dimanche 19 juillet 2009

O botão do colarinho








Certa noite, exibiam no Cinema de Mafra um filme que ambos queríamos ver: “Entre Duas Mães”, com a Anne Blyth.Quando chegou a hora de ir para o Cinema, Hermínio reparou que lhe faltava um botão no seu colarinho e que tinha medo de ser apanhado por algum superior e pediu-me se eu lhe podia solucionar o problema.

Levei-o àquela dependência onde se faziam os pastéis de feijão, fui à cozinha buscar um botão, uma agulha, um dedal e uma linha, e tentei resolver esse seu tão insignificante contratempo.

Ele estava de pé na minha frente, instável, seus pés martelavam impiedosamente o indefeso soalho. Enquanto eu lhe cosia o botão, seus olhos nervosamente esvoaçavam de parede em parede, a disfarçar o alvoroço que lhe percorria o corpo todo. Suas pernas tremulavam como um condenado à morte já sobre a guilhotina. Era como se eu fosse um carrasco e estivesse a enfiar-lhe a corda no pescoço, seus pés rentes ao alçapão que dentro em pouco se abriria para o tragar e o deixar oscilando nessa implacável corda que contra seu desejo, nele se enfiara!
No momento em que aproximei a minha boca do seu colarinho para cortar a linha com os dentes, ele aprisiona arrebatadamente a minha cabeça entre as suas mãos, como garras de albatroz, e crava-me a sua boca em fogo na minha, num beijo com tal paixão, tal violência, que os meus lábios sangraram! Sua língua vasculhava freneticamente a minha e sugava o meu sangue como se fora um embruxado vampiro sequioso de sangue para rapidamente apagar o seu sôfrego ardor!
Tal como com o tabuleiro de Xadrês, brutalmente atira-me contra a parede e sai desarvorado, desastradamente reajustando o seu órgão e tentado disfarçar aquela mesma comprometedora mácula no seu belo uniforme.

Após este molesto incidente, calmamente me recompus daquela imprevista agressão, ordenei a minha devastada indumentária, e pus os pés a caminho do cinema, cobrindo a boca com o meu branco lenço, a esconder a minha mordida boca, ainda ligeiramente sangrando.

Cheguei atrasado. A sessão já tinha começado. Procurei a minha cadeira, sentei-me, e ainda vi parte de um documentário acerca do Holocausto e o Pathé Jornal, que ainda falava dos horrores da Segunda Guerra Mundial.

Ao intervalo fui tomar uma bebida ao bar e ver as vitrinas com os cartazes dos filmes a serem exibidos proximamente. Pelos cantos dos olhos vislumbrei o Hermínio encostado a uma parede, junto à saída de socorro, fumando nervosamente o seu cigarro. Reparei que ele me evitava. Com uma mão segurava a sua beata e, com a outra, judiciosamente procurava esconder as nefastas provas do seu dramático problema de retenção seminal.

Depois dessa noite, desse seu descontrolado assalto, desse sanguinário beijo de vampiro, ele nunca mais voltou ao Estrela.

Uma tarde, ao passar pelo Café Esplanada, vi-o sentado a uma mesa ao pé da montra. Quando ele me apercebeu, pretendeu não me ter visto e voltou a mergulhar a face no jornal que pretendia estar a ler.

Não sei se o problema do Hermínio era a ejaculação precoce, a sua homossexualidade, ou ambas! Não sei ao certo, mas o facto foi que ele nunca mais apareceu no Café Estrela. Nunca mais o vi no cinema nem na rua. Penso que talvez tenha pedido permutação para outro qualquer quartel longe de Mafra. Não penso que se tenha suicidado.

Nesses tempos a homossexualidade era uma falta vergonhosa e a ejaculação precoce um problema muito grave, mas o Hermínio era um jovem soberbo e tinha vida toda à sua frente.
Espero que ela tenha sido longa e que o problema ejaculatório se tenha resolvido e que tenha assumido a sua sexualidade e vivido uma vida tão prenhe de venturas e desventuras como foi a minha!

Uma vida plenamente vivida!

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