jeudi 30 juillet 2009

O Grande Milagre
















Décadas e décadas depois deste inesquecível encontro com o Roque, que nada mais me deixou que saudades sem fim, frustrado por não ter ao menos uma foto dele, deitei mãos a uma folha de papel e um lápis e decidi, de memória, fazer o seu retrato.

Não sei se fui eu se foi Deus que fez esse retrato, mas a verdade era que, por milagre, o Roque estava ali na minha frente!

Era a cara a chapadinha desse ingrato que me deitou fora como se eu fosse lixo!

Agora quando olho e toco esse retrato, como lamento que Deus não o tenha feito com os seus olhos postos em mim...

Tantas perguntas que gostaria de lhe fazer, tantas respostas ainda por serem dadas...

Nem mesmo uma rosa...

A única coisa que o Roque me deixou


A TAL
BELA SEARA LOIRA
A ONDULAR AO VENTO...

O Casino















Esses quantos meses, todas as noites eu ia pé ante pé para o nosso quarto para não acordar a senhora. O problema era que aquilo eram todas as noites grandes jogatanas e quando era o Roque que ganhava, a casa vinha abaixo com os seus ruidosos orgasmos!

Esse quarto, essa alcova, esse Casino, onde podíamos ter tido jogado e ganho o nosso futuro, uma vida toda inteira a perdermos e a ganharmos sempre juntos, acabou em bancarrota!

A roleta parou, os taipais desceram, os "croupiers" foram de férias!

Não me perguntem pelo Roque! Nunca mais soube nada dele!

Depois dessas tantas noites de delírio, de todas as noites pormos em jogo os nossos corpos sobre o pano verde, um dia ele atira os dados fora!

Uma manhã apareceu inesperadamente no Estrela a despedir-se de mim, que tinha acabado o seu serviço militar, que regressava, não sei se a Coimbra se a Aveiro. Achei isso muito estranho pois que todos os outros cadetes só partiriam dentro de algumas semanas.

Prometeu escrever-me mas todas as suas cartas nunca me chegaram às mãos!

Nem sequer um convite para ir passar uns dias com ele em Aveiro ou Coimbra, ou o raio que o parta!

A única coisa que me ficou dele e dessas inesquecíveis noites de amor foram estas recordações que ainda hoje me percorrem o corpo todo, e uma foto que ele me fez com a sua Kodak, quando me apanhou um dia no Estrela a fazer festinhas ao gato do Baptista.

Nesse dia quando ele tão carinhosamente me disse que eu tinha uma cabeleira tão bela como uma loira seara a ondular ao vento...

O ninho, a alcova do amor














Dois dias depois ele vem tomar uma cerveja por volta da meia-noite, horas a que fechávamos o Café Estrela. O Carretas sobe um pouco mais cedo do que eu e quando fechei o Café.
Roque segreda-me:
-Anda ver o nosso quarto, a nossa alcova!
Fiquei surpreendido e radiante! Assim já não tinha que me levantar todos dias às cinco da manhã!

Ele dá-me a mão para me mostrar o caminho para o nosso ninho de amor. O problema era que esse ninho de amor era mesmo em casa duma vizinha e amiga da minha mãe! Para compor a situação disse a essa senhora que nós iríamos frequentemente jogar às cartas, talvez até altas horas da noite, se isso a não incomodava? Ela disse que não, que o seu quarto dava para as traseiras.
- Estejam à vontade!
Problemático ou não, mesmo assim preveni o Carretas que durante algum tempo não iria dormir no nosso quarto lá no segundo andar, que ia dormir em casa dos meus pais para fazer companhia à minha mãe.

