Foi à sombra deste convento que tanta coisa me aconteceu... Algumas boas oportunidades da minha vida foram estupidamente desperdiçadas, renegadas, não agarradas com ambas as mãos, como a do Pedro Moutinho!
Como aquela outra generosa oferta dum cliente que vinha ao Café Estrela só para me ver, dando como pretexto tomar uma bebida...
Ele era um homem de meia idade, ainda bastante atraente que, pouco a pouco desvendou-me os seus intentos...
Ele era jornalista do Diário de Notícias e vivia num grande apartamento no edifício ao lado, ali na Avenida da Liberdade. Ele deu-me o seu cartão, que o viesse ver e que ele faria alguém de mim...
Uma noite ele apareceu-me no Estrela quando eu já estava a pôr as cadeiras em cima das mesas para fecharmos. Ele pergunta-me se ainda podia tomar um café. Servi-lhe o café mas bem no meu íntimo eu sabia que ele tinha vindo por outras óbvias razões. O Carretas ao ver-me na conversa com aquele cliente, certamente se apercebeu da marosca, pois que disse boa-noite e subiu deixando-me nas mãos desse cavalheiro que era tão evidente que ele queria muito mais do que apenas um café.
Depois do Carretas ter desaparecido, ele acende um cigarro e oferece-me também um. Aceitei pois que andava bastante intrigado com as suas frequentes visitas e pus o barco a todo o pano afim de poder tirar alguns nabos da púcara. Ele propõe-me ir dar uma volta de carro com ele para me conhecer um pouco melhor. Aceitei. Fechei o Café e instalei-me no seu carro ao lado do volante. Ele olha-me lânguidamente e pergunta-me onde gostaria eu de ir. Que ele gostava muito da Ericeira, que podíamos lá dar um salto e ver o mar à noite. Disse-lhe que era uma óptima ideia, mas que eu tinha de ir para a cama pois que tinha de me levantar cedo para reabrir o Estrela. Olhe, vamos ali até ao Miradouro falarmos um bocadinho. Sabe onde é o Miradouro? Claro que ele sabia. Ele arrancou e o carro parecia já saber o caminho de cor!
Chegados a esse nosso tão próximo destino, ele arruma o carro, pára o motor, apaga as luzes, mas não se levanta do seu assento. Limitou-se a olhar-me fixamente e confessar-me que ele estava apaixonado por mim, pelo meu encanto muito especial, e que gostaria de me conhecer um nadinha melhor. Eu percebi que o que ele realmente queria era fazer amor comigo e eu estava sempre de portas abertas para fazer amor, quase fosse com quem fosse. Ele aprisiona-me pelos ombros e mergulha a sua morna boca na minha e sorve-a como se já não tivesse beijado alguém há muitos milhares de anos. Desabotoa-me a camisa e devora-me o peito todo. Os seus dentes pareciam querer mastigar os meus mamilos. Abre-me a braguilha e saca avidamente esse sexo que ele certamente há muitas noites sonhava de o ter na sua boca faminta do meu meu corpo todo. Fez-me talvez a mais lasciva felação da sua vida! Ejaculei na sua boca e ele engoliu sequiosamente o melhor que, para ele, certamente, eu tinha a lhe dar! Depois limpou a boca com a ponta dos seus dedos. Num desses dedos faiscava um enorme diamante. Esses mesmos dedos afundaram-se depois num dos seus bolsos no interior do seu casaco e sacou um dos seus cartões de visita que me estendeu, dizendo-me apaixonadamente:
- Aqui tem a minha morada! Venha ver-me um dia a minha casa! Eu quero o seu corpo todo na minha cama para dele me apoderar!
Dito isto ele acompanha-me a casa. Lá chegados ele quase implora uma vez mais que o viesse ver a sua casa, que lhe telefonasse antes de vir para ele poder preparar uma boa refeição. Guardei descuidadamente o seu cartão no meu bolso, mas dentro de mim uma voz me dizia que este senhor fazia bons broches, mas que, realmente, já tinha idade de ter juízo! Era a juventude e a frescura dos homens que eu mais procurava!
