muito rapidamente ele começou a ser o dono da casa e nós os seus serviçais amigos. Tive muitos gatos na minha vida, mas este, nunca saberei por que razão, amei-o como nunca amara todos os outros que tinham velozmente atravessado a minha estrada, mas que nunca foram realmente esquecidos ! A minha vida continuou sem eles, mas eles continuaram na minha vida! Desde o Farrusco, no Cartaxo, o primeiro gato da minha vida, e todos os outros que vieram depois, foram como elos duma corrente que me aprisionaria para todos o sempre. Ele já não era nenhum bebé, mas quando o levámos ao veterinário para o declarar e obter os documentos necessários das usas vacinas, ele disse-nos que ele devia ter aí os seus quatro anos!

Comprámos uma casinha para ele, assim como a sua nova casa de banho, brinquedos, pratos para lhe servir as suas refeições e, claro, carradas de doses individuais de paparoca para o nosso novo bebé! Uma coisa era certa, uma determinada obsessão de acabar os meus dias foi de férias por alguns tempos. Ele gostava muito do meu colo e eu muito da sua doçura. Ele tornou-se num grande companheiro de ditas e desditas! Para onde eu ia ele seguia-me! Pior do que um cachorro! Os gatos são normalmente muito independentes, mas o Caramelo era como uma parte de mim mesmo da qual nunca mais me separaria. A sua presença ajudava-me a de tempos a tempos esquecer o meu outro bebé que me era também tão caro e insubstituível: a Alfa!

vendredi 29 janvier 2010

A Indiferença, a Apatia Unviversal




E a minha vida lá prosseguia, indiferentemente! Tinha de ultrapassar o medo dos assaltos, as saudades da Coockie, o não ter outra ocupação do que olhar-me no espelho e notar que impiedosamente eu envelhecia. Um dia, ao olhar-me mais de perto, reparei nos papos que eu tinha sob os olhos e apercebi-me de que envelhecer era o pior dos insultos à dignidade humana!

O Pat saía de manhã e só voltava à noite, e eu via-me reduzido à minha solidão. A Alfa corria-me no sangue e no pensamento. Tristemente me apercebi que ninguém, nenhum de todos esses colegas com quem simpaticamente confratenizara na Alfa, se dava ao trabalho de me telefonar a indagar como estaria eu a viver esse doloroso afastamento dessa rádio que me tinha saído das entranhas.

Apenas uma vez o meu telefone tocou, graças a um dedo que discou o meu número dum dos muitos telefones da Alfa! Era o Castro a perguntar-me se eu estava à escuta da Alfa. Respondi-lhe negativamente e ele aconselhou-me a fazê-lo, pois que tinha uma grande surpresa para mim! Liguei o rádio e aguardei... Ora, a grande surpresa era que a Amália estava no seu programa em pessoa, lá nos estúdios. Fiquei varado com o acontecimento. Eu tinha-a entrevistado oito vezes, mas era sempre eu que ia procurá-la ao hotel em Paris onde ela se tivesse instalado. Logo após ter respondido à primeira superficial pergunta do Castro, a Amália perguntou:

- Onde está o Rogério?

Orgulhosamente o Castro respondeu:

- O Rogério já não trabalha na a Alfa!

Respondeu a Amália com tristeza na voz:

- Que pena! Eu tinha vindo para estar um bocadinho com ele... (SIC)!

***

A outra vez que me telefonaram foi quando a Amália deixou este mundo! Um dos jornalistas, sabendo do meu amor por essa grande artista e sabendo que eu a tinha entrevistado oito vezes, queria entrevistar-me acerca dessa grande senhora! Perguntei-lhe quando seria a próxima vez que ele me telefonaria? Se seria quando o Carlos do Carmo a seguisse? Eu tinha sido operado a um olho e andava a ver tudo multiplicado por mil, e ninguém sabia das minhas desventuras, pois que nunca ninguém se tinha dado ao trabalho de me telefonar para saber se eu ainda estava vivo...

...Disseram-me que ia ver tudo duplicado!
Tudo menos a vida o ordenado!
Afinal por sete
Tudo acabei por ver multiplicado!

Minhas mãos
-Onde sempre apertei meus segredos-
Eram dois monstros
Cada uma trinta e cinco dedos!
Minha gata era uma centopeia
E meus amores
Se pelos dedos os pudesse contar
Setenta deles vos poderia desvendar!
Cortejo de amores imensa melopeia
Amores de neon amores à luz da candeia
Como meu segredo ainda é mais forte
De que a própria vida a própria morte
Aqui me fico aqui me calo
Grito de socorro ao mar lançado
Garrafa sem rolha nem gargalo
Grito pelo mar há muito já tragado!

Em minha casa
Sombras e vultos medonhos!
Ninguém sabia da minha existência
Total ausëncia dos meus sonhos
Cruel prematura decadência!

Vinte e oito telefones que não tocavam
Duzentos e dez amigos que não chamavam
Vinte e oito paredes que me asfixiavam
Sete bocas um só grito calavam!
Um peito onde sete gritos se fundiam
Quartorze olhos que se fechavam
Sete que cegavam
Vinte e um que nunca mais abriam!

Eu que na vida a amizade sempre cultivei
Só mais tarde verificara
Como sempre me enganara
Como sempre me enganei!
Os amigos são para as acasiões
As ocasiões não para os amigos!
E neste mar de desilusões
Fecharam-se-me todas as portas e todos os portões
E mesmo todos os postigos!