O Jardim da Parada


Na manhã seguinte, contrariamente ao que tinha prometido, às cinco da manhã, o Belo Adormecido foi acordado com mais um leve beijo de seda. Mas como ele nessa manhã tinha de estar no quartel às seis horas já nem fomos ao Miradouro. A coisa foi feita a meio caminho:
O Jardim da Parada!
Depois da sessão sugeri que podíamos fazer isso de vez em quando, mas não todas as manhãs!
Ficou então combinado que esperaríamos até ao fim do mês.
O pior ou o melhor era que já só faltavam dois dias para o fim desse malvado mês. Durante dois dias não pus os olhos em cima do Roque.
Penso que muito ocupado com a mudança.

O Jardim do Cerco


Dias mais tarde ele continuava impaciente de me ter nos seus braços. Sugeri que podíamos dar um salto ao Jardim do Cerco, ao Piquenique, para um beijo e uma pequena felação. Para isso não era preciso a mota! Disse ao Carretas que ia com aquele cadete mostrar onde eram os Correio e demos um rápido salto ao Jardim do Cerco.
O Piquenique estava ali à nossa espera mas, logo a seguir começam outros casais à procura de abrigo.
Metemo-nos pela mata dentro e trocámos uns beijos quentes e profundos, mas tanto eu como ele precisávamos de ir muito mais longe. Limitámo-nos a umas rápidas masturbações e voltámos para o Estrela de cabeça baixa.
Ele queria um quarto!
Um quarto onde pudesse estar comigo a sós, a partilhar completamente a nossa nudez!
Voltámos várias vezes ao Miradouro para o pôr do sol, mas sempre outros casais muito românticos a beijarem-se na boca. E o quarto só estaria livre no fim do mês.

Quartos - Alugam-se!


Levo-o ao nosso segundo andar para lhe mostrar o meu quarto. Ele comentou o facto de se poder abrir a porta da escada cá em baixo bastando puxar um cordelinho, e a mesma coisa lá no segundo andar para entrar em casa. Que isso já se não fazia em Coimbra, nem tampouco em Aveiro.
Mostrei-lhe o quarto e imediatamente ele fechou a porta e atirou-se para cima da minha cama. Lembrei-lhe que estava ali mesmo do outro lado do porta a Beatriz, a criada da Dona Alice, e que ela estaria certamente à escuta.
Aí ele pergunta-me onde se poderia alugar um quarto numa casa particular, como tantos outros cadetes o tinham feito. Para termos um quarto só para nós.
A ideia agradou-me plenamente e sugeri que ele fosse ali à Papelaria do Gato, onde as donas de casa costumavam afixar anúncios de quartos para alugar.
Ele lá se dirigiu à Papelaria Gato e eu voltei às minhas actividades profissionais.
Horas depois ele regressa ao Estrela, muito excitado, que tinha encontrado um quarto, mas só estaria livre no fim do mês.
Tomou mais uma cerveja e segreda-me ao ouvido:
- “Quero foder”!
De um certo modo, vindo daquela linda boca, daquele cadete tão distinto, isso feriu um tanto a minha sensibilidade mas, por outro lado, excitou-me tremendamente!
Se ele queria, eu também!
Mas pelos vistos tínhamos que esperar até ao fim do mês!

Poentes


Uma tarde proponho-lhe irmos ver o pôr do sol no Miradouro do Matadouro.
Ele concordou e lá fomos por volta das cinco e meia da tarde para presenciar esse magnífico espectáculo.
O Carretas também esteve de acordo de tomar sozinho o Estrela em cima das costas.
Penso que ele se apercebeu do que se estava a passar e consentiu com um sorriso muito cúmplice.
Fomos até ao Miradouro, mas nesse entardecer ele estava cheio de gente que também lhes apeteceu ir ver o pôr do sol. Assim, em vez de vermos o pôr do sol ficámos a ver navios.

O regresso

De regresso a casa, em cima da mota, agarrado a ele para não cair, tive vontade de lhe pedir de parar algures para tudo de novo recomeçar. Roque não parava de comentar essa tarde maravilhosa passada na Praia do Norte. Ainda me perguntou mais algumas vezes se eu tinha gostado. Eu, directo como sempre fui, respondi-lhe que tinha gostado de tudo o que se tinha passado nessa tarde, mas sobretudo dos momentos que tinha vivido dentro do seu corpo. A sua resposta foi:

- No problem!