Mesmo assim - nunca se sabe - guardei o seu cartão numa caixinha que eu tinha em cima da minha mesa de cabeceira.
Os dias foram passando e eu, entretanto, tinha esquecido o incidente. Até que um dia, ei-lo ali novamente na minha frente a pedir-me uma bica. Pensei com os meus botões: tou tramado, este gajo nunca mais me largará a braguilha!
Depois do seu café ele insinuou que gostaria muito de voltar comigo até ao Miradouro. Curiosamente era uma vez mais quase meia-noite. No Miradouro a mesma cena de paixão se repetiu. Depois de ter limpo os beiços com ponta dos seus dedos ele retira o seu diamante do seu anelar e quase me implora que eu o guardasse como recordação dele e dos belos momentos que tínhamos passado juntos ali à beira das montanhas enluaradas.
Recusei! Eu não queria ser comprado. Pensei que se aceitasse ele ficaria de um certo modo senhor da minha pessoa. Ele insistiu e eu mantive a minha recusa. Depois apresentou-se como sendo um grande jornalista do Diário de Notícias, que vivia mesmo ao lado, e que gostaria que um dia eu viesse jantar com ele a sua casa.
Desta vez, como um vulgar oportunista, aceitei o convite. Como eu andava com tantos desejos de ir trabalhar para Lisboa, o jornalismo também me interessava... e que, talvez com a sua ajuda, ele me abrisse algumas portas de teatros. Talvez um dia vir a ser actor, como eu tanto prometera a mim mesmo naquela noite em que dancei o Bolero de Ravel!
Mais dias passaram e eu na retranca. Até que, uma noite, uma vez mais, por volta da meia-noite, ele reaparece para mais uma bebida e mais uns bons momentos no Miradouro. Desta vez, no Miradouro, a sua maior ânsia era combinarmos uma data para eu ir jantar a casa dele. Dei-lhe a data do meu próximo dia de folga. Ele tomou nota na sua pequena agenda de bolso e só depois disso veio o resto do fervoroso ritual. Quando ele de novo me depôs à porta do Estrela, ele diz-me que nessa data eu estivesse à porta do Estrela, já preparado para partir, por volta das quatro da tarde, que ele me viria buscar. Mais um ardente beijo de despedida e antes de partir ele cicia-me:
- Rogério... estou apaixonado por si!
Como resposta enviei-lhe um grande sorriso, mas dentro de mim continuava aquela mesma convicção: tou tramado! Mordi a isca!
Chegada essa data, aperaltei-me o melhor que pude e, como combinado, por volta das quatro da tarde, lá estava eu empoleirado no degrau da porta do Estrela, à espera desse homem que talvez pudesse vir a apadrinhar o meu futuro, fazer de mim alguém, fazer de mim um jornalista, um actor, ou simplesmente um indecente chulo.
Os meus pensamentos foram interrompidos por um suave buzinar. Saltei do meu degrau e abri a porta do seu carro e acomodei-me. Olhei-o e reparei que ele estava muito mais bem vestido do que habitualmente. Tinha posto uma gravata muito verde com um grande nó que se roçava pelas bordas gola do seu casaco cinzento claro. Esticou ligeiramente os seus finos lábios num beijo virtual e arrancou a toda a pressa a caminho de Lisboa, por essa velha estrada quantas vezes tão mais bonita do que agora a moderna auto-estrada sem qualquer encanto. Apenas a monotonia do cimento e do betão, uma paisagem que não desliza, pois que é sempre igual. Não há curvas nem árvores que fogem à nossa frente!
A viagem durou uma hora e tal, o qual ele aproveitou para me dizer os planos que ele tinha a meu respeito. Queria que eu deixasse o Estrela, que viesse viver com ele em Lisboa, e que ele me pagaria os meus estudos, fossem eles quais fossem. Claro que pensei no Conservatório...
