lundi 13 juillet 2009

O que viram os meus olhos







Havia em Mafra um cinema muito bonito na Avenida Nova: o Cine-Teatro de Mafra. O templo das minhas aventurosas matinés de domingo! O senhor Assunção, o director desse cinema, mandava pôr cartazes do filme a ser exibido proximamente, na montra do Sardinha, ali na famosa esquina onde o António dos jornais estava todas as manhãs a vender os periódicos e magazines semanais como a Eva, o Século Ilustrado e “O Mosquito”, aquele fabuloso jornal para os miúdos. Esses cartazes com fotografias de actrizes muito belas e actores muito galãs a comerem a boca uns aos outros faziam-me já sonhar com o fumar e o ir às putas, como aqueles gajos muito fanfarrões que eu via lá na esquina a fazerem estendal das suas proezas em Lisboa e na Vila Velha!

O único jornal que eu comprava era “O Mosquito”. Isto quando eu conseguia algumas patacas que a minha mãe com tanto custo me dispensava. Eu era louco por esse jornal! Adorava ler aquelas histórias de quadradinhos como o Cisco Kid, O Tintin, o Tarzan e tantas outras. Lembro-me ainda tão bem daquele desgosto enorme que tive naquele malogrado Domingo de manhã, quando a minha mãe, sabe Deus com que sacrifícios, me tinha dado aqueles idolatrados cinco mil-réis que ela, todos os domingos, me enfiava na mão para eu ir à esquina do Sardinha comprar o meu Mosquito e um pouco de alfarroba na loja do Cristóvão, assim como um caderno para a escola na Papelaria do Gato e, ocasionalmente, algumas Damas de Chá no Café do Victor. Porém, nesse malfadado domingo, desastradamente deixei cair os meus amaldiçoados cinco mil-réis na sargeta e o meu braço era demasiado curto para os recuperar! Consciente do sacrifício e boa vontade de minha mãe para economizar esses meus tão desejados cinco mil-réis semanais para as minhas extravagâncias ou para o meu mealheiro, chorei como um miúdo da minha idade chora a perda de um grande pedaço de amor da sua mãe... Que dor imensa, que dor insuportável! Cinco mil-réis, cinco mil beijos da minha mãe atirados ao mar!

Quando eu não tinha dinheiro para esses meus pequenos luxos, ia ao Café Esplanada, onde o meu irmão Elmiro trabalhava desde a idade dos oito anos, e como ele obtinha boas gorjetas dos clientes, quando ele me via a rodar à porta do Café Esplanada, já sabia do que eu vinha à procura, e vinha pôr umas moedas na minha mão para eu comprar os meus jornais. Mais tarde, foi também o cinema de Mafra. Quando ele me via lá à porta por volta das oito e meia da noite, já sabia que eu queria ir ao cinema e que o filme começava às nove, dava-me então cinco mil-réis para eu ir comprar o meu tão desejado bilhete à menina Aurora, lá por trás da grelha do bilheteira!

Quando o Miro não me via e me deixava ali feito parvo à porta, à espera do Messias, eu agarrava nas minhas pernas e ia até ao cinema, punha-me à porta de entrada onde o Zé Barbeiro estava a cortar os bilhetes das pessoa que iam chegando, e eu esgueirava-me por entre as pernas deles e ia sentar-me no chão, em frente da primeira fila, quase a cavalo no ecrã. Por vezes, quando o Zé Barbeiro me via ali especado, muito ansioso, ele fazia-me sinal com a cabeça para eu passar de borla e ir sentar-me no chão, lá onde ele muito bem sabia ser o meu lugar habitual. Quando o Miro não me via ou o Zé Barbeiro não me fazia nenhuns sinais, eu dava a volta ao cinema e, pelas traseiras, saltava pela estreita janela das retretes dos cavalheiros e ia ocupar o meu venerado lugar. Um dia fui apanhado e quiseram pôr-me na rua, mas o senhor Assunção, o director do cinema, apercebeu-se do que se estava a passar e, comovido com o meu pranto, disse para me deixarem entrar. E eu lá fui a correr muito contente para os meus tão ansiados dois palmos de chão de madeira lá à frente da primeira fila!

Um dia o senhor Assunção veio ter comigo à porta e propôs-me eu ir a todas as sessões vender chocolates num tabuleiro, aos intervalos, e assim eu podia ver todos os filmes e ainda ganhava uns patacos para o meu Moquito. Nesse dia o senhor Assunção fez de mim o mais feliz de todos os mortais! Foi como se me tivesse saído a Taluda!

Continuei a fazer este trabalho durante algum tempo e lá estava a todas sessões com o meu tabuleiro a abarrotar, a vender chocolates a toda a gente, especialmente aos rapazes que queriam adoçar a boca das suas namoradas para lhes roubarem um beijo, mas elas tinham iam sempra acompanhadas pelos papás! Quando eles me davam uma gorjeta eu ia logo a correr ao bar comprar um pirolito e regalava-me com ele durante a projecção do filme, ali sentadinho no chão, como um pachá!

Outra recordação inesquecível que nunca se apagará da minha memória foi, uma noite, quando um cantor romântico muito em voga, muito querido das meninas, foi lá cantar ao Cine-Teatro de Mafra. Eu adorava ouvir esse cantor na rádio, achava que ele tinha uma bela voz. Quando via a fotografia dele no jornal achava-o lindo, parecia um príncipe encantado! Ele era um galã de nos fazer sonhar acordados.

Nessa noite, como o seu camarim era mesmo em frente do cubículo onde eu guardava o meu tabuleiro e como ele deixara aberta a porta do seu camarim, pus-me ali a fingir que estava a arranjar as minhas coisas, mas os meus olhos estavam fincados naquele bonito corpo que se despia generosamente ante meus olhos deslumbrados. Ele certamente se apercebeu, pois que, discretamente, acariciava as suas imaculadas cuecas muito brancas onde, pouco a pouco, algo se avolumava. Os seus bonitos olhos castanhos espiavam-me ostensivamente, a observar a minha reacção.

Depois de ele se ter arranjado e eu preparado o meu tabuleiro, ele dirigiu-se ao urinol, ali mesmo ao lado, no corredor. Segui-o, fingindo também ter sido atingido pelas mesmas necessidades fisiológicas. Quando ele novamente sentiu meus olhos cravados naquela obra-prima que ele segurava na mão, que ele sensualmente amimava e abertamente exibia numa generosa oferta ante os meus olhos extasiados, seus lúbricos olhos enviaram-me francos convites a diabólicas poucas-vergonhas. Tal como com o Mário e o Pinto, tive vontade de chupar aquele belo chupa-chupa, mas não ousei dar o primeiro passo. Ele, talvez desiludido, repôs aquela maravilhosa dádiva da natureza novamente dentro das calças, abotoou-se, e seguiu a sua vida.

Fui-me esconder no meu cubículo e fechei a porta para ficar à vontade comigo mesmo. Brinquei com o pouco que Deus me tinha dado até obter um dos meus muito primeiros fabulosos orgasmos, uma amostra do que o futuro ainda me reservava. E foi desse subtil capricho da Natureza que inventei o meu insólito futuro!

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