lundi 13 juillet 2009

O Poço do Rei











A razão pela qual deixámos a casa do Zé da Vila foi um grande drama para toda a família pois que, nessa casa com quintal, tínhamos encontrado, por fim, uma certa estabilidade, depois dos precários tempos nos Salgados. Mas tudo foi por água abaixo por causa da desmedida ambição do Zé da Vila!

Um dia meu pai estava plantado em frente da grande janela do corredor, deleitadamente a gozar a paisagem e o ar fresco e limpo das montanhas quando, bruscamente, reparou numa grande fumarada vinda de um ponto lá em baixo no vale. A fumarada começou a subir e a entrar pela casa adentro. Meu pai fechou a janela e atravessou a rua para perguntar ao Zé da Vila o que poderia ser aquela intrusão. O Zé da Vila informa-o que tinha aberto vários fornos de carvão lá em baixo na sua propriedade e que o fumo só nos incomodaria nos dias em que o vento soprasse do Norte e que isso era muito raro acontecer.

Meu pai voltou para casa mais conformado mas, a realidade seria outra! A partir desse dia o vento sopraria do Norte todos os dias e todas as noites que Deus nos enviava! Minha mãe sofria de um problema de asma e sufocava naquela casa com todas as janelas permanentemente calafetadas e o fumo a rondar constantemente à volta da nossa casa.
Meu pai várias vezes foi falar com o Zé da Vila acerca do grave problema que nos atingia por causa dos fornos de carvão dele, mas o Zé da Vila respondeu-lhe muito secamente que se ele não estava bem que se mudasse!
Foi precisamente o que o meu pai decidiu fazer. Não pudemos levar o Negrito e foi a mulher do Zé da Vila que ficou com ele. E lá ficou também o meu coração aos bocadinhos espalhados pelo chão. Mais lágrimas que tinham que secar. Minha mãe, para me consolar, prometeu-me lá voltarmos de vez em quando para matarmos saudades do nosso Negrito... Promessa que nunca foi cumprida e que se esvaiu no tempo como tantas outras mais...

Assim, lá fomos todos para a casa do Senhor Leonardo, ali no Poço do Rei, não longe do Largo D. João V, mesmo em frente do majestoso Convento, à sombra do qual eu iria crescer e descobrir as maravilhas e os horrores que a vida me tinha predestinado. Foi à sombra desse Convento que eu vivi a maior parte da minha infância e a totalidade da minha dolorosa adolescência...
A casa do senhor Leonardo ficava num barranco que pitorescamente se chamava O Poço do Rei! Era uma casa muito velha com janelas de guilhotina e vidros aos quadradinhos e, nas traseiras, para meu maior encanto, um grande quintal!
Alugámos apenas uma parte de casa no primeiro andar, com serventia de cozinha e de quintal. O quintal tinha uma porta que dava para a rua onde havia a taberna do Zé Tendeiro onde eu, na minha pequenez, iria muitas vezes carregar com o meu pai, bêbedo que nem um cacho.

No primeiro andar tínhamos dois pequenos quartos. Um quarto foi para os meus pais e o outro para mim e o Fernando. O quarto dos meus pais tinha uma janela que dava para o quintal e uma grande porta toda pregada com pregos que dava para o quarto do senhor Leonardo, do outro lado da parede. Contra essa porta minha mãe instalou a mesa de casa de jantar e quatro cadeiras. Era ali que comíamos as nossas refeições trazidas lá debaixo da cozinha, confeccionadas pela mãezinha. Isto quando a Dona Jacinta, que tinha uma tenda ali perto, lhe tinha fiado algumas côdeas para a gamela. Na outra extremidade do quarto, ao fundo, havia a cama dos meus pais e, contra a parede da direita, o adorado guarda-vestidos de minha mãe e a velha cómoda que tínhamos dos tempos de infância do paizinho.
O outro quarto, ao lado, no mesmo patamar, era o quarto que eu e o Fernando partilhávamos. A minha cama estava encostada à porta que separava o nosso quarto do quarto da Ana, a filha do senhor Leonardo. A Ana passava os serões inteiros sentada do outro lado da porta a fazer tricô e cada vez que deixava cair uma malha vociferava obscenidades. Uma das frases que ouvi e me ficou no ouvido e que eu iria repetir como se eu fora um descarado papagaio, foi:
“Foda-se! Lá vai a puta da malha pó caralho! Tou fodida!”
Eu achava este tipo de linguagem muito colorido e musical e comecei, sem querer, a utilizá-lo também muito frequentemente.
Até que um dia a minha mãe se agachou na minha frente e me pergunta onde é que eu tinha aprendido tais coisas. Disse-lhe que tinha sido com a Ana, quando ela fazia tricô e deixava cair uma malha! Minha mãe leu-me a cartilha e foi nesse dia que ela me repetiu que não haviam palavras más nem palavras boas, que haviam simplesmente palavras que exprimiam os nossos sentimentos, mas que algumas só deviam ser utilizadas quando absolutamente necessário!