Chegados a Lisboa fomos direitinhos a sua casa. Ele arrumou o seu carro numa garagem ali por detrás do Diário de Notícias. Depois, a pé, demos a volta para entrar naquele velho edifício de poucos andares, ali mesmo encostado ao prédio desse famoso jornal português.
Ele morava ali mesmo no rés de chão esquerdo. Entrámos e fomos para a sala. Não gostei muito da decoração. Era um pouco o estilo Dona Maria Pia, como em casa da minha prima Judite. Havia uma grande lareira e muitos quadros antigos pelas paredes e muitas estatuetas por toda a parte. Teria preferido uma tenda na Foz do Lizandro, nos braços dum fogoso jovem a rebentar de seiva!
Instalámo-nos naqueles muito confortáveis cadeirões de feltro e, poucos momentos depois, ele agarra numa pequena campainha que estava ali silenciosamente adormecida sobre o tampo da longa mesa baixa. Imediatamente uma velha dama aparece à porta a perguntar o que era que o "menino" queria. Ele pergunta-me se uma chá e torradas seria do meu agrado. Disse que sim e a velha dama volta as costas e desaparece na penumbra do corredor. Não recordo o nome do "menino". Não guardei o seu cartão de visita. Chamemos-lhe também o "menino"! A velha dama tinha-lhe chamado "menino", mas isso não era certamente o seu nome!
Enquanto aguardávamos o cházinho, ele aproveitou para me dizer que aquela senhora era a sua ama e que ele lhe chamava "Mamy"! Que tinha sido ela quem o amamentou e tomou conta dele quando ele era pequenino. Que desde sempre ele tinha sido o seu "menino"! Quando os seus pais faleceram, um atrás do outro, ela tinha ficado sempre como sua ama. Que apesar da sua idade era ela quem fazia ainda as compras e os cozinhados e decidia do menu de cada dia. Que tinham uma senhora que vinha fazer as limpezas uma vez por semana, e que isso lhe bastava.
O Menino então entrou em detalhes sobre a sua pessoa. Que nunca tinha casado para não fazer nenhuma mulher infeliz! Que desde sempre fora o corpo do homem que o inspirava. Que a culpa não era dele! Que tinha vivido com outro homem muitos anos mas que ele se tinha mudado para o Alto de São João. Que ele agora se sentia muito só. Que os seus únicos prazeres era o seu trabalho como jornalista, que andava a escrever um livro sobre o Santo André, e que ia muito ao cinema e ao teatro, mas não gostava, como muitos outros o faziam, dar um salto à noite até ao Parque Eduardo VII, em busca duma ocasional aventura. Que preferia ter alguém com quem partilhar a sua vida e a sua casa.
Discretamente, viver a sua “falha”com alguma dignidade.
Quando a Mamy veio servir o chá ele indaga o que havia para o jantar, que pusesse a mesa para três, que o senhor Rogério jantaria connosco esta noite. Claro que não recordo o que foi o jantar essa noite, mas recordo a doçura quase infantil que reinava entre a Mamy e o Menino. Era evidente que para ela ele era o seu menino e que para o menino ela era como uma segunda mãe.
Ela raramente me olhou nos olhos ou me fez qualquer pergunta. Limitava-se a, com grandes ares, mastigar e engolir a sua comida, sorver uns golos do divino vinho branco que tinha posto na mesa e, logo depois do café, ela sumiu-se sem mesmo dizer "boa-noite"! Ele explicou-me que agora ela ia lavar a loiça e logo a seguir meter-se na cama a ler o seu "E tudo o Vento Levou", que já tinha lido algumas muitas vezes!
