vendredi 29 janvier 2010
A Indiferença, a Apatia Unviversal
E a minha vida lá prosseguia, indiferentemente! Tinha de ultrapassar o medo dos assaltos, as saudades da Coockie, o não ter outra ocupação do que olhar-me no espelho e notar que impiedosamente eu envelhecia. Um dia, ao olhar-me mais de perto, reparei nos papos que eu tinha sob os olhos e apercebi-me de que envelhecer era o pior dos insultos à dignidade humana!
O Pat saía de manhã e só voltava à noite, e eu via-me reduzido à minha solidão. A Alfa corria-me no sangue e no pensamento. Tristemente me apercebi que ninguém, nenhum de todos esses colegas com quem simpaticamente confratenizara na Alfa, se dava ao trabalho de me telefonar a indagar como estaria eu a viver esse doloroso afastamento dessa rádio que me tinha saído das entranhas.
Apenas uma vez o meu telefone tocou, graças a um dedo que discou o meu número dum dos muitos telefones da Alfa! Era o Castro a perguntar-me se eu estava à escuta da Alfa. Respondi-lhe negativamente e ele aconselhou-me a fazê-lo, pois que tinha uma grande surpresa para mim! Liguei o rádio e aguardei... Ora, a grande surpresa era que a Amália estava no seu programa em pessoa, lá nos estúdios. Fiquei varado com o acontecimento. Eu tinha-a entrevistado oito vezes, mas era sempre eu que ia procurá-la ao hotel em Paris onde ela se tivesse instalado. Logo após ter respondido à primeira superficial pergunta do Castro, a Amália perguntou:
- Onde está o Rogério?
Orgulhosamente o Castro respondeu:
- O Rogério já não trabalha na a Alfa!
Respondeu a Amália com tristeza na voz:
- Que pena! Eu tinha vindo para estar um bocadinho com ele... (SIC)!
***
A outra vez que me telefonaram foi quando a Amália deixou este mundo! Um dos jornalistas, sabendo do meu amor por essa grande artista e sabendo que eu a tinha entrevistado oito vezes, queria entrevistar-me acerca dessa grande senhora! Perguntei-lhe quando seria a próxima vez que ele me telefonaria? Se seria quando o Carlos do Carmo a seguisse? Eu tinha sido operado a um olho e andava a ver tudo multiplicado por mil, e ninguém sabia das minhas desventuras, pois que nunca ninguém se tinha dado ao trabalho de me telefonar para saber se eu ainda estava vivo...
...Disseram-me que ia ver tudo duplicado!
Tudo menos a vida o ordenado!
Afinal por sete
Tudo acabei por ver multiplicado!
Minhas mãos
-Onde sempre apertei meus segredos-
Eram dois monstros
Cada uma trinta e cinco dedos!
Minha gata era uma centopeia
E meus amores
Se pelos dedos os pudesse contar
Setenta deles vos poderia desvendar!
Cortejo de amores imensa melopeia
Amores de neon amores à luz da candeia
Como meu segredo ainda é mais forte
De que a própria vida a própria morte
Aqui me fico aqui me calo
Grito de socorro ao mar lançado
Garrafa sem rolha nem gargalo
Grito pelo mar há muito já tragado!
Em minha casa
Sombras e vultos medonhos!
Ninguém sabia da minha existência
Total ausëncia dos meus sonhos
Cruel prematura decadência!
Vinte e oito telefones que não tocavam
Duzentos e dez amigos que não chamavam
Vinte e oito paredes que me asfixiavam
Sete bocas um só grito calavam!
Um peito onde sete gritos se fundiam
Quartorze olhos que se fechavam
Sete que cegavam
Vinte e um que nunca mais abriam!
Eu que na vida a amizade sempre cultivei
Só mais tarde verificara
Como sempre me enganara
Como sempre me enganei!
Os amigos são para as acasiões
As ocasiões não para os amigos!
E neste mar de desilusões
Fecharam-se-me todas as portas e todos os portões
E mesmo todos os postigos!
Aqui me fico em gestos quedos
A contar meus anseios meus degredos
Minha mão num triste adeus acenando
Minha mão a outra sepultando
Seus trinta e cinco dedos!
Na penumbra de uma capela de Paris
Trinta e cinco círios vão ardendo
E meus olhos lentamente vão morrendo
Afogados nas minhas lágrimas pueris!
Minhas mãos aos céus erguidas
Trinta e cinco dedos cada
Setenta despedidas
Setenta dedos entrelaçados
No meu peito setenta cruzados
Setenta contas dum longo rosário
Setenta contas desfiando
Setenta cruzes arrastando
No meu ingreme calvário!
Cabeça baixa olhos tão cerrados
Cabelos longos desalinhados
Foragido dos caminhos onde errei
Andrajos rotos enxovalhados
Espinhos em nuca bem cravados
Chagas que nunca sararei!
Lábios mudos lábios apertados
Sermões que jamais serão prégados
Missas que nunca resarei!
Oráculos nunca suspirados
Pregões nunca apregoados
Hossanas que nunca entoarei!
Rogério do Carmo
Paris, 18/8/1988
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