Aqui me fico em gestos quedos
A contar meus anseios meus degredos
Minha mão num triste adeus acenando
Minha mão a outra sepultando
Seus trinta e cinco dedos!

Na penumbra de uma capela de Paris
Trinta e cinco círios vão ardendo
E meus olhos lentamente vão morrendo
Afogados nas minhas lágrimas pueris!
Minhas mãos aos céus erguidas
Trinta e cinco dedos cada
Setenta despedidas
Setenta dedos entrelaçados
No meu peito setenta cruzados
Setenta contas dum longo rosário
Setenta contas desfiando
Setenta cruzes arrastando
No meu ingreme calvário!

Cabeça baixa olhos tão cerrados
Cabelos longos desalinhados
Foragido dos caminhos onde errei
Andrajos rotos enxovalhados
Espinhos em nuca bem cravados
Chagas que nunca sararei!
Lábios mudos lábios apertados
Sermões que jamais serão prégados
Missas que nunca resarei!
Oráculos nunca suspirados
Pregões nunca apregoados
Hossanas que nunca entoarei!


Rogério do Carmo
Paris, 18/8/1988

Os Três Malvados Assaltos






Tínhamos comprado aquele apartamento em Villejuif, o tal no 5, rue du Dr. Paul Laurens - 2° Esq., para ficarmos mais perto da Rádio Clube Português, naquela minha já tão antiga ambição de fazer rádio! Agradou-nos também o facto de a casa ficar ali mesmo em frente do Metro Louis-Aragon, assim como o Mercado e todas as outras lojas mais necessárias. Isto sem falar nos dois grandes Cafés e esplanadas ali mesmo à porta! Eu que tanto aprecio ir tomar um café de vez em quando e, sobretudo, ver gente e ouvir rir e falar todos aqueles encostados ao balcão, a virarem os traseiros aos que, como eu, preferimos sentarmo-nos uns momentos a descansar as pernas e a engordar os olhos e outras coisas mais! Além de tudo isso, Villejuif era uma vila calma e povoada por pessoas bem-postas e bem-educadas. O problema é que o que é bom acaba-se depressa! Rapidamente se começou a ver jovens com o boné de pala para trás, faca ao cinto, e "pitbulls" à arreata! Com a sua chegada partiram para bem longe esse grande sossego e bem-estar!

Para nós, depois de todas as obras que fizemos para que o apartamento ficasse como novo, era um inefável conforto viver ali num sítio tranquilo e bem verdejante. Até ao dia em que, voltando do meu trabalho na Torre Atlas, meti a chave à porta e ao abri-la deparou-se-me todas minhas roupas e sapatos, fotografias, todos os meus poemas e outras papeladas, espalhados pelo chão! A sensação ressentida foi precisamente aquela de se ter sido violado. Não o corpo mas sim os nossos domínios e privacidade! Imediatamente me apercebi do desaparecimento do nosso televisor, leitor de cassetes vídeo, e o Bar estava vazio. Era evidente que também tivessem procurado valores monetários, pois que as gavetas estavam todas abertas, despejadas, e os colchões de pernas para o ar! Não encontro palavras que possam descrever o que senti! Talvez apenas, como já o disse, ter sido violado por meia dúzia de bandidos! Era evidente que eles tinham entrado pela janela da varanda, que eu deixava sempre entreaberta para arejar, mas isto num alto segundo andar! Claro que a partir dessa data, antes de sair , tinha sempre o cuidado de verificar que todas as janelas estavam bem trancadas !

Todos os meus cuidados foram poucos mas, mesmo assim, meses mais tarde, voltaram a assaltar-nos. Desta vez, encontrando todas as janelas fechadas, arrombaram a porta. Desta vez o estrago ainda tinha sido maior! Quando eles pressentiram o meu retorno, saltaram pela janela! Esse famoso alto segundo andar! Penso que este tipo de jovens que vivem desses abusos é, são alpinistas profissionais. Desta vez não roubaram nada porque não tiveram tempo de acabar o seu trabalho! Eu tinha apenas ido à rua tomar um café ali num pequeno Café dentro do Metro e eles, se calhar estavam à coca, e pensaram que eu tinha tinha ido apanhar o Metro para ir até Paris. Isso lhes teria dado tempo que chegasse para fazerem limpeza geral! Mesmo assim, ainda tiveram tempo de encher duas malas com todos os meus CD! Nesse dia pensei que o melhor seria mudarmos de casa, de morada! Os nossos vizinhos - mesmo os do rés-do-chão - nunca sofreram esse mesmo tipo de investidas! Achei muito estranho! Falei com o Pat e decidimos vender o apartamento e ir alugar um outro algures menos selvático!

O anúncio foi posto numa Agência ali perto, mas ninguém se mostrou interessado durante uma longa temporada! Não tínhamos outra alternativa senão aguentar, mesmo temendo sermos assaltados à noite, durante o nosso sono. Mais o alto risco que isso representava! Tivemos de continuar a viver a nossa rotina o melhor que se podia! Não era mesmo nada fácil, mas realmente não havia qualquer outra solução que aguardar que alguém se interessasse na compra do nosso bonito apartamento!