Aproveitei para lhe dizer que nessa tarde ambos tínhamos perdido uma “certa” virgindade. Ele a virgindade das traseiras, eu a virgindade da fachada.

Ele jurou-me que quanto a ele tinha sido a primeira experiência como passivo, mas que não acreditava que tivesse sido a minha primeira experiência como activo, que tinha mostrado já grande perícia!

A Dupla Inauguração


Voltámos a sentar-nos sobre a grande toalha em alvoroço e ficámos a contemplar aquelas altas vagas e sua magistral rebentação contra os rochedos.
Acedemos um cigarro e ali ficámos a olhar um para o outro, extasiados. Ele olha-me sempre com aquele ar interrogativo e novamente me pergunta se eu tinha gostado. Claro que tinha gostado. Estava pronto para outra grande cavalgada!
Ele novamente se repete: Gostaste?
Olhei-o fixamente e garanti-lhe que a sodomia era qualquer coisa de muito natural, que todos deviam experimentar!
Intrigado ele olha-me e diz-me que nunca tinha tentado tal afronta à virilidade.
Respondi-lhe que quem não obedece a esses caprichos da Natureza, nunca saberá o que perdeu!
Repentinamente soergue-se, finca-se num cotovelo, olha-me provocadoramente, e confessa-me que gostaria de provar. Provar a si próprio e a mim que o que eu acabava de dizer era um facto irrefutável. Agarra no tubo de Vaselina, põe um pouco sobre os seus dedos, e espalha-o entre as suas nádegas. Deita-se sobre o ventre e ordena:

- Amor com amor se paga! Monta-me e prova-me que o que disseste é realmente verdade. Se é tão bom como afirmas, não quero morrer estúpido. Anda! Fode-me!

Fiquei entre a espada e a parede. Há muito que andava a querer descobrir se ser activo era tão bom como ser passivo mas, desde aquele falhanço com a Balbina, tinha-me ficado uma espécie de falta de confiança em mim próprio.
Depois de algumas excitações e súplicas do Roque, trepei para cima daquele magnífico corpo ali à minha disposição e, mal o meu sexo roçou a sua macia pele ainda molhada, o meu repentinamente destemido pénis grita-me:
- Coragem! Vamos a isso! Experimenta!
Arrojei e, a medo, apontei o meu pénis ao seu fremente ânus e, num rasgo, penetrei-o duma só assentada! Dum só golpe trespassei aquele intestino apanhado de surpresa.
Roque deu um grito, não sei se de dor se de prazer. Eu, sem saber ainda que estranha força se apoderara de mim, repeti aqueles movimentos sincopados que tinha aprendido com tantos outros mas nunca utilizado.
Sentir-me dentro do Roque, no calor húmido do seu interior, foi a mais sensacional descoberta de todas as minhas descobertas! Senti-me talvez ainda mais orgulhoso de mim do que Vasco da Gama quando descobriu o caminho marítimo para Índia!
Mas aquele gozo foi tão intenso que rapidamente caiu o pano.
Fiquei deitado em cima do Roque até à minha última gota daquela estreia monumental. Eu parecia não mais querer sair dele.
Nesse curto espaço de tempo eu tomei uma decisão que me acompanharia toda a minha juventude, aparte algumas excepções:
Eu era o macho! EA partir desse momento eu seria sempre o macho!
Nesse momento descobri que eu ara activo, não passivo! E assim sempre o seria no futuro!

Após alguns momentos de absoluto silêncio, Roque novamente me pergunta:

- Gostaste?

A minha resposta foi:

- Agora é a minha vez de te perguntar a ti!
Gostaste?

