dimanche 3 janvier 2010
O Gégé e a Vává
Como esquecer aquela tarde em que, durante esses seis anos que morámos na Rue du Dragon, fui pela primeira vez à Rue Magdabourg, subir àquele vasto e luxuoso quarto andar para conhecer a Daniele, a tal colega do Pat que precisava dos meus serviços uma ou duas vezes por semana. Curiosamente, ao subir aquela curta rampa, descendo em sentido contrário, sobre o mesmo passeio, um homem muito belo dando a mão a um miúdo dos seus dois anos, vinha vagarosamente ao meu encontro. Ao passar por ele reconheci aquela bonita cara. Ele sorriu-me ao passar e eu disse-lhe excitadamente:
- Bonjour ! Quel plaisir de vous voir !
- C’est réciproque !
Respondeu-me ele com aquela belíssima voz que era a sua ! Era o Joe Dassin ! Nunca saberei ao certo se ele habitava naquela rua ou se passava realmente por acaso !
Continuei o meu caminho e ao chegar à morada que me tinha sido indicada apanhei o elevador para chegar a esse quarto andar onde morava essa Daniele. O elevador, para meu espanto, quando abri a porta, entrava-se directamente no apartamento. Achei isso bastante invulgar. Daniele lá estava à minha espera. Como era evidente e de esperar, a sua primeira preocupação foi mostrar-me a casa toda. Que era enorme! Na sala estava um berço com um lindo bébé. Inclinei-me um pouco para o saudar, ao mesmo tempo que perguntava à orgulhosa mamã qual era o nome dessa encantadora pequena criatura que ansiosamente me estendia os braços a pedir-me que lhe pegasse. Daniele disse-me que o seu nome era Vanessa, mas que lhe chamavam Vává! Não resisti à tentação, peguei nela e aconcheguei-a ao meu peito. Ela, ternamente enlaçou o meu pescoço com aqueles seus tão bonitos bracinhos. Uma grande história de amor acabava de acontecer! Não era o Romeu e a Julieta ou o Paulo e a Virgínia. Era o Gégé e a Vává!
Daniele ao aperceber-se que um grande amor despontara ante os seus olhos - agradavelmente surpreendida - afoitou propor-me se eu gostaria de, em vez de vir duas vezes por semana, vir todos os dias. Que assim eu podia garantir-lhe uma casa bem arrumada quando voltasse do emprego e, ao mesmo tempo, eu tomar conta do seu bébé. Claro que aceitei! Com o coração já a transbordar de amor por aquela coisa pequenina que quase me enforcara dentro daqueles deliciosos bracinhos cor de rosa! Por outro lado, para mim seria muito menos penoso do que ter todos os dias uma ou duas “madamas” rabugentas que nunca me lançaram os braços ao pescoço! Depois de certos acordos, de me mostrar como se mudava uma fralda e dar um banho a um bébé, tomou-se um café ao mesmo tempo que Daniele me tateava por dentro para ver se eu seria realmente competente para preencher esse lugar que ela me propunha. Ao sair ela disse-me que me ia confiar a sua casa e o seu bébé, um mês à experiência.
Esse mês muito rapidamente passou! Eu já sabia como mudar fraldas a um bébé e o resto veio-me do coração! Era evidente que um grande amor em muito pouco tempo se nstalou entre mim e essa adorável Vává. Todas as manhãs lhe dava banho e mudava-lhe de fralda sempre que necessário. Da parte da tarde, depois duma hora de soneca, a seguir ao seu biberon, punha-a no seu carrinho e íamos dar uma volta pelo Trocadero. Por vezes sentava-me numa daquelas esplanadas desse largo, tomava um café e via as marés altas de gente que ondulava incessantemente diante da mesa onde me sentara. Uma vez - nunca o esquecerei - numa mesa ao lado estavam quatro jovens a tomar cerveja e a cuspir as cascas dos tremoços pelo chão quando, finalmente, uma dessas caras que me não era completamente estranha, revelou-se ser a dum grande artista francês que eu muito apreciva: o Thiery Le Luron. Ele olhava-me de vez em quando como que dalgum modo obsecado pela minha presença. Quando ele se despediu dos seus amigos, passou pela minha mesa e parou uns segundos para ostensivamente me dizer:
- Vous faites de très beaux enfants, vous savez ?
Essa foi talvez a primeira vez que a Vává recebia esse grande cumprimento que as mulheres tanto apreciam ! Muitos mais viriam ! Ela era realmente um bébé de fazer parar o transito e, pelos vistos, até as marés de gente apressada !
