mardi 7 juillet 2009

Primeiros Brinquedos











Foi igualmente na Rua do Arco do Carvalhão, durante as festas dos Santos Populares, que eu tive o meu primeiro e último trono na rua, com o Santo António e um pratinho para as pessoas porem moedas. Eu queria arranjar maçaroca para comprar um relógio de pulso, mas a coisa correu mal quando o paizinho deu comigo ali sentado na rua, mesmo ao pé da nossa porta, a pedir esmola. Ele deu-me uma grande descompostura e arrastou-me para casa com o meu rico Santo António debaixo do braço. E lá se foi talvez o meu primeiro grade sonho, o do poder comprar um relógio de pulso. Muitos anos mais tarde viria a detestá-los, por serem uns grandes comilões! Comeram-me a minha Infância! A minha adolescência! A minha Juventude! A minha Vida quase toda...

Cada dia que passamos
Ao certo nunca o saberemos
É mais um dia que ganhamos
Ou outro que perdemos?

Porém, uma tarde, a Isabel Capitoa fez-me uma grande surpresa! Levou-me com a Manóia a uma matiné do Jardim Cinema, ali na avenida Álvares Cabral. Fomos a pé da rua do Arco do Carvalhão, apanhámos a rua das Amoreiras, passámos pelo Rato, e subimos a Álavares Cabral e à esquerda, antes de chegar à Estrela, lá estava aquele grande cartaz a anunciar o filme que íamos ver. Foi a primeira vez que ia a um cinema! Que grande aventura, que grande descoberta! Nunca esquecerei aquela tarde que pela primeira vez vi um cinema por dentro e um filme projectado sobre aquele grande ecrã! O filme chamava-se “O Pássaro Azul”! Fiquei encantado com todas aquelas cores muito vivas e imagens que se mexiam e logo fiquei apaixonado pela Shirley Temple!

Outra recordação inesquecível, era quando eu ia a pé, sozinho, a espiolhar todas as montras, da Vila Alberto até ao Jardim da Parada onde a Fernanda, a filha da Capitoa, trabalhava como responsável das retretes das senhoras nesse belo Jardim onde fui tantas vezes brincar com a rapaziada da minha idade. Havia lá mesmo em frente um outro cinema, o Cinema Europa, e quantas vezes desejei ir a outra matiné.
Na mesma rua, mais adiante, morava o meu tio António, o marrequinho, o irmão da minha mãe, que tinha uma grande casa muito luxuosa e um filho da minha idade, muito arrogante, que eu detestava! O Tio António tinha muitas empresas, era muito rico, e o filho dele tinha muitas peneiras, e não gostava de me ver lá em casa dele, porque eu era pobre, não tinha onde cair morto! Ele tinha muitas trotinetes, e eu apenas tinha a pila como brinquedo. Mas como uma pila sozinha não vale uma pila, comecei a querer brincar com a pila dele. Ele não esteve pelos ajustes. Se calhar a pila dele ainda era mais pequenina do que a minha.

Outra coisa que me lembro muito bem, foi de ir sempre que podia para a casa da Isabel Capitoa, pois que ela tinha janelas para a frente, para a rua, e eu gostava de me pendurar à janela a ver as pessoas passarem, as carroças dos vendedores ambulantes carregadas de hortaliça. Já começavam também a passar, de vez em quando, algumas carripanas a venderem carvão. Adorava também os velhos pregões das peixeiras, do “Ò sardinha fresca!; do gajo das castanhas do “quentes e boas”; do “quem quer figos, quem quer almoçar”! Tudo isso, infelizmente, caiu num poço sem fundo! Hoje andamos todos a sermos manipulados pelo “marketing” e grandes Supermercados! Agora não se come o que se quer, come-se o que certos filhos de puta querem que a gente coma!

Sem esquecer quando a Capitoa me levava a pé até à escola João de Deus, ali na Pedro Álvares Cabral, uma escola pré-primária onde eu continuava a aprender as mesmas coisas que a Gracinda, em Mafra, já me tinha já ensinado. A escola era ali mesmo ao pé do Jardim da Estrela, onde, depois das aulas, a Isabel me levava até lá passear e brincar com outros meninos da minha idade. Às vezes até me comprava um chupa-chupa! Que viria ser um dos meus vícios para o resto da vida!

Um dia eu andava na casa de jantar da Capitoa, a cavalo no pau de vassoura com um prego na ponta, com o qual ela puxava e empurrava a roupa lavada no arame da janela, a secar. Como o pau tinha duas pontas e cada qual tinha um prego, nesse dia um dos pregos engatou-se num dos pés da mesa de casa de jantar, e o outro rasgou-me a bolsinha dos meus bombons. A Isabel deu um grande grito, entrou em pânico e teve de me pôr uma fralda e levar-me a correr ao Hospital de Santa Marta.