Ele respira muito fundo e atira:

- Se gostei? Fabuloso! Que bom sentir um intruso dentro de mim usurpando a minha tão preciosa virilidade!

NADAR E AMAR


Roque soergue-se e corre até ao mar para umas braçadas. Eu fiquei mais uns minutos sobre a toalha a digerir aquela forte sensação de ter sido possuído por essa Natureza que nos manipula para atingir os seus fins: a procriração! Mas neste caso, entre dois machos, apenas aquele extraordinário gozo dum orgasmo que nos arranca a esta terra para nos levar aos píncaros desse violento prazer que nos escraviza.

Roque continuava a vogar sobre as ondas do mar e eu resolvi levantar-me e ir juntar-me a ele naquela bacanal de vagas agrestes e ruidosas. Não ousei ir tão longe como ele e foi ele que veio até mim, flutuando à minha beira, e com um sorriso triunfal, novamente me pergunta:
Gostaste?
Depois saímos do mar. Roque completamente descontraído e eu sempre a olhar à minha volta para ver se não havia algum intruso a espreitar-nos.

A Praia do Norte



Fui deitar-me em cima da toalha e cobri o meu sexo com uma ponta da dita, para ficar mais composto. O sol queimava e fechei os olhos para os proteger. Depois, sem mesmo dar por isso, adormeci como um bebe depois da mama.
Tal Belo Adormecido, fui despertado por um doce e macio beijo daqueles bonitos, róseos, e quentes lábios do Roque. Surpreendido, voltei-me a pudicamente esconder a minha embaraçosa erecção. Roque galga em cima de mim. Sinto aquele belo corpo todo molhado em cima do meu, afogueado pelo sol. Seu sexo em fogo procura abrir caminho dentro de mim mas, devido às suas dimensões e pelo facto de estar molhado, mostrou-se ser árdua tarefa. Roque espreguiça-se até ao seu saco e a sua mão sai dele armada com um tubo qualquer, não fazia a menor ideia de que se tratava o seu conteúdo. Ele abre-o e espreme um pouco duma pasta branca translúcida que aplica no seu sexo. Ele aponta-o entre as minhas nádegas e brutalmente me penetra. Dei um gemido mas ele continuou a invadir-me o corpo. Enquanto ele copulava, olhei para o tubo e vi que era uma mistela que também a minha mãe tinha no seu pequeno armário de medicamentos. Tinha o mesmo nome: Vaselina! Foi outra grande descoberta para mim nesse dia!
Roque dá uma última e mais violenta estocada e, logo a seguir, aquele urro que me era tão grato aos meus ouvidos. Aquele súbito salto até não sei a que desconhecido Planeta! Roque queda-se uns momentos sobre mim mordendo-me sensualmente a orelha esquerda e a emitir incompreensíveis sons vindos das suas entranhas. Depois, docemente, desceu de cima de mim, deita-se a meu lado e pergunta-me indiscretamente se eu tinha gostado. Claro que tinha gostado. Era algo de que gostava desde pequenino, mas agora muito mais intensamente.

A Ericeira


Ainda era cedo para voltarmos para Mafra. Sugeri que podíamos dar um salto à Ericeira para lhe mostrar o mar. Ele delirou com a ideia e lá fomos novamente na sua mota por aí fora. Parámos em frente da Casa das Cavacas e entrámos para tomar um café. Perguntou-se ao senhor João se podíamos deixara mota ali encostada e o senhor João disse que não era problema! O Roque saca do minúsculo porta-bagagens da sua mota um pequeno saco de praia que pôs à tiracolo.