Quanto a nós, depois do café, fomos para a sala e sentámo-nos confortavelmente. O Menino acendeu um charuto e estendeu-me a caixa, mas eu só gostava de mata-ratos! Depois veio a velha Aguardente Velha e os lúbricos sorrisos a anunciarem que era tempo de irmos para a cama. Fiquei um tanto inquieto pois que pensara que depois do famoso jantar ele me acompanharia de regresso a Mafra. Não foi o caso. Os seus planos eram ter-me com ele na sua cama por toda uma noite de amor, para não dizer de poucas vergonhas! Quando lhe perguntei quando era que ele me levaria a casa, ele diz-me:
- Tu estás em casa! Esta é a tua casa! Deixa o teu trabalho em Mafra e vem viver comigo e eu te porei a estudar para fazer de ti um homem culto com um grande futuro artístico! Que sabia do meu jeito para o desenho e da minha paixão pelo teatro, que eu poderia frequentar as Belas artes e o Conservatório, e ser um dia um grande artista! Era precisamente isso que eu mais gostaria de ter ouvido, mas vindo da boca dum homem jovem e atraente como tantos outros que me tinham passado pelos braços, mas o Menino não tinha culpa alguma de ter envelhecido e perdido a sua frescura. Haviam uns certos vestígios de uma beleza física dos tempos do Eça, mas agora, realmente, se eu aceitasse a sua proposta, eu teria sido apenas um oportunista, um chulo! Isso seria, dalgum modo, uma grande falta de respeito por mim e pelo Menino. Mesmo assim, a título de remuneração, aceitei a proposta de passar a noite com ele, na condição de ele me pôr em Mafra, frente ao Estrela, no dia seguinte, antes das sete da manhã. Ele concordou e assim em vez de chulo eu tornara-me numa reles prostituta!
A noite passou-se como eu tinha previsto: O Menino tinha um corpo balofo e nem sequer uma pequena erecção! Durante uma hora ele regalou-se com o meu jovem corpo, esse corpo que, tal como o dele, um dia seria também balofo e sem erecções possíveis ou imaginárias. Ele usou a sua língua para variadíssimas e engenhosos preliminares. Do broche ao minete, a sua língua vagueou por todo o meu corpo, mas algo a esse respeito me repugnou. Nesse momento pedi a Deus que eu morresse jovem, nunca chegasse a esse expoente da miséria humana! Mas quando ele se voltou e me ofereceu o seu flácido traseiro, o meu sexo indiferente a todas as minhas relutâncias, pôs-se de pé e e nele se alojou. Forniquei-o sem dó nem piedade! Foi talvez a mais bela e talvez a última noite de amor que Menino passou! Só Deus o sabe!
Na manhã seguinte levantámo-nos por volta das cinco da manhã, depois de apenas algumas horas de sono, e fomos à cozinha tomar uma espécie de pequeno almoço, pois que ele não queria que eu começasse a fumar em jejum. A Mamy apareceu na moldura da porta e perguntou se o "menino" precisava de alguma coisa. Ela não se mostrou surpreendida de me ver ainda lá em casa. Era evidente que não era a primeira vez que o "menino" lhe tinha pregado este género de partida!
Às sete da manhã eu estava de volta às minhas funções no Estrela. Um tanto estoirado, mas sobretudo com muita pena do Menino, muita pena de mim, e muita, muita pena da humanidade inteira!
Eu tinha sido, afinal de contas, apenas uma pobre puta sem vergonha!
O Menino voltou várias vezes ao Estrela para tomar uma bebida mas todas suas propostas de me adoptar foram recusadas. Disse-lhe abertamente o que eu pensava da nossa relação, e pedi-lhe que nunca mais voltasse a procurar-me, que me esquecesse, que fizesse de conta que eu nunca tinha existido!
Moralidade da história: Perdi duas grandes oportunidades na vida de vir a ser um artista ou um grande actor!
Com o Pedro Moutinho fora um excesso de amor pela Balbina, com o Menino, por um excesso de dignidade e respeito por ele e por mim mesmo!
Que será feito do Menino?
Certamente que já foi ter com os pais, a May, e o homem com quem viveu. Todos talvez na mesma morada:
O Alto de São João!
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