Fomos e voltámos de eléctrico e, no regresso, já vinha mais calminho, mas ainda choramingão. Uma senhora muito bem posta, com um pequeno chapéu preto com uma redinha, sentada mesmo ao nosso lado, perguntou o que se tinha passado e quando ela obteve o relato das coisas fez-me uma festinha e depois sacou da sua malinha uns bombons muito pequeninos, que me pôs na palma da mão, para eu me aquietar. Mas aqueles chocolatinhos não tinham mesmo nada a ver com os meus bombons, que quase ia ficando sem eles!

Outra vez foi quando a Isabel me levou aos Armazéns do Grandela. Ela andava à procura de um tecido para fazer uma blusa para a Manoia. Foi na altura do Natal e os armazéns estavam a abarrotar de gente e muitos meninos e meninas da minha idade. Quando as mamãs pagavam as compras a caixeira dava sempre um balãozinho colorido ao menino ou à menina, e eu, como não tinha ainda o relógio de pulso, gostaria de ter, ao menos, um balãoainho, porra! Mas como a Isabel não tinha cheta e não comprou nada, e fiquei a ver navios!

Na viagem de eléctrico, de volta a casa, novamente eu ia a resmungar, e novamente uma velha senhora muito aperaltada, estava sentada ao nosso lado e também me fez muitas festinhas dizendo-me que na vida não se podia ter tudo! Fiquei lixado com o raio da velha! Eu não queria ter tudo! Eu só queria um balão!
Curiosamente, essa senhora também desceu connosco em Campolide e, mesmo na paragem, estava um velhote a vender balões. A senhora abre a sua mala, saca uma moeda, e compra-me um balão e põe-mo na minha pequena mão aberta como que para colher uma estrela!
Fiquei tão contente como um menino pobre a quem deram um brinquedo novo! Não tinha relógio mas ao menos tinha um balão encarnado! Mas ao chegar a casa quis soprar a gaita do balão para o fazer ainda maior e mais bonito mas o parvo do balão rebentou-me na fuça e desde esse momento compreendi que nas minhas mãos nada duraria muito tempo. Até mesmo a puta da vida! Mas, ao menos, quando ela acabasse acabariam-se- me também todas as minhas angústias, os meus medos, as minhas frustrações! Já era realmente, apesar de tudo, uma imensa compensação!

O mesmo aconteceria mais tarde, mas desta vez com um moinho de papel. Uma senhora muito chique comprou-me um, muito garrido, que um velhote estava a vender na esquina da rua de Campolide. Chegados a casa, eu ponho-me à janela a fazer o meu rico moinho a moer ao vento que nos vinha do Aqueduto. À noite, antes de ir para a cama, pus o malvado do moinho espetado num dos vasos de sardinheiras da tia Arminda, ali na varanda das traseiras, para que ele não adormecesse, que moesse a noite inteira, para que eu, na manhã seguinte, o pudesse arrancar e ir por essa Rua do Arco do Carvalhão acima e abaixo a mostrar ao mundo que eu tinha um lindo moínho de papel espetado numa caninha, a rodar ao vento, que se lixasse o cabrão do relógio de pulso e outras ambições ainda até então nunca pressentidas!

Durante a noite sonhei com o meu lindo moinho. Mal acordei fui à varanda ver o meu querido balão, mas ele não estava lá! Moeu a noite toda mas alguma rabanada mais forte o levou pela rua fora! Chorei até chegar a mulher da fava-rica! Não tinha direito de ter um relógio e agora, nem sequer um balão, nem tampouco um moínho de merda?!

Nessa manhã comecei a compreender que a vida não era tão boa e bonita como me tinha parecido quando comecei a descobrir a luz do sol, o perfume das flores, a minha pila, ir para a rua correr e jogar à bola, as ervilhas com ovos, o ronronar do Farrusco, os merendeiros da Conceição Branca, os constantes beijos de minha mãe...
Desde então comecei a compreender que a vida era falsa e que, como as moedas, tinha duas faces e ambas, quem sabe, intrujonas!

Lembro-me quando, uma tarde, estava sentado no chafariz a ver as pessoas passarem e a admirar o meu Zero na Ponte Duarte Pacheco quando repentinamente, da taberna mesmo atrás do Aqueduto, onde o meu pai ia tomar copos com o senhor Alfredo - o marido da Capitoa - que, como o meu pai, andava sempre grosso. Ouvi, vindo da grande telefonia que eles tinham lá na taberna, empoleirada em cima de um grande móvel, uma linda voz a cantar uma cantiga muito bonita. Estava encantado a ouvir o chafariz e aquela voz divina quando, um tipo que estava encostado à porta da taberna a fumar uma beata, volta-se para dentro e grita:

- É malta! Não façam tanto cagaçal! Deixem-me ouvir a Amália!

2 commentaires:

  1. Um autêntico " Conta-me como foi!" Tu és o Carlos! Que ideia a tua ir pedir esmola à custa de Santo António. Ó homem, tomara ele paciência e tempo para ter o Menino sentado no braço!
    E depois, as dificuldades da vida e os teus sonhos de criança! O moinho o balão, o cinema e a pilinha...

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  2. A pilinha continua a ser o meu maior senão o pior problema! Pilinha traiçoeira que quer tudo e não tem nada!

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