Uma doce rotina se instalou entre nós ! Ela tornara-se naquilo que eu tanto desejava: o meu bébé ! O que eu sonhara ter era um filho, mas uma filha como a Vává era mais do que bem-vinda ! Eram todos os dias esse ritual no qual eu mergulhava, agradecendo a Deus essa maravilhosa inesperada prenda caída dos céus aos trambolhões ! Primeiro foram as mudas de fraldas, depois os vestidinhos de folhos, e depois dos biberons vieram as papinhas, as primeiras palavras, os primeiros passos ! Quando ela se apercebeu que o meu nome era Rogério começou a chamar-me Gégé ! Eu era o seu Gégé, ela a minha Vává ! Claro que, falando de rotina, os nossos dias eram sempre muito iguais, com a diferença que ela todos os dias aprendia algo de novo, e eu também ! Quanto mais os dias passavam mais nós gostávamos um do outro ! O que ela mais apreciava eram os passeios que começámos a dar pelos jardins do Trocadero, para ela aprender essa maravilhosa coisa que é andar ! Correr ! Saltar ! Cair ! Levantar-se ! Rir ! Chorar ! Amar e ser amada !
O meu primeiro trabalho de manhã era tratar dela, depois arrumar a casa, e depois da sesta o nosso quotidiano passeio pelos jardins ! Foi aí que ela começou a aperceber-se que havia sol, vento, chuva, e outras crianças como ela que não tinham um Gégé mas que corriam e saltavam como ela ! Quando ela começou a falar descobri que certas frases em Francês, na sua boca, soavam como portuguesas que não tinham nada a ver com a conversa . Uma delas era quando ela dizia « c’est beau la », que em Português era « cebola ». E a outra era quando ela dizia « c’est beau ça », que em Português queria dizer cebosa ! Cada avez que ela me dizia este tipo de aparte eu tinha que rir !
Os anos foram passando e um dia comecei a levá-la a uma espécie de « jardin de infância », onde ela começou a aprender a ler e fazer contas de somar. Era só da parte da tarde. Com uma imensa tristeza comecei a aperceber-me que sobre toda essa grande felicidade um dia os taipais seriam descidos. Por obra e graça da Daniel e do seu marido, a Daniele ficou novamente grávida. Quase sem dar pelo tempo que passava nas asas do vento, a Daniele deu à luz um outro bébé. Desta vez um menino a quem viriam a chamar Nicolas e ao qual eu chamaria apenas Nico. Eu, a Vává, e o Nico, muito rapidamente nos tornámos nos « três da vida airada » ! Novamente recomeçaram as mudas das fraldas, preparar os biberons, depois as papinhas, os banhos, e os passeios pelo jardim. Desta vez o Nico no carrinho da Vává e ela a empurrá-lo ! Nesses luminosos dias nós devíamos certamenteee ser os mais felizes de todos os mortais !
Uma vez fui passar duas semanas de férias Portugal. Ou seria Israel ? Ao voltar a Vává caiu-me os braços em lágrimas, agarrada ao meu pescoço, a soluçar « ai o meu Gégé, ai o meu Gégé » ! Daniele ficou fula ! Deu-lhe uma sapatada e disse-lhe :
- O teu Gégé, o teu Gégé ! E eu ? eu ! Quando me ausento por uns dias, quando volto, nunca me dizes « ai a minha mamã » !
Tive de explicar à Daniele que isso era natural. Que era eu que a vestia e calçava, a alimentava, que a levava a passeios, e isto todos os dias das oito da manhã até às seis da tarde ! E que quando ela voltava do seu emprego ela dava-lhe jantar e punha-a na cama. Que ela não estava com ela todos os dias mais do que duas horas, e que eu eu era de manhã à noite ! Daí nasceu um pequeno pouco à vontade entre mim e Daniele. Deixei a minha Vává e o meu Nico nas mãos sabe Deus de quem e segui a minha vida !
Uma amiga da Daniele que também tinha dois miúdos - um rapar e uma rapariga - solicitou os meus serviços. Tentei, mas esses miúdos eram duas crianças diabólicas. Nada a ver com a minha Vává e o meu Nico ! Mandei-os todos para o diabo e voltei às minhas tarefas na Place Corneille, para onde, entretanto, nos tínhamos mudado. E a minha luta pela obtenção da minha « Carte de Séjour » recomeçou. Além de algumas muitas figurações em filmes franceses que começaram a chover apartir do dia em que comecei a chamar-me Carmowsky!
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