Tempos mais tarde, estava eu em casa de janela entreaberta a fazer a limpeza quando, inesperadamente, ouvi uns estranhos ruídos vindos lá de baixo, do jardim que circundava o nosso edifício. Cheguei à varanda, olhei para baixo, e vi um jovem a trepar até à varanda do andar de baixo. Outros dois aguardavam sentados na relva, controlando as manobras. Quando lhes gritei que dessem a volta que eu lhes abriria a porta, os dois lá na relva agarram nos pés e piraram-se a grande velocidade. O que estava a chegar à varanda sob a minha, desprendeu-se e caiu sobre as lajes. Penso que partIu uma perna, pois que virou a esquina ao pé-coxinho! Eram, claro, aqueles folclóricos jovens que eu costumava ver lá em baixo, à esquina, sentados num baixo muro, a espevitarem os dentes e a fazerem festinhas nos seus colossais « pitbulls » !

Eu procurava compreender como era que Villejuif tinha sido invadida por esse tipo de adolescentes maltrapilhos. Certamente que eram resultados da união de todos os países europeus, que os políticos começavam a fazer para competirem com os Estados Unidos da América! Eles - penso - sonhavam e ainda sonham com os Estados Unidos da Europa! Agora todos os países que constituem esse continente têm liberdade de passarem as fronteiras sem terem de solicitar qualquer Visa! Assim cada qual faz o que muito bem lhe parece e vai onde muito bem lhe apetece, pois que esses jovens entre eles falavam uma língua que eu totalmente desconhecia! Assim cada país se tornou na montureira dos vizinhos do lado!

mercredi 27 janvier 2010

A Dolorosa Morte da Cuca





A minha vida, o meu destino, a minha odisseia, tinham de continuar! Novamente uma luta constante para sobreviver, pois que para viver o caminho parecia-me vedado. Não sabia que malditas forças me tinham tolhido os passos!

Voltar para a limpeza em casa dos outros começava a ficar fora de questão. Com os meus sessenta Outonos sobre as minhas espáduas, essa saída pareceu-me também sem qualquer entrada. O meu corpo começava a enviar-me incontestáveis mensagens dum irrevogável declínio físico! Tinha que olhar em frente em busca doutra quimera, doutros recursos de continuar a esbracejar até à outra margem!

Para ainda mais me abater, a Cookie - a quem eu ternamente chamava a minha Cuca - também com os seus vinte anos sobre o seu alquebrado lombo, começou a ter dificuldades para se deslocar. Ela a custo se arrastava para ir à sua toilette e ao seu pratinho para se alimentar. Tanto ao Pat como a mim mesmo, custou-nos muito vê-la acartar com tanto custo o seu pequeno já tão fatigado corpo. Pat levou-a ao veterinário mas, visto a sua elevada idade para um gato, ele aplicou-lhe, implacavelmente, o golpe de misericórdia! Aquela injecção, aquele corpo que deixou de arfar, aqueles tão lindos olhinhos verdes que para sempre se fecharam! Juntos chorámos essa grande companheira que tinha compartilhado connosco vinte anos das nossas existências, e jurámos solenemente: Basta de gatos, basta de tão dolorosas separações!

Durante meses a Cuca continuou a marcar presença naquela casa agora tão vazia! A despeito de termos deitado fora os seus pratinhos e a caixinha de areia onde ela tanto gostava de vasculhar, a cada instante os nossos pensamentos a procuravam. Uma vez mais a morte se me deparou como a única possível fuga ao sofrimento humano e animal!

Uma tristeza, uma sombra negra, pairou no ar até que o tempo injustamente apagou aos poucos aquela tão nossa preciosa e chorada presença. Gradualmente essa presença que tanto por vezes nos incomodava, transformou-se numa insuportável longa ausência! A jura ficou no ar: Não mais gatos! Não mais a perda de "alguém" que tanto amámos! Finito! Mais vale viver só do que demasiado bem acompanhado!

Ameaças Rondaram à Porta


O grande problema começou com a grande depressão que se instalou no mais profundo do meu ser. Psicologicamente eu ficara traumatizado até à ponta dos cabelos e das unhas dos dedos das mãos e dos pés! Eu tinha problemas para adormecer, dormia mal, tinha pesadelos de fazer acordar toda a vizinhança, e perdera o apetite. Sobretudo o de viver! Quando ia para a cama pedia a Deus que eu adormecesse depressa e nunca mais acordasse! Ao acordar pedia a Deus que a noite descesse rapidamente para eu voltar aos meus horríveis pesadelos de todas as noites! Arrastava-me da cama e metia-me num banho quente para ainda encontrar algo que ainda me dava algum prazer. Uma dessas manhãs, enquanto totalmente submerso no meu banho, ao abrir os olhos, deparou-se-me uma lâmina de barbear sobre a borda do lavatório, que parecia sorrir-me perniciosamente, como sugerindo-me um descer de pano:

- Pega-me! Quero-me perto das tuas veias! Preciso do teu sangue!

Num arrebate, seduzido por aquela diabólica alternativa, aquela sede de sangue, agarrei nessa lâmina e, dum golpe decisivo, cortei o pulso esquerdo! Mas ao ver o meu sangue começar a tingir a limpidez daquelas tépidas águas, ocorreu-me a dramática e penalizante surpresa que causaria ao Pat! Na minha gata que tanto ainda precisava do meu carinho e apoio para que o seu fim de vida fosse o menos penível possível! Dei um grito e saltei do banho! Enxuguei o meu pulso e cobri esse sangrento golpe com um pequeno penso adesivo, e jurei a mim mesmo ser forte, e não deixar que a Alfa - a quem eu dera a vida - não me roubasse agora a minha!