Pergunto eu - Ò mãezinha, se a mãezinha estivesse a fazer tricô e deixasse cair uma malha, o que é que a mãezinha diria?

Minha mãe, sem responder, virou-me as costas e voltou às suas lides caseiras e deixou-me ali, até ao fim da minha vida, sem saber o que a minha mãe dizia quando algo lhe corria mal.

Na casa ao lado da nossa vivia o Mário dos Correios, o nosso carteiro, a quem chamavam o Márinho, por ele receber soldados na sua casa para, segundo diziam, os levar para a cama!
Este Mário inspirava-me uma curiosidade quase mórbida e muitas vezes lhe batia à porta para ir buscar a bola com a qual eu jogava no nosso quintal e que, como por milagre, ia sempre cair no quintal do Mário, por cima da separação feita de canas que havia, a dividir os dois quintais.

O Mário restituía-me a bola de trapos que minha mãe me tinha feito, e dava-me sempre um chupa-chupa e eu ficava lá o mais tempo possível para ver se os soldados também viriam bater à porta e se o Mário também lhes dava chupa-chupas. Desde essa idade que me apercebi que chupar nos chupa-chupas era um regalo! Ao longo da minha vida não houveram chupa-chupas que chegasse! Eram uns atrás dos outros!

Um dia o meu pai pega-me na mão e leva-me para a cozinha para ter uma conversa muito séria comigo acerca das minhas idas a casa do Mário.
"Que eu não devia incomodar os vizinhos, que não era bom para a nossa reputação, que os vizinhos já começavam a dar com a lígua nos dentes!”
Meu pai não ousou dizer-me abertamente as verdadeiras razões, mas eu já as conhecia todas de cor e salteado! Eu já sabia muito bem o que realmente se passava em casa do Mário com os soldados, pois quando eu via um soldado entrar em casa dele, punha o ouvido contra a porta que separava a casa de fora, no rés-de-chão, do quarto do Márinho, e eles faziam os mesmos grunhidos que faziam o Alberto e a Maria José quando à noite iam deitar e a cama gingava que nem uma doida, como se estivessem a amassar pão em cima dela!

O Mário era um bonito rapazão, muito esbelto, muito loiro, que andava sempre por toda a parte a cavalo na sua bicicleta. Ele usava sempre o uniforme dos Correios e os uniformes sempre atiçaram a minha curiosidade e a minha desenfreada fantasia. No fundo, eu andava ansioso que o Mário abusasse da minha inocência, que me mostrasse o seu chupa-chupa, mas o Mário não tinha nada de pedófilo e eu fiquei sempre a ver navios! Ainda hoje lamento que as coisas entre mim e o Mário nunca tenham ido mais longe do que os seus estúpidos chupa-chupas comprados na tenda da Dona Jacinta. Agora, uma certeza me assola: Eu teria preferido o chupa-chupa do Mário, que eu imaginava longo e roliço, a escaldar-me na boca, a satisfazer aquela imensa curiosidade sobre a minha fantasiosa imaginação aberta em flor, esse grande mistério que então me consumia, à porcaria dos chupa-chupas da ranhosa da Dona Jacinta!

Os soldados do quartel andavam sempre a passar lá na rua, à porta do Mário, naquelas fardas acinzentadas, muito justas, a porem em relevo as sensuais formas daqueles jovens corpos tão sedentos de libidinosas carícias. Isso começou a aguçar-me o apetite e a inquietar a minha líbido, a qual há muito eu começara a pressentir acenando-me lá ao longe com promessas e ameaças de ináuditas grandes descobertas ainda por fazer!

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