No segundo andar, os nossos vizinhos eram o senhor Assunção, a esposa e a filha. O senhor Assunção que, num passado então ainda muito recente, me tinha deixado vender chocolates no Cine-Teatro que ele dirigia, fazendo de mim o mais feliz de todos os mortais e que, mais tarde, me daria também a ocasião de descobrir que eu era, talvez, quem sabe, um artista.
Na nossa casa - a casa dos Caetanos - morava lá connosco, numa parte de casa, a Dona Alice, que trabalhava nos Correios. Ela era casada com um militar de carreira e tinha um filho mais pequeno do que eu. Lembro-me tão bem dela como se nos tivéssemos visto ontem pela última vez!
Nessa casa haviam muitos quartos. A Dona Celeste ocupava os dois grandes quartos à entrada, à direita, com janelas para o Largo e, à esquerda, tinha a despensa, um pequeno e obscuro quarto sem janelas onde dormia a criada dela, a Beatriz, que era uma mulherzinha muito divertida e que andava sempre com uma grande piela. Ao lado do quarto da Beatriz encontravam-se a cozinha e a casa de banho. A primeira porta à esquerda do corredor era o meu quarto com o Carretas e, à direita, mesmo em frente, o quarto da Barau. Ao fundo do corredor era o quarto da Lhé, com passagem para o quarto da tia Laura. Á esquerda, ao fundo, o quarto do senhor Caetano, que só vinha lá dormir aos fins de semana pois que ele tinha um outro Café em Montachique - o Café Satélite - com a mulher dele, a Dona Isabel, e a outra filha, a Cléo. Ele viajava dali até Mafra todos os sábados de manhã no seu carro muito verde, carregado com pastéis de feijão, pastéis de amêndoa, e outros tipos de bolos que ele fazia para vender no Café Estrela. Eu ajudava-o sempre a descarregar o carro. Ele era um homem muito fechado, dava pouca confiança aos outros mas, nos seus olhos, eu adivinhava uma ternura muito discreta, escondida muito a medo. Fiz dele um segundo pai! Ainda hoje sonho frequentemente com ele.
Lembro-me do dia em que fizeram obras para abrirem uma passagem entre a copa e as dependências ao lado onde guardavam tralha. Aí instalaram uma grande mesa onde o senhor Caetano me ensinaria a fazer pastéis de feijão e pastéis de amêndoa. A partir dessa data ele já não tinha que vir a correr de Montachique com esses mesmos bolos feitos por ele no Café Satélite. Eu gostava muito de fazer pastéis de feijão e, sobretudo, de os embrulhar naqueles pequenos pedaços de papel vegetal com um desenho do Convento de Mafra.
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