dimanche 10 janvier 2010

A Primeira Vez do Outro Lado



Os meus primeiros contactos com a Maria Raquel foram quando, uma noite, ela me convidou para uma entrevista para me conhecer melhor e lermos cada qual alguns dos meus poemas. A sensação nessa noite foi muito estranha. Era a primeira vez que eu passava para além da vidraça que dividia a cabine de som do estúdio do outro lado, onde havia uma mesa redonda, algumas cadeiras, e alguns microfones. Era a primeira vez que eu era entrevistado e podia falar abertamente da minha infância, dos meus medos e angústias, e dos meus primeiros poemas nascidos duma inesperada inspiração. Falou-se da influência que eu tinha recebido da Florbela Espanca, e tantas coisas mais. Foi ela que, sem querer, me fez finalmente sentir-me "alguém"! Ouvir alguns dos meus poemas interpretados por ela foi uma grande descoberta e honra de ter a meu lado uma senhora formada em Letras Modernas recitando alguns dos meus poemas.

Nessa noite ela tentou descobrir-me e mostrar-me um pouco mais por dentro. Nada a ver com as chalaças do "Despertar Musical"! Nessa noite ela fez-me compreender que eu, apenas com poucos estudos, era um poeta inato, seguindo sem querer os passos do meu pai, um grande poeta nunca publicado! Como uma vez ela tinha utilizado um dos meus poemas para ilustrar a vida de Camilo Castelo Branco, nessa noite ela definiu-me com um soneto que eu escrevera quando ainda adolescente, com medo da vida, do futuro, e da morte:

AGONIA

Quero libertar-me desta agonia
Toda feita de desespero e ansiedade
Para sorver da vida toda a sinfonia
E pairar para além na imensidade!

Já não procuro mais na fantasia
O que nunca encontrarei na realidade
Porque eu só cansaço dor nostalgia
Ando morto morto de saudade!

Eu triste fugitivo da loucura
Ansioso peregrino da ternura
Escrevo sem saber o que escrevi!

Eu que ando na vida sem saber
Que amo a morte e quero viver viver
Procuro sem saber o que perdi!



Rogério do Carmo
Mafra, 8/9/1953

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