Assim, a pé, lá lhe fui mostrar a Ericeira. Depois do Jogo da Bola e todas aquelas ruas estreitinhas muito do estilo que os árabes nos deixaram, aqueles pequenos “kasbahs”, fomos até à Praia do Norte. Ao descermos aquela ladeira Roque parou fascinado para ver o mar. Descemos até à praia e o Roque abre o seu saco e desdobra uma toalha muito garrida que abre cuidadosamente sobre a doirada areia. Inteiramente à vontade, sem sequer olhar em derredor para ver se havia alguém a passar ou à cata de eróticas visões, lentamente se despe, pondo a nu o seu belo corpo. A sua pele era branca como o cetim dos vestidos de noiva. O que me surpreendeu, pois que a minha pele era mate e eu andava sempre a correr para a Ericeira para me bronzear. Quando ele tirou as cuecas e aquelas brancas nádegas generosamente me encheram os olhos insaciáveis de novas descobertas, aquele refego coberto de alourada fina penugem, puseram-me o corpo todo de pé! Quando se voltou para mim, puxando o seu sexo para que ele pendesse mais pesadamente, pergunta-me por que é que que eu também não me despia. Respondi-lhe que eu não usava cuecas nem tinha fato de banho. Ele, enfiando seu, diz-me que isso não era problema, que me pusesse todo nu, que não havia ninguém nas redondezas. Não me fiz rogar. Despi-me completamente. Ele ao ver-me todo nu, muito bronzeado, já com uma razoável erecção, exclama:

- Seu desenvergonhado! Já de pau feito?

Embaraçado, corri para o mar para esconder e refrescar os meus ímpetos. Ele seguiu-me e brincámos nas ondas como dois putos. Ou, melhor ainda, como duas putas! Ele procurava tactear o meu sexo e eu o dele. As nossas bocas procuraram-se e devoraram-se. Eu olhava à volta para ter a certeza que ninguém nos topava. Na verdade não havia viva alma. Roque tirou as suas cuecas e enfiou-as na cabeça. Isso misturou as nossas francas gargalhadas. Ele começou a nadar para o largo pedindo-me que o seguisse, mas como eu nadava como um prego, disse-lhe que se divertisse, que eu esperaria por ele em cima da sua toalha.

O Sobreiro











No Sobreiro ele ficou encantado com os trabalhos do Franco e lamentou-se não ter com ele a sua Kodak para tirar umas fotografias. Depois fui mostrar-lhe a casa da Brasileira, a casa onde eu tinha nascido, e ele ficou encantado. Depois fomos ao largo da igreja ver a capela e a casa do Cartaxo, a casa onde eu tinha começado a arquivar as minhas memórias.

A caminho do Sobreiro


Depois do almoço preparei-me para a chegada do Roque. Foi por volta das duas da tarde que ele chegou a cavalo na sua mota. Era a primeira vez que eu via essa já quase famosa mota. Ele encostou a mota à parede do Café e entrou para tomar a sua habitual cerveja. Ele parecia quase tão excitado como eu. Depois de pagar pergunta-me se eu estava pronto para a nossa primeira viagem. Disse que sim e fiz sinal ao Carretas que eu voltaria por volta das seis da tarde, como era costume, dia sim, dia não.

O Roque monta a sua mota e diz-me para eu me escarranchar atrás dele, me agarrar a ele e, sobretudo, nas curvas, ter o cuidado de me inclinar para o mesmo lado que ele. Que eu me agarrasse muito a ele e seguisse o curso do seu torso, senão era queda garantida. Fiquei um tanto acagaçado com esses perigos, mas o desejo de me agarrar ao Roque foi superior aos meus medos. O meu único medo era que o Roque não fosse quem eu idealizava, e que tudo acabasse numa grande desilusão.

Escarranchei-me atrás do Roque, como requerido, e pus os meus braços à volta do seu torço com muita gana e preparei-me par o dia mais feliz ou infeliz da minha vida. Estranhamente, medo dum acidente mortal nunca me ocorreu. A única coisa que me ocorreu foi que naquela tarde eu ia tirar a prova dos nove às nossas relações e à minha sexualidade. Eu tinha planos muito decisivos de descobrir outras maneiras de estar com outro homem. Muito agarrado a ele, cumpri as ordens de me inclinar ao mesmo tempo que ele, na mesma direcção, nas curvas, para evitar o desequilíbrio e a queda fatal. Assim, a frouxa velocidade, lá avançámos na estrada a caminho do Sobreiro. Cada vez me colava mais às costas do Roque para evitar desastres, mas o desastre foi que, ao contacto com o seu corpo, sentindo o seu calor contra o meu peito, as minhas coxas escancaradas a apertarem as grossas coxas do Roque, o meu sexo fez erupção e quase furavam as firmes nádegas do meu tão desejado motorista. Roque sentiu essa pressão, virou a cabeça ligeiramente para trás com um sorriso muito cúmplice e, ao passarmos a Paz, pergunta-me onde podíamos parar. Um sítio discreto onde ele pudesse aliviar a bexiga. Sugeri que ele entrasse ali nos Salgados, virasse à esquerda, que depois eu lhe mostraria o caminho. Lá chegados, peço-lhe que guie até aos campos por detrás da casa onde eu tinha morado. Lá chegados, o Roque pára o motor e encosta a mota a um pinheiro. Olhou à volta e, à nossa volta, só searas de trigo e papoilas. Descemos ambos e dirigimo-nos até um pequeno barranco bastante recolhido. Não havia ninguém à volta, apenas as nuvens nos poderiam presenciar. O Roque vira-me as costas, desabotoa a braguilha e saca daquilo que eu tanto queria vislumbrar. Avancei dois passos e repeti esse mesmo ritual. Eu focava onstensivamente o seu sexo e ele o meu. Por fim ele diz:

- Arre gaita! Tás bem fornecido para a tua idade! Quantos anos tens?

Respondi-lhe que tinha quase dezassete anos. Ele pergunta-me se eu ainda era virgem. Disse que não,que tinha perdido a minha virgindade quando tinha cinco anos! Ele ficou espantado com as minhas incestuosas histórias. Sorri-me e, depois de ter sacudido o seu pénis, pergunta-me:

- Posso brincar um bocadinho com a tua bela dose?

A minha resposta foi eu começar também a brincar com a também bela dose dele. Coisa essa que rapidamente começou a engordar e a bater com a cabeça no seu ventre. Se eu era bem constituído para a minha idade, ele, para a sua, tinha sido bafejado por todos os Deuses do Olimpo! Fiquei deslumbrado com aquela bela demonstração de virilidade!

O Roque agacha-se na minha frente, abocanhou o meu pénis já bem hasteado e faz-me talvez a mais bela felação de toda a minha vida! Ao sentir que eu ia ejacular recuei um pouco, mas ele reteve-me as ancas e não me deixou fugir à sua gulosa boca. Ao ejacular tive um embaraçoso gemido e jorrei na sua cavidade bocal. Ele tragou o meu esperma com uma evidente gula. Depois, lambendo os beiços, olhando-me fixamente nos olhos, afirma:

- Afinal tu, seu malandreco, já “fias”, han? E bem!

Foi nesse momento que eu finalmente compreendi o segundo sentido da palavra “fiar”! E adorei ter sido tratado por tu pela primeira vez, o que normalmente acontece quando duas pessoas, por fim, perdem as inibições e entram em promiscuas intimidades.

A nossa aventura ficou por aqui. Compomo-nos, montámos de novo a mota e lá seguimos de volta à estrada para chegarmos ao Sobreiro.

O Despertar
















O tão desejado dia alvoreceu. Quando a luz nos entrou pela janela, tanto eu como o Carretas acordámos e vestimo-nos a correr para irmos abrir o Café.
Lá chegados, entrámos nos habituais preparativos para abrir: tirar as cadeiras de cima das mesas, limpar as retretes, e escovar o bilhar.
Entretanto a tia Laura também desceu e, agarrada ao seu xaile castanho, foi para os seus domínios: a cozinha. Preparou-nos o pequeno almoço e, como quase sempre, gritou:

- Ò rapazