A razão pela qual deixámos a casa do Zé da Vila foi um grande drama para toda a família pois que, nessa casa com quintal, tínhamos encontrado, por fim, uma certa estabilidade, depois dos precários tempos nos Salgados. Mas tudo foi por água abaixo por causa da desmedida ambição do Zé da Vila!
Um dia meu pai estava plantado em frente da grande janela do corredor, deleitadamente a gozar a paisagem e o ar fresco e limpo das montanhas quando, bruscamente, reparou numa grande fumarada vinda de um ponto lá em baixo no vale. A fumarada começou a subir e a entrar pela casa adentro. Meu pai fechou a janela e atravessou a rua para perguntar ao Zé da Vila o que poderia ser aquela intrusão. O Zé da Vila informa-o que tinha aberto vários fornos de carvão lá em baixo na sua propriedade e que o fumo só nos incomodaria nos dias em que o vento soprasse do Norte e que isso era muito raro acontecer.
Meu pai voltou para casa mais conformado mas, a realidade seria outra! A partir desse dia o vento sopraria do Norte todos os dias e todas as noites que Deus nos enviava! Minha mãe sofria de um problema de asma e sufocava naquela casa com todas as janelas permanentemente calafetadas e o fumo a rondar constantemente à volta da nossa casa.
Assim, lá fomos todos para a casa do Senhor Leonardo, ali no Poço do Rei, não longe do Largo D. João V, mesmo em frente do majestoso Convento, à sombra do qual eu iria crescer e descobrir as maravilhas e os horrores que a vida me tinha predestinado. Foi à sombra desse Convento que eu vivi a maior parte da minha infância e a totalidade da minha dolorosa adolescência...
No primeiro andar tínhamos dois pequenos quartos. Um quarto foi para os meus pais e o outro para mim e o Fernando. O quarto dos meus pais tinha uma janela que dava para o quintal e uma grande porta toda pregada com pregos que dava para o quarto do senhor Leonardo, do outro lado da parede. Contra essa porta minha mãe instalou a mesa de casa de jantar e quatro cadeiras. Era ali que comíamos as nossas refeições trazidas lá debaixo da cozinha, confeccionadas pela mãezinha. Isto quando a Dona Jacinta, que tinha uma tenda ali perto, lhe tinha fiado algumas côdeas para a gamela. Na outra extremidade do quarto, ao fundo, havia a cama dos meus pais e, contra a parede da direita, o adorado guarda-vestidos de minha mãe e a velha cómoda que tínhamos dos tempos de infância do paizinho.
Pergunto eu - Ò mãezinha, se a mãezinha estivesse a fazer tricô e deixasse cair uma malha, o que é que a mãezinha diria?
Minha mãe, sem responder, virou-me as costas e voltou às suas lides caseiras e deixou-me ali, até ao fim da minha vida, sem saber o que a minha mãe dizia quando algo lhe corria mal.
Na casa ao lado da nossa vivia o Mário dos Correios, o nosso carteiro, a quem chamavam o Márinho, por ele receber soldados na sua casa para, segundo diziam, os levar para a cama!
O Mário restituía-me a bola de trapos que minha mãe me tinha feito, e dava-me sempre um chupa-chupa e eu ficava lá o mais tempo possível para ver se os soldados também viriam bater à porta e se o Mário também lhes dava chupa-chupas. Desde essa idade que me apercebi que chupar nos chupa-chupas era um regalo! Ao longo da minha vida não houveram chupa-chupas que chegasse! Eram uns atrás dos outros!
Um dia o meu pai pega-me na mão e leva-me para a cozinha para ter uma conversa muito séria comigo acerca das minhas idas a casa do Mário.
O Mário era um bonito rapazão, muito esbelto, muito loiro, que andava sempre por toda a parte a cavalo na sua bicicleta. Ele usava sempre o uniforme dos Correios e os uniformes sempre atiçaram a minha curiosidade e a minha desenfreada fantasia. No fundo, eu andava ansioso que o Mário abusasse da minha inocência, que me mostrasse o seu chupa-chupa, mas o Mário não tinha nada de pedófilo e eu fiquei sempre a ver navios! Ainda hoje lamento que as coisas entre mim e o Mário nunca tenham ido mais longe do que os seus estúpidos chupa-chupas comprados na tenda da Dona Jacinta. Agora, uma certeza me assola: Eu teria preferido o chupa-chupa do Mário, que eu imaginava longo e roliço, a escaldar-me na boca, a satisfazer aquela imensa curiosidade sobre a minha fantasiosa imaginação aberta em flor, esse grande mistério que então me consumia, à porcaria dos chupa-chupas da ranhosa da Dona Jacinta!
Os soldados do quartel andavam sempre a passar lá na rua, à porta do Mário, naquelas fardas acinzentadas, muito justas, a porem em relevo as sensuais formas daqueles jovens corpos tão sedentos de libidinosas carícias. Isso começou a aguçar-me o apetite e a inquietar a minha líbido, a qual há muito eu começara a pressentir acenando-me lá ao longe com promessas e ameaças de ináuditas grandes descobertas ainda por fazer!
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