Quando o Pat voltou e viu aquele penso perguntou-me o que se tinha passado. Menti-lhe, dizendo que me tinha cortado acidentalmente com uma faca, ao preparar o jantar. Ainda hoje o Pat não sabe desse meu acto de desespero desse meu já tão longínquo dia!

samedi 23 janvier 2010

A Devastadora Ímpia Depressão




Ao chegar a casa, subir àquele segundo andar, foi como subir à torre mais alta dum fantasmagórico castelo, com ideias de saltar e ficar enterrado na terra lá em baixo, até aos tornozelos. Que os meus pés ficassem de fora para eu poder ir um pouco mais além! Mas ao abrir a porta a minha gata - a Cookie - já entorpecida pelos anos, roçou-se toda por mim. Peguei nela ao colo, encostei a minha face àquele doce focinho e imediatamente encontrei mais outra desculpa para continuar de pé! Ela precisava ainda tanto de mim! Encontrei nela uma basta razão para continuar de pé! De amar e ser amado! Nesse momento realizei que eu amava a minha gata e que ela me amava também! Como dissera um dia, daria a vida para nunca morrer, mas nesse momento senti que a morte seria talvez a melhor maneira de deixar de andar a mendigar por este mundo a rebentar de atrocidades, mas eu queria ser mais forte do que essa incontestável realidade! Ao olhar para a nossa mesa de casa de jantar, ali, onde a Alfa tinha sido gerada, essa rádio que para mim era como um filho que me tinha saído das minhas próprias entranhas, que tão malvadamente me tinha sido arrancada aos meus braços agora pendendo ao longo do meu corpo farto de labutar para encontrar sempre uma razão para avançar, pensei seriamente em recuar! Recuar até ao ventre de minha mãe. Se possível, até mesmo aos testículos de meu pai! A vida e a morte são tão naturais como fechar os olhos para lavar a cara, mas nesse dia eu não fechei os olhos sob a torneira para lavar o sal das minhas lágrimas! Senti-me como uma lâmpada fundida à espera de ser deitada fora, mas decidi carregar de novo as baterias e dar ainda à luz mais alguns sonhos ainda por serem inventados!

O meu maior problema era que eu tinha de fazer planos de futuro mas o futuro parecia ter deixado de existir para mim. Como se ele, de repente, me tivesse fechado a porta na cara! Eu que, na Alfa, tinha sempre tantos projectos de futuro, além de amar e ser amado! Percebera que nunca poderia ser amado por todos os meus colegas, por haver entre nós uma demasiado grande diferença de culturas e vivências. Eu tinha corrido mundos e eles tinham-se limitado apenas ao velho "em Agosto se Deus Quiser, vou de Férias a Portugal"! Eu falava uma língua morta e seis bem vivas, e eles falavam apenas uma mistura qualquer chamada "imigres"! Eu publicava livros que recebiam Prémios Internacionais, e eles nem sequer se davam ao trabalho ou ter a competência de escrever os seus próprios programas! Eu tinha feito um retrato dum rei português que tinha sido catalogado Património do Estado em Portugal! Eles nem sequer sabiam fazer um rabisco! Eu era extrovertido, sempre mostrando abertamente quem eu realmente era! Eles escondiam-se por detrás duma boca cerrada, que nada mais tinha para dizer que pequenos nada inofensivos insultos feitos de esguelha, ao passarem por mim! Lamentei imenso essas distâncias por eles próprios criadas, pois que gostava deles tal como eles eram e apenas pedia em troca que eles gostassem de mim tal como eu era! Esforços vãos!

E Tudo o Vento Levou!




Pouco a pouco fui fazendo mais este outro luto, graças ao facto de estar sempre tão ocupado com o meu programa e a criatividade necessária para o fazer todos os dias sem se tornar monótono ou repetitivo. O que me valia eram os convidados todos os dias com temas diferentes a discutir. Por outro lado o ambiente entre colegas continuava estável. A Cássia compartilhava o mesmo escritório e ajudava-me bastante nas minhas funções. Todos os dias era abrir toda a correspondência e acusar a recepção dos ditos envios. Convidados para a segunda hora não me faltavam, mas umas certas invejazinhas começaram a flutuar no ar, de parede a parede. A Doutora e o seu "protegido" eram muito meus amigos, mas quando, algum tempo depois, fui a Portugal para passar duas semanas com a família, ao regressar, fui chamado ao escritório da Doutora e do seu "cúmplice", e fui informado que "Bica e copo de Água" tinha sido excluído da grelha de programação. Concederam-me então uma emissão nocturna para adormecer o auditório. Era da meia-noite até às duas da manhã. Sarcasticamente, intitulei esse programa " E Tudo o Vento Levou"! Claro que o programa tinha de ser gravado durante a tarde, pois que a essas horas da noite eu não tinha transportes. Senti-me infelicíssimo, pois que não era a mesma coisa que fazer em directo. Na gravação eu sentia-me como a falar para o boneco! Em directo sentimos a presença do auditório lá do outro lado do microfone. Era evidente que a Doutora andava radiante com o mal que me tinha feito! Eu era alguém que lhe fazia sombra e isso incomodava-a. Como ela era a directora da programação e tinha as rédeas nas suas mãos, podia muito bem fazer o que lhe apetecia. E o seu assistente "assistia-a"! Ela passava por mim, empertigada como se fora uma rainha, e quase que não dava por isso que eu ia ali a passar a dois passos da sua arrogância.

A gravação do programa era feito da parte da tarde num dos estúdios da Alfa. Eu fechava a minha porta e procurava fazer como se estivesse em directo altas horas da noite. Falava com os ouvintes como se eles estivessem já na cama a repousarem-se de mais um dia de trabalho mas, nesse mesmíssimo instante, eles estavam nos seus empregos. Moralidade da história: eu estava ali feito espantalho a cagar larachas!

