lundi 13 juillet 2009
Moínho da Ericeira
Nessa altura a Maria José tinha-se mudado para casa da mãe dela quando deixámos a casa da Vila Velha e o Alberto tinha ido para a tropa em Campolide.
Eu continuava na escola, já andava na terceira classe. Depois da escola eu ia trabalhar numa retrosaria ali perto, para ajudar o senhor Mateus, o dono da loja. A filha dele, a Dona Dores, gostava muito de mim e dava-me sempre um bom lanche: era sempre um copo de leite e uma grande sanduíche de queijo ou fiambre e um bolinho. Eu gostava muito da Dona Dores e da sua irmã, a Dona Manuela, que morava mesmo em frente, que também me convidava frequentemente a subir a casa dela para me dar roupas velhas dos seus filhos, coisa que minha mãe muito apreciava.
O senhor Mateus deixava-me indiferente. Era um homem já bastante velho que passava todo o tempo enfiado nas suas contas. Tinham poucos clientes, mas mesmo assim eu ajudava bastante e até varria a loja todos os dias, e fazia recados ao senhor Mateus.
Ali perto havia um pequeno Café, o Café do Botas, onde eu, sempre que podia, ia lá comer um bolo de arroz e um galão. O senhor Botas tinha três filhas muito giras e eu andava um tanto embeiçado com a mais nova delas. Esqueci o seu nome mas nunca a sua bela face e aquele sorriso insinuante. Fazia-me muita confusão eu estar enamorado de uma rapariguinha da minha idade e, ao mesmo tempo, um violento desejo de desvendar os soberbos corpos dos homens, que podiam já ser meus pais! Que se passava comigo? Eu andava entusiasmado com uma bonita rapariga mas eram os fícos dos matulões que irrevogavelmente despertavam o meu pequeno corpo ainda meio adormecido! Porquê quando eu pensava em homens a minha pila engordava e quando pensava em raparigas ela estava-se nas tintas? Havia ali algo que eu não compreendia muito bem e que só muito anos mais tarde, certo médico me falou das hormonas masculinas e femininas que nos corriam no sangue e que eram elas que decidiam dos nossos apetites. Parece que as minhas hormonas femininas são muito irrequietas, muito glutonas e, insaciavelmente, devoram minhas incautas hormonas masculinas.
Eu gostava muito de ir ao Café do Botas ver a minha namorada e tomar o meu galão mas nunca tinha dinheiro que chegasse para o fazer. Isso também não percebia ainda muito bem! Então o Miro tinha muito dinheiro porque trabalhava no Esplanada e os clientes lhe davam boas gorjetas. E eu? Que no senhor Mateus trabalhava que nem um burro, servia a clientela, varria a loja, aturava o rabugento do velho e que nunca ninguém me dava uma gorjeta? Havia ali uma injustiça qualquer para a qual eu não encontrava uma explicação plausível! Como eu precisava de patacas para ir ao Café do Botas e nunca tinha nenhumas e como a gaveta do senhor Mateus estava sempre aberta e à minha disposição para dar os trocos aos clientes, comecei, de vez em quando, a sacar umas tantas moedas de vinte e cinco tostões para as minhas farras. O pior foi que o senhor Mateus que passava o tempo todo a cavalo nas suas contas, um dia deu pela marosca e pôs-me no olho da rua! Foram as primeiras e últimas vezes que roubei dinheiro! Depois, pela vida fora, roubei muitos beijos e muitas noites a muita boa gente, mas no dinheiro nunca mais toquei! Percebera que o dinheiro era uma gula que envenenava a humanidade. Com o Dinheiro se compra o Poder, com o Poder se compra El Rei Dom Dinheiro! Para mim, o dinheiro apareceu-me como sinónimo da lamentável podridão humana, uma doença muito contagiosa e sem cura alguma, uma repelente epidemia desfalcando o mundo inteiro!
Como eu viria a escrever um dia:
“Odeio o dinheiro! Tivera eu tanto e dele não mais precisar!”
E eu que há anos sonhava em comprar o meu belo moínho da Ericeira que sempre que eu passava por ele, ele acenava. Eu queria ir para lá morar para ficar mais perto do mar, ese meu grande amante de toda uma vida, e adormecer ao som das cabaças de barro que, com o vento, inventavam uma cantilena muito maviosa, ideal para nos lançar nos braços de Morfeu!
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