mercredi 15 juillet 2009

O Aniversário


Certa inolvidável manhã, dia 2 de Outubro de 1948, a Balbina vem ao Café Estrela com uma amiga de Lisboa, a Alice Moreira, que era muito pândega. Vinham comprar uma garrafa de vinho do Porto. Aproveitei a deixa para meter conversa com elas e perguntei-lhes o que iam elas celebrar. A Alice, com o um ar muito cúmplice - certamente tinha-se apercebido dos meus anseios de adolescente em relação à sua amiga - respondeu-me que era para celebrar o aniversário da Mariazinha. Fiquei muito surpreendido e aproveitei essa ocasião excepcional para atirar à queima-roupa que também era o dia dos meus anos! A Alice convida-me imediatamente para celebrarmos os dois aniversários juntos, como ela disse:
matar dois coelhos duma só cajadada!
Combinámos. Como eu sabia que da parte tarde eu ia ao Correio fazer as minhas famigeradas compras, prometi ir lá bater à porta delas entre as três e as quatro badaladas na altaneira torre do convento.
E assim foi! Depois de ter comprado os postais e os selos, fui bater àquela porta de tom azulado que há tanto tempo exercia sobre mim místicos augúrios. Quando a Balbina veio abrir, o meu coração desatou em louca correria, como que abalroado por brusca e violenta procela! Ela convida-me a entrar, apontando-me a porta da sala onde a Alice já preparava os copos e as bebidas. Sentámo-nos os três ao pé da janela - a tal onde a Balbina se debruçava quando eu passava - e tomámos um cálice de Porto e uns aperitivos.
Conversámos, conversámos como se nos conhecêssemos os três há eternidades. A Alice pareceu-me ter-se apercebido da marosca e procurou encorajar a Balbina, como tínhamos ambos nascido na mesma data, que podíamos tornarmo-nos bons amigos. Nesse dia descobri que a Balbina se chamava Maria Silvina, que para a família era a Mariazinha e para os amigos bastava Zinha! A partir desse dia, para mim, ela passou a ser apenas a Silvina, a única mulher que eu amaria durante toda a minha inconstante existência!
Soube igualmente que ela fazia 33 anos e eu apenas 13, mas isso não tinha qualquer significado na minha empavonada cabecinha de rapazote loucamente apaixonado! Esta data nunca mais a ultrapassarei: Dois de Outubro de 1948! Quando deixar este mundo deixarei também para trás tudo o que eu possa ter tido, tudo o que eu tenha possivelmente sido, mas esta data, jamais! Ela irá comigo para onde quer que seja, quando esse dia chegar!

A Silvina tocava muito bem o piano e começou a ensinar-me a tocar. Talvez um pretexto para estarmos juntos, para enganarmos e calarmos a inconveniente má-língua da vizinhança. Depois das primeiras lições de solfejo, o meu primeiro exercício foi “Fur Alize”. Eu era um bom aluno e tentámos justificar as minhas idas a sua casa como ela sendo a minha professora de música e eu o seu inofensivo aluno.

Eu adorava ouvi-la tocar. Uma noite, estávamos a namorar à janela, fazia um frio de rachar, e ela tocou-me
“Tristesse” de Chopin...
Era uma linda noite de luar. Fazia tanto frio que ela tocava com as suas luvas de lã encarnadas calçadas. Eu, desabrigado na rua, gelava! Mas não ousei entrar para não causar mais coscuvilhices dos vizinhos. Essa foi outra noite proibida que nunca esquecerei! A vizinha do lado tampouco, pois que veio à janela gritar que a deixassem dormir!

Continuei as minhas lições de piano durante algum tempo, até que um dia o pai dela, o Capitão Balbino, deixou este mundo e ela perdeu a reforma do pai e teve de vender o seu adorado piano, questão de sobrevivência. Nesse dia foi como se ela tivesse vendido a alma ao diabo, mas todas as lágrimas que ambos juntos chorámos afogou-nos o nosso devastador pesar. Tínhamos perdido o nosso querido piano mas ficou-nos um grande amor para nos amparar e continuarmos a viver as nossas vidas o melhor possível na nossa luta diária contra o falatório que entretanto sacudiu a maledicência de toda a gente por toda a parte!

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