Ainda por cima comecei a ter problemas de saúde. Por causa da fina poeira que nos entrava pelas janelas, vinda das dunas de areia ali mesmo por detrás do edifício, comecei a ter problemas com as lentes de contacto. A poeira instalava-se sobre elas, endureciam-nas, e causavam-me queratites umas atrás das outras! No hospital oftalmológico onde me tratavam, ali para os lados da Bastilha, disseram-me que se eu continuasse a ter esse problema acabaria por ficar cego. Isso alarmou-me duma maneira atroz! Por coincidência tive uma convocação da Medicina do Trabalho para a inspecção anual. Claro que falei desse problema à médica e ela pediu-me para fazer uma radiografia aos pulmões que acusou lesões provocadas pela aderência de poeiras, e enviou-me a um ORL para analisar o estado das minhas mucosas nasais, que acusaram uma polipose nasal avançada. Essa mesma médica, que me tinha examinado uma vez por ano todos esses anos que trabalhei em Ivry, pediu-me que lhe descrevesse os locais onde então eu trabalhava. Falei-lhe dessas dunas e dessa poeira e ela pediu-me para eu me afastar desses locais e procurar trabalho num outro sítio mais limpo. Quando lhe expliquei que eu era um dos fundadores dessa rádio, e que essa rádio era como um filho meu, ela disse-me que iria falar com o novo proprietário, para ele instalar um sistema de climatização que nos permitisse trabalhar com as janelas fechadas.

Mais tarde ela voltou a convocar-me para me dizer que o meu patrão tinha recusado essa instalação e que ela o tinha processado e que eu devia cessar o meu trabalho em Valenton, senão teria sérios problemas com os olhos, pulmões, e nariz. No dia seguinte era o meu aniversário, fazia 60 anos, e na Alfa fizeram-me uma festa de aniversário e ao mesmo tempo de despedida, pois que a médica me dera ordens de cessar as minhas idas à Alfa, por causa do processo que ela lhes tinha feito, baseado em "despedimento abusivo".

Depois dessa festa, ao atravessar a rua para ir apanhar o meu autocarro para regressar a casa, tive vontade de por ele ser atropelado. Durante a viagem não conseguia controlar nem esconder o meu choro, ao ponto do chofer, na paragem seguinte, levantar-se e vir perguntar-me o que se passava comigo. Limitei-me a dizer-lhe que acabava de perder o meu trabalho, sem entrar em detalhes. Ele disse-me que não chorasse, que nos momentos difíceis da vida há sempre algo ou alguém que nos dará a mão!

Essa Inesperada Mudança de Casa




O meu repetitivo dia a dia entre a minha casa e a Alfa decorria normalmente, estilo ponteiros saltitando de segundo em segundo! Rotina! Eram os meus programas irem para o ar todos os dias à hora prevista, colegas e vida familiar, e algumas surpresas de vez em quando. Alguns dos meus convidados eram surpreendentes, outros duma banalidade absoluta, outros uma chachada infernal! Mas a grande, grande surpresa foi quando, sem quaisquer antecipadas predições ou insinuações, repentinamente a Alfa mudou-se para Valenton! Quando perguntei o que se passava, responderam-me indiferentemente que a Alfa tinha sido vendida e que tínhamos agora um novo proprietário. Nunca saberei quem foram os "vendidos" que, nas minhas costas, venderam a Alfa, soube apenas que a minha emissão começaria a ser difundida dum lugar do qual nunca tinha ouvido falar! Uma manhã levaram-me lá para eu aprender a fazer a minha técnica utilizando um material muito mais sofisticado. O meu primeiro pasmo foi, ao chegarmos lá, ver que a Alfa estava então instalada num gigantesco edifício, ali perdido em terras de ninguém, rodeado de dunas de saibro. Ao subir ao segundo andar depararam-se-me umas instalações muito espaçosas com um grande terraço ao fundo. Haviam várias dependências que passariam a ser os escritórios duma parte do pessoal. A cabine de som - a que passou a chamar-se o "aquário" - era bastante reduzida. Como aquário só cabia um peixe de cada vez e nada de grandes braçadas. Havia um grosso vidro e do outro lado uma pequena sala com uma mesa redonda com cinco microfones e cinco cadeiras. Fiquei deslumbrado! Que categoria! Mal pus os olhos sobre a mesa de mixagem logo me apercebi que muito rapidamente seríamos ambos grandes amigos de longa data!

Como de Villejuif eu apanhava do Metro Louis Aragon um autocarro directo até Valenton, uma pequena viagem de vinte minutos, a vida tornou-se-me mais fácil. Chegado à Rotunda Pompadour, ia a pé por caminhos e atalhos até à Alfa, num curto e salutar matinal passeio. Os meus programas continuavam a ser escritos e elaborados em casa, depois do jantar, e durante essa essa breve viagem eu inventava as minhas histórias do senhor Fagundes e Maria do Amparo. Eram quase sempre três breves historietas visadas a fazerem rir o pessoal. Uma vez, três miúdos que iam sentados no mesmo banco traseiro, iam a galhofar acerca da minha pessoa, chamando-me "velhote". Virei-me para eles e sibilei-lhes:

- Posso garantir-vos que já tive a vossa idade, mas não vos posso garantir que vocês um dia venham a ter a minha!

Ficou o caso arrumado! Acabou-se a galhofa e eles ficaram com cara de enterro! Talvez tenha sido a primeira vez que recebiam uma "ameaça de morte"!
Como sempre eu fazia da primeira parte uma hora de boa disposição, e a segunda hora sempre com um convidado – tentava fazer um trabalho mais sério, que fizesse reflectir os que estavam à escuta.

O programa continuava a ser bastante popular e tinha por vezes pessoas que se deslocavam até à rádio para me conhecerem pessoalmente e pedirem-me um autógrafo. Por vezes a Fátima, a recepcionista lá em baixo no rés-do-chão - essa minha saudosa amiga - mal fechava o meu programa, telefonava-me para me dizer que alguém que me queria conhecer me esperava lá em baixo! Eu descia, sempre um tanto intrigado. Quem poderia ser essa pessoa? Foram muitas. A maioria era porque gostariam de passar na minha emissão para se fazerem conhecer. Especialmente esses muitos cantantes que então haviam, sem qualquer talento, mas ambicionando fazerem uma grande carreira. Esses, ajudei-os todos! Que fosse o auditório que decidisse! Um deles que não tinha ponta por onde se pegasse, veio oferecer-me o seu "último disco"! Por graça perguntei se era realmente o seu último disco? Quando ele, com a cabeça, me acenou afirmativamente, eu, para subtilmente fazê-lo compreender que não tinha qualquer talento, disse-lhe:

- O último? Ainda bem! Que boa novidade!

Mas não o fazia com maldade. Alguns até bem gostava deles como malta nova a tentarem ser "alguém"!

Outra vez foi uma senhora que me queria conhecer, porque eu tinha uma bonita voz. Ao ver-me, estupefacta, ela atirou-me à cara:

- É você o Rogério? Que coisa. Tão magrizela!

Eu arrumei o caso dizendo-lhe apenas:

- Ó minha senhora! Eu não estou aqui para ser vendido ao quilo!

Ela deu uma grande gargalhada, pregou-me um repenicado chocho na face, e lá se foi mais conformada!

Becos sem entradas nem saídas!





Porém a vida tinha de continuar até que chegasse a minha vez de ir ter com todos aqueles que tanto amei e me deixaram pelo caminho, neste mundo onde as pessoas parecem ignorarem-se umas às outras, onde a ternura parece ter deixado de existir ! A Alfa e eu continuávamos vivos e com vontade de viver, de seguir a nossa caminhada até onde Deus quisesse!

Para fugir um pouco àquele divã vazio no meu estúdio, pegámos nas nossas malas e dêmos um salto até Israel para passarmos duas semanas em casa da Yvonne, em Ramat Gan, esse belo bairro de Tel Aviv. Precisava de me afastar de Villejuif, ir dar umas braçadas no Mediterrâneo, ali na Praia Frishman ! Ver gente, estar com a amigos, apanhar sol, esquecer um pouco todas essas facadas que me tinham vitimado ultimamente! Depois dessas duas semanas passadas a lutar contra as marés a que a vida nos condena, voltámos a Paris firmemente decididos a continuarmos vivos até que Deus quisesse. Eu voltava para a minha casa, a minha Alfa, o meu "Bica e Copo de Água, a minha rotina !

Com os riscos que se corria em ir para a cama fosse com quem fosse, a minha sexualidade entrou em ponto morto, para não dizer em marcha atrás! A última vez que tentei ter sexo com alguém foi, ao sair do Metro Louis Aragon, esbarrei com um bonito asiático que me devorou com os olhos. Para matar saudades duma sexualidade em declínio, convidei-o a subir para um whisky e suas consequências. Enquanto se tomou o whisky tudo decorreu normalmente, mas chegara a altura de mudar de assunto e o sexo entrar em acção. Como habitualmente, procurei o nosso primeiro beijo profundo. Porém, santo Deus, esse asiático vinha prevenido para o que desse e viesse e até para esse primeiro beijo ele sacou do seu saco um preservativo para entrepor entre os nossos primeiros contactos linguísticos! Fiquei apavorado! Aquilo não era mais uma das minhas tantas entregas no corpo de alguém! Levara a minha vida a entrar dentro dos outros quase sem pedir licença. Aquilo era um insulto à nossa liberdade de sair e entrar dentro fosse de quem fosse! Nesse mesmo momento, tal como Greta Garbo, decidi "retirar-me" da minha grande carreira no seu apogeu! Desde esse dia nunca mais toquei em mais ninguém nem mais ninguém me tocou! Nesse momento decidi que as milhares de vezes que tinha ejaculado eram mais do que suficientes para uma vida toda inteira! Intimidades, a partir desse doloroso momento, só com as minhas próprias mãos! Mas com uma condição: Sem luvas de borracha!

Tinha de me contentar com o ser solicitado para outras maneiras de ejacular. Ser notado, apreciado pela minha voz, a minha originalidade. Até participar numa passagem de modelos um dia aceitei! Eu nascera para o palco. Essa noite eu estava no palco. Todos os olhos estavam postos em mim! Esta cruel necessidade de amar e ser amado! Este nefasto egocentrismo do qual tenho sido vítima toda a minha vida! Ser sempre o melhor! Desde as antenas da Alfa até ao atravessar a rua para fazer as minhas compras! Até numa bicha nas caixas dos Supermercados fazer disso um palco! Fazer o meu cinema! Comunicar! Quase gritar à indiferença universal: Eis-me! Estou aqui! Ainda existo, ainda estou vivo! Eu quero, preciso de ser amado!

vendredi 22 janvier 2010

Sombras, sombras e Arroz-Amargo







Um dia a Dona Eugénia - do Restaurante "Arroz-Doce" - convidou-me a fazer uma sessão de assinaturas do meu livro Sombras. Insisti para que a Rita me acompanhasse. Ela acedeu. Talvez ela própria tivesse pensado que isso a ajudaria a aliviar o seu luto, o nosso luto. Sentados numa grande mesa à entrada do restaurante, depois duma boa jantarada como apenas a Dona Eugénia sabia confeccionar - arroz de mexilhão - tomámos um bom café e fumámos um longo cigarro. Isto feito expus os meus livros sobre a mesa e a Dona Eugénia anunciou a minha presença para dedicar os meus livros aos que, ali presentes, estivessem eventualmente interessados. Depois dum grande "ah" geral, alguns dos clientes ali sentados à nossa beira, vieram para me felicitar pelo meu programa, dizerem-me que tinham muito gosto em me conhecer pessoalmente, e pedir-me um livro autografado. Assinei um livro de vez em quando e entre duas assinaturas, como ambos tínhamos despejado uma boa garrafa de tinto, aproveitei para atacar a sério para tentar ajudar a Rita a descer da sua torre, essa torre onde ela aprisionava a sua dor. Como ela me pareceu baixar um pouco o seu pontão, aconselhei-a a mudar de casa, não para esquecer o homem que amava, mas sim para tentar viver uma vida a sós, acompanhada das suas boas recordações dum passado todo vivido a seu lado. Os seus olhos encheram-se de lágrimas e a sua boca martelou-me ameaçadoramente:

- Rogério. A melhor solução é mudar de mundo e ir ter com ele. Não posso nem quero viver sem ele! Onde quer que ele esteja eu quero estar com ele!

Quando as pessoas começaram a pagar as suas contas e a porem os pés a caminho das suas casas, arrumei os livros que me tinham sobrado e o Pat conduziu-nos de volta a Villejuif. Nessa noite, antes de nos deitarmos, ela, ao dizer boa-noite, antes de se fechar no seu estúdio, pôs-me a sua trémula mão sobre o meu ombro e, fixando-me firmemente nos olhos, como uma condenação, assegurou-me:

- Rogério! eu não quero mais viver sem o Zé! Tenho de me preparar para ir ter com ele o mais rapidamente possível!

Dias depois ela regressou ao México e meses mais tarde, uma vez mais tive um outro mail daqueles tão bem preparados para não me magoarem demasiado:

"Hi! Rita passed away this morning. Bye! Anais


Abalado, telefonei à Anaís, no México, a pedir-lhe que me contasse o que se tinha realmente passado com a Rita. Ela, sem qualquer emoção na sua voz, friamente, informou-me que a Rita tinha deixado de comer e que acabara nos seus braços pedindo-lhe encarecidamente:

- Deixa-me partir! Deixa-me ir ter com o teu pai!

jeudi 21 janvier 2010

Vai ter com ele meu amor
















Rita não tardou! Alguns dias depois fomos buscá-la a Roissy. Ele surgiu-nos muito pálida, magríssima, no seu rosto um pequeno sorriso tentava romper. Os seus olhos lágrimas tentavam reter. Trazia apenas um pequeno saco, pequeno demais para acomodar a sua tão grande dor. Essa dor que ela ocultava no mais profundo da sua alma em pedaços! O Pat pegou no seu ligeiro saco e ela caiu-me nos braços. Não trocámos uma única palavra. Apenas, como ela tinha previsto, as nossas lágrimas misturaram-se silenciosamente. Descemos e entrámos no carro. Pedi-lhe para se sentar à frente, ao lado do condutor, para melhor rever a França, rever Paris! Aí a sua boca entreabriu-se para dar à luz a sua primeira frase :

-Sem o nosso Tété Paris não é Paris! Apenas uma cidade como tantas outras!

Chegados a casa ela sentou-se uns momentos sobre o canapé que se abria em cama de casal onde ela, no passado, tinha dormido nos braços do nosso tão querido Tété. Oferecemos-lhe um café mas ela recusou. Que já tinha tomado vários no avião que a trouxera do México. Os seus olhos visitaram todas as paredes da sala. Não sei se para matar saudades de todos os quadros que a enfeitavam, se para as noites que ela ali dormira compartilhando a mesma almofada com esse alguém que ambos tanto amámos! Depois suspirou e pediu para se repousar um pouco, que a viagem tinha sido muito longa e fatigante. Apontámos-lhe o caminho para o nosso estúdio, onde o seu divã já estava aberto à sua espera. O divã era certamente suficientemente espaçoso para a magreza do seu fragilizado corpo, mas diminuto demais para essa gigantesca dor que ela carregava dentro de si. Ela empurrou com um pé o seu saco para um canto e depois pediu licença para fechar a porta, que estava muito cansada, que se ia repousar um pouco. Vagarosamente cerrou a porta, oferecendo-nos um envergonhado até logo. Momentos depois ouvimo-la soluçar sufocadamente. Deixei-a chorar sozinha até que ela talvez tivesse adormecido ou afogado nas suas próprias lágrimas. Uma coisa ela nunca virá a saber: Nesse momento as nossas lágrimas não se misturaram como no aeroporto. Desta vez ela soluçava no estúdio à porta fechada, eu soluçava a um canto da sala para que ela se não apercebesse. Ambos tínhamos perdido alguém que muito amámos, mas agora teríamos de aprender a viver sem esse grande amor que fora o maior amor das nossas vidas!

Embaraçados, nem um nem outro ousávamos tocar no assunto que tanto nos afligia. Ela apenas com os seus lindos olhos verdes me enviava de vez em quando um apelo à quebra do silêncio onde nos enclausurávamos, mas eu temia corresponder a essa súplica temendo carregar ainda mais o seu luto. Passávamos o tempo juntos como se nada de realmente esmagador nos tivesse acontecido. Para fugir a essa tão embaraçosa situação e ao mesmo tempo tentar devolvê-la à roda da vida, como ela tinha trazido pouca roupa, e como sabia quanto ela gostava de andar de armazém em armazém em busca de coisas bonitas para vestir, comecei a levá-la a todos esses grandes armazéns ali nas redondezas. Aí ela recuperou um pouco o seu radioso sorriso de outros tempos. Uma vez comprou um par de sapatos e, como ela sugeriu, para os bater, fomos a pé de Kremlin-Bicêtre até Villejuif. Ela chegou a casa com os pés cheios de bolhas e três dias não pôde calçar sapatos alguns e passou esses dias em casa a ler ou a ver televisão. Claro que eu queria quebrar aquele gelo que nos impedia de falar do nosso Tété. Enfaticamente atirei-lhe à queima-roupa:

- Rita! Diz-me como tudo se passou com o Zé! Preciso de saber para poder fazer o meu luto!

Ela baixou os olhos e pediu-me humildemente:

- Ainda não, Rogério! Aguarda! Está tudo ainda tão fresco!

Até Breve Meu Amor!
















Foram nesses tempos que uma manhã, ao abrir o meu computador para ver se tinha alguns novos mails, fui informado, duma brusca maneira, da morte do meu tão querido Zé Melo. O meu querido Melo! O primeiro homem que amei até à loucura de o seguir até Israel ! O que mais me chocou foi a frieza com que a notícia me foi dada! Apenas um curto mail cujo texto quase indiferentemente rezava assim:

"Olá! Viva! O meu pai morreu. Foi incinerado e as suas cinzas foram lançadas ao mar! Anais!

Aguardei uns dias antes de contactar a Rita para a consolar da sua imensa perda. Nesse mail eu pedia-lhe que viesse passar uns dias connosco a Vilejuif para se afastar um pouco da sua imensa dor.

Ela respondeu-me de seguida dizendo-me:

« Querido Rogério: Ainda não consigo acreditar que o nosso Tété nos deixou! Ele sofreu muito dum cancro num joelho. Se tivesse aceite a proposta duma amputação ainda poderia viver muitos anos, mas ele disse-me que queria deixar este mundo em cima de ambas as suas pernas que o levaram a tanto lado, que agora também podiam levá-lo lá onde ninguém sabe onde! Aceito a tua proposta! Vai fazer-me muito bem afastar-me daqui e estar perto de ti, que também o amaste tanto! Poderemos misturar as nossas lágrimas!

Até breve! Depois te darei a data para me ires esperar ao aeroporto. Vou precisar do teu amparo até que Deus nos reúna todos novamente!

Beijo grande!

Rita

mardi 19 janvier 2010

A minha bela carteira profissional




Do que os jornais nunca falaram foi duma carta que recebi da Embaixada de Portugal em Paris com um formulário para eu preencher para que me fosse concedida a carteira profissional de jornalista, a qual tinha de ser assinada por mim e pelo Presidente da rádio para a qual eu trabalhava. Preenchi esse formulário e assinei. Depois pu-lo nas mãos do senhor Presidente para que ele também assinasse. Aguardei que esse formulário me fosse devolvido devidamente assinado pelo senhor Presidente, sem qualquer resultado. Quando um mês mais tarde solicitei essa pobre folha de papel para eu enviar à Embaixada, o senhor Presidente disse-me sem pestanejar que não tinha a mínima ideia do que eu estva a falar! Normalmente perdoo as faltas aos outros, mas esta, nem que eu viva mais cem anos, nunca perdoarei! Pareciam todos muito solidários no sentido de impedir a minha ascensão na carreira que eu tinha iniciado com tanto ardor! Paz à sua alma! A carteira! Não a carreira!

O tão querido D. João V.





Certamente, um dos meus maiores orgulhos é o retrato de D. João V. e de sua esposa Dona Mariana de Áustria que fiz quando tinha 14 anos, que depois de terem estado 40 anos expostos nas paredes da Biblioteca do Convento, estão agora no Museu de Mafra como Património do Estado!

Agora, tanto anos depois, uma cópia desse retrato está exposto todos os dias o dia todo, na minha sala! Falo com ele todos os dias! De manhã digo-lhe "bom dia Johnny! Have a nice day!" E quando me vou deitar digo-lhe "Boa noite Johnny! See you tomorrow. Have a nice rest!"

lundi 18 janvier 2010

Novo Estilo de Desenhos





















A única coisa original acerca destes meus desenhos é que os faço dum só traço e em 20 segundos!

dimanche 17 janvier 2010

Assim se escrevem Vagas-Sombras!






Este é o ambiente de trabalho no meu estúdio. Reboliço, recuando no tempo, escavações arqueológicas na minha dolicocéfala cabeça, cigarro após cigarro, comoção...

Sombras Magníficas!



Esta foi a magnifica foto que fiz ao Pat, em Paris, para a capa do meu livro Sombras. Infelizmente a Gráfica perferiu apenas um desenho meu! Adoro esta foto!