mercredi 6 janvier 2010

Ser ou Não Ser-A Questão




Finalmente, uma bela manhã, recebi uma convocação para ir retirar a minha tão ansiosamente aguardada Carte de Séjour! Agora sim! Agora eu já poderia ir à procura de trabalho que honrasse a minha profissão! Os primeiros passos foram poucos. Com a minha cartinha na mão lá fui, ali mesmo ao virar da esquina, aos escritórios dessa agência de empregos : a ANPE ! Depois de ter estado ali especado na bicha mais duma hora, depois de ter visto um atlético jovem ter recusado uma proposta para lavar carros ali naquela garagem mesmo ao lado, finalmente foi a minha vez de enfiar a cabeça no «guichet» daquela simpática senhora ali à minha disposição para me encaminhar na direcção do meu novo patrão, algures em Paris! A senhora, como sempre, olhou-me da testa ao pescoço enquanto pegava no meu famigerado documento. Depois de ter procurado os meus vestígios no seu computador, secamente me informa que não tinha qualquer oferta a fazer-me! Sugeri que, entretanto, eu podia ir para a tal garagem lavar carros! Ela recusou, que eu tinha demasiadas credencias para me pôr a lavar carros numa garagem! Perguntei-lhe que iria eu então fazer para o jantar nessa noite, e ela respondeu-me secamente que restaurantes não faltavam!

Desesperado, comecei novamente a ler todas as manhãs todos os anúncios de todos os jornais! Encontrei um pedido de recepcionista para um hotel não muito longe. Apresentei-me e, depois de ter mostrado as minhas referências ao chefe do pessoal, fui logo contratado! Comecei logo na manhã seguinte! Claro que tive de aprender como se trabalhava nesse hotel. Tive de aprender sozinho. Todos aqueles que me circundavam, por uma razão ou por outra, pareciam ignorar a minha presença. Cada vez que eu fazia uma pergunta indagando fosse o que fosse, eles estavam sempre demasiado ocupados para me responder! Como se eu não existisse!

A maioria da clientela eram homens de negócios de passagem por Paris. Para minha grande e agradável surpresa, à noitinha, entrou-me pela porta dentro a tripulação da El-Al ! Fiquei radiante! Deparava-se-me uma belíssima ocasião de deitar cá para fora os meus conhecimentos de Hebraico. Imediatamente começaram a flutuar no ar, em surdina, pequenos vestígios de anti-semitismo. Três meses depois fui demitido, sem qualquer justificação! Cheguei à conclusão que não podia voltar para Israel por não ser Judeu e, agora, em França, não podia usufruir dos meus direitos a mim concedidos, em posse da minha nova Carte de Séjour que me autorizava a recuperar a minha profissão para a qual estudara ano e meio da minha vida, por ser tomado por um Judeu! Que descalabro!

Desesperado, peguei novamente nos meus jornais matinais em busca duma saída, uma solução ! Esbarrei com um anúncio de um grande hotel, um grande arranha-céus, ali para os lados de Porte Maillot, que procuravam um recepcionista que falasse línguas estrageiras. Peguei no meu Português, no meu Francês, no meu Inglês, no meu Hebraico, assim como nas minhas migalhinhas de Italiano, Espanhol, e Alemão, e fui bater à porta do Chefe do Pessoal desse grande hotel. Como sempre, depois de me ter examinado da cabeça aos pés, analisou todas as minhas cartas de referências e pediu-me para preencher um formulário de candidatura. Após a minha assinatura ele cumprimentou-me, dizendo-me que eu era precisamente o tipo de profissional que procuravam.

Depois levantou-se e pediu-me para o seguir. Que me ia apresentar ao Director da Recepção. Chegados àquela muito aparatosa bancada, o meu coração palpitou! Se eu era precisamente o tipo de recepcionista que eles procuravam, aquela recepção era precisamente o que eu também mais ansiava! Que boa maneira de matar saudades dos meus Hiltons! Que bom eu deixar de andar por aí por essa Paris fora, de casa em casa, a limpar a merda dos outros!

Entrámos no escritório do famoso Director pensando que ele iria ficar encantado com a minha aparição. Erro crasso ! Eu tinha então 42 anos e ele, um bonito jovem dos seus 25, certamente não gostaria de ter sob a sua alçada alguém com muito mais experiência profissional do que ele. Imediatamente percebi que tinha caído na boca do lobo! Ele, depois de me ter olhado desdenhosamente da cabeça aos pés, pediu-me para me sentar. O chefe do pessoal saiu dizendo a esse jovem chefe, que eu era quem ele precisava. Alguém com muita experiência e boas referências. O jovem chefe começou a fazer-me absurdas perguntas e eu a dar-lhe as respostas adquadas, pensando que isso o impressionaria mas, antes pelo contrário, ele pareceu-me vexado com os meus conhecimentos. Era evidente que eu sabia muito mais do que ele ! Enfastiado, perguntou-me

- Áu iz yórrr Inglich ?

Respondi-lhe enfaticamente :

- Mine is fine ! Thank you ! How about yours ?

Essa minha atitude certamente que o humilhou a tal ponto que ele ergueu-se da sua cadeira, dizendo-me que me participaria da sua decisão por correio. Quase que lhe disse que não valia a pena, que seria um desperdício de selos, pois que eu já tinha captado o que iria ser essa sua decisão! Que ele nunca ousaria dar ordens a alguém com muito mais experiência profissional do que ele! Três dias depois recebi uma carta do Chefe do Pessoal desse grande hotel parisiense, desculpando-se, que a minha candidatura não tinha sido retida!

Enraivecido, decidi dar uma grande volta à minha vida! Pareceu-me que em França nunca encontraria trabalho decente num hotel, pois que eu parecia acartar em mim algo que desagradava a toda a gente! Pensei tentar a sorte em Portugal. Talvez lá, como português que sou, algumas portas se me abrissem! Telefonei ao meu irmão Zé Manel a ver se ele me podia albergar em sua casa por algum tempo, até eu encontrar emprego. Ao obter uma resposta positiva, imediatamente tratei de fazer a mala para ir tentar a sorte algures onde eu não fosse escorraçado !

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