lundi 13 juillet 2009
A Pedra Amassada
Os dias foram passando e o Alberto cada vez mais debilitado e os tratamentos inacessíveis à bolsa dos meus pais.
Um dia o Dr. Passos, que era um homem bom, começou a trazer os tratamentos gratuitamente para o Alberto e nunca cobrou um centavo pelas suas visitas a nossa casa, mas um dia chamou o meu pai de parte e disse-lhe que eu tinha de sair de casa, pois que a doença do Alberto era muito contagiosa e que eu corria grandes riscos. Presumo que o meu pai falou com a minha mãe acerca deste pedido do Dr. Passos, pois que, dias depois, minha mãe fez-me uma pequena trouxa e o meu pai pegou-me pela mão e levou-me - a pé - de Mafra até à Barreiralva.
Quando lá chegámos ele apresentou-me o Adelino, um dos seus muitos clientes e bom amigo. O Adelino tinha uma espécie de tasca e mercearia, com um balcão muito alto, com uma clientela muito barulhenta. Tudo aquilo me apavorou mas nunca pensei que meu pai depois me viraria as costas e me deixaria ali só e desamparado...
“Deixaste a minha pequena mão ali, sozinha em cima do balcão”!
Depois do meu pai ter abalado comecei a choramingar e o Adelino toma-me nos seus braços e explica-me as razões de eu ali ter ficado e do meu pai se ter ido embora sem nada me dizer.
Quando chegou a noite, depois de um jantar que ele preparara e que mastigámos na sua desarrumada cozinha - um autêntico reboliço - ele fechou a tasca e fomos para a cama. O Adelino só tinha um quarto com uma grande cama de casal.
Nessa primeira noite não dormi nada. Primeiro porque me sentia como perdido no alto mar sem uma bóia onde me agarrar, segundo porque o Adelino se tinha despido na minha frente, só guardando as ceroulas com uma pequena abertura à frente que me deixava vislumbrar uma penumbra onde eu adivinhava mistérios insondáveis do mais recôndito do seu belo corpo tão viril.
No dia seguinte o Adelino acordou-me muito cedo para me dar o pequeno-almoço e ensinar-me o que iriam ser todos os dias o meu trabalho na tasca dele.
Os dias foram passando e eu a afeiçoar-me ao Adelino. Ele era um homem bom e atencioso e tratava-me como se eu fosse seu irmão ou, quem sabe, seu filho.
Os dias e as noites foram passando sempre muito idênticos e eu fui-me habituando à minha nova rotina e a afeiçoar-me excessivamente ao Adelino.
Uma noite fomos para a cama e quando o Adelino se despiu, eu vi o seu enorme atributo a espreitar-me pela generosa abertura das ceroulas. Nessa noite não consegui fechar o olho e quando o Adelino começou a ressonar, atrevi-me a, muito cuidadosamente, escavar o meu caminho à descoberta do impressionante tesouro que o Adelino me escondia. Aquela coisa muito rígida, a transbordar-lhe pesadamente daquela gruta por mim nunca explorada, batia repetidamente na minha pequena mão tão intrigada e tão ávida daquela jóia por mim nunca visionada. Nessa noite, com o Adelino a meu lado, profundamente adormecido, ousei enfiar a cabeça por debaixo dos cobertores e ir em busca do que eu tanto queria desvendar. Timidamente rastejando, minha mão alcançou essa tão ansiada oferta genital e minha boca abriu-se para dela vorazmente se apossar mas, inesperadamente, o Adelino funga e volta-se para o outro lado.
No dia seguinte o Adelino acorda-me como de costume, com uma estridente assobiadela, serve-me o pequeno-almoço, pão de milho e queijo fresco e café preto e depois, fechando a porta da tasca, abruptamente me anuncia que íamos até à Pedra Amassada visitar a mulher dele, que tinha lá uma outra loja.
Chegados à Pedra Amassada, depois de uma longa caminhada, o Adelino apresentou-me a mulher e o João Ratão, o seu moço, um rapaz muito vivaço, um pouco mais velho do que eu. E também o seu bebé, que estava a dormitar no seu baloiço e que também se chamava Rogério.
Depois levou-me à estrebaria para me mostrar as vacas e o cavalo e a corte dos porcos, que eu teria de tratar deles todos os dias. Mostrou-me um caixote muito grande cheio de vidros de candeeiro que estava debaixo dos degraus de madeira que levavam ao quarto da mulher dele, sobre o qual um grande colchão de carapelas estava desenrolado, e disse-me:
“Esta noite vais dormir aqui com o João!”
Os dias na Pedra Amassada decorreram como tinham decorrido na Barreiralva:
Eu não sabia fazer nada mas tinha que fazer tudo. Tinha de ir todos os dias a Santo Isidoro a cavalo no macho, por estreitos caminhos mesmo à beira de assustadoras ribanceiras, com dois grandes cestos, comprar o pão para ser vendido na loja da patroa. Tinha um grande cagaço desta minha matinal obrigação por causa dos despenhadeiros mesmo à beira dos estreitos atalhos que o macho a custo calcorreava. Não era como quando eu ia ao Sobreiro, ao longo da larga estrada alcatroada, cujo único risco eram as camionetas do Sardinha e do Gaspar.
Incansavelmente os dias passavam e eu gostava de ir ao rio lavar as minhas roupas e as do Ratão, ajoelhando junto àquela pedra alisada, com o sabão azul e branco que me tinha emprestado a patroa. As outras lavadeiras, ao verem-me, riam-se de mim fazendo gestos para mim, então ainda desconhecidos, e muito bizarros.
Um dia, para me vingar, abri uma funda cova no chão, perto onde elas lavavam, cobri o buraco com pauzinhos de videira, tapei os pauzinhos com um velho jornal e depois cobri o jornal com terra e ervinhas e ali fiquei à espera que uma delas passasse. Quando uma delas passou e enfiou o pé no buraco, eu ri às bandeiras despregadas e pela primeira vez na vida descobri que a vingança era, fosse o que fosse, um bom ajuste de contas!
Eu fazia tudo naquela casa. Levava o gado ao monte a pastar, à fonte matar a sede, escová-los, limpar a estrebaria, encher de feno as manjedouras, tomar conta do Rogério, servir copos aos clientes e quilos de açúcar e batatas e cebolas todas as manhãs às clientes vindas com as suas alcofas penduradas nas mãos calosas. Quando a noite chegava eu estava tão estafado que quando ia para a cama com o Ratão nem sequer me passava pela cabeça apalpar-lhe fosse o que fosse. De resto, eram os adultos que me excitavam. Para pilinhas bastava-me a minha!
Uma manhã levantei-me às seis da manhã para ir a cavalo até a Santo Isidoro buscar o pão, mas chovia a potes e havia um vendaval de arrancar as árvores do chão. Pedi à patroa para não ir essa manhã a Santo Isidoro mas ela disse que precisava do pão para os seus fregueses, fosse lá como fosse! E eu fui! Pus-me a cavalo no macho e lá fomos por esses enlameados carreiros à beira dos precipícios. Se eu estava com medo, o macho ainda mais amedrontado me parecia. O que ambos sofremos naquela manhã onde, por duas vezes, quase fomos pela ribanceira abaixo. Esta foi talvez a pior recordação da Pedra Amassada.
Mas houve uma outra. Uma noite, na tasca, estava a servir copos de três àquela saloiada toda quando, de repente, um deles me convida a ir à caça às lontras.
Eu sabia lá o que eram lontras!
Eles insistiram, que era muito divertido, que eu ia adorar as lontras, que eram lindas! E eu, sem perceber nada do que se estava a passar, lá fui, com o apoio do raio da patroa que eu detestava.
Chegados à beira do rio, bastante longe da tasca, eles deram-me um saco e disseram-me para eu ficar ali com o saco de boca aberta, que eles iam espantar as lontras lá mais acima e que depois elas vinham todas a correr para dentro do meu saco. Fiquei ali feito parvo à espera das lontras e as lontras nunca mais apareciam e os malvados dos saloios volatizaram-se e nunca mais lhes pus os olhos em cima! Quando comecei a ouvir os lobos a uivar tive tanto medo que deitei o saco fora e pus os pés a caminho em desorientada correria. Mas eu não conhecia o caminho, pois que eu nunca tinha ido até àquelas bandas do rio.
Caminhei, caminhei até que, inesperadamente, vi a luz do candeeiro a petróleo que iluminava a tasca à noite, uma espécie de grande lampião. Segui essa luz por altos e baixos, seguindo aquele clarão como se ele fosse a minha estrela Polar. Caí inúmeras vezes e chorei de medo, de raiva e desespero.
Quando cheguei à tasca puseram-se todos desalmadamente a rir às gargalhadas, especialmente a patroa e o Ratão! Furioso deito a mão à longa prateleira onde a patroa arrumava as suas muitas garrafas de bagaço e ginja e outros licores e deitei aquilo tudo abaixo. As garrafas partiram-se todas no chão de terra batida e a patroa queria obrigar-me a limpar aquele chiqueiro todo e que o meu pai teria de pagar os estragos.
Saí aos berros pela porta fora e, banhado em lágrimas, pus os pés a caminho de casa! Era noite cerrada e apenas o luar me mostrava onde pôr os pés. Isto da Pedra Amassada até Mafra!
Tinha eu então 10 anos!
Cheguei a Mafra já era madrugada!
Quando cheguei a casa, minha mãe olhou-me de uma maneira que julguei estar perante uma aparição:
Minha mãe lembrava-me a Nossa Senhora das Dores.
Não me disse uma única palavra, não me fez uma única pergunta! Pegou-me pela mão e levou-me ao Restaurante Frederico, ali mesmo no Largo, onde a Maria José trabalhava como cozinheira. Minha mãe teve uma curta conversa com ela. Depois foram ambas ao encontro da Dona Carolina, a simpática proprietária do restaurante, e as três puseram-se a falar em surdina...Nunca saberei do que elas falaram!
A Dona Carolina abre-me os braços e diz-me:
“Tu vais ficar connosco, meu querido. Não tenhas medo, vais gostar de cá estar com a gente!"
E eu fiquei!
Passou-me pela cabeça que minha mãe não queria que eu dormisse lá em casa por causa da doença do Alberto, cujo estado se tinha agravado, mas era precisamente na casa do senhor Leonardo, nos braços de minha mãe, junto do meu querido irmão Alberto que eu tanto amava, que eu mais gostaria de ter ficado!
A PEDRA AMASSADA
Pai!
Lembras-te daquele dia
Pai?
Eu brincava no teu escritório
Já a vida te fugia
A tua vida era um purgatório
Mas da tua boca nunca ouvi um ai!
Lembras-te pai?
Com o Alberto tuberculoso
Eu pequeno e frágil
Não podia ficar em casa
Porque era contagioso!
Tive de abandonar o ninho
De alfazema e rosmaninho
Onde tu eras a asa!
Deste-me a tua mão!
Na outra levavas o saco de trapos
Onde a mãe metera meus farrapos
E fomos a pé
De Mafra ao Sobral
Visitar um amigo que havia
Que eu nem sequer conhecia
E que tinha uma loja e um curral!
Caminhámos caminhámos
E num penedo nos sentámos
A descansar.
Dei-te a minha mão pai
Era tudo o que tinha para te dar!
Teus olhos evitavam os meus
E logo percebi
Que algo pairava no ar!
Eu buscava os olhos teus
Eles evitavam os meus
Pus-me então a cismar!
Caminhámos caminhámos
E à Barreiralva chegámos
Sem uma palavra trocar!
Apresentaste-me o Adelino
Que tinha um filho pequenino
Que também se chamava Rogério!
A loja dele era acimentada
Ali mesmo à beira da estrada
Não longe do cemitério!
Depois da apresentação
Veio o pior: A separação!
Te baixaste
Um beijo me deste!
Teus olhos
Continuavam a evitar os meus!
As costas me voltaste
Teu caminho retomaste
Sem me fazeres um adeus!
Nem sequer te viraste!
Deixaste a minha pequena mão
Ali, sozinha em cima do balcão
Mas sei que mais adiante pai
Tu choraste!
A noite se aproximou!
Comi com o Adelino
Dormi com o Adelino
Com o Adelino trabalhei
E se com o Adelino não chorei
Foi porque ele apenas sabia assobiar
E se ele um dia me assobiou
Foi porque não sabia quem eu era
Quem eu sou!
E a criança que nesse dia não chorou
Chora ainda o pai que não voltou
E é hoje como tu pai e avô
E acaba agora mesmo de chorar!
Rogério do Carmo
Paris, 2/2/1990 (faço hoje 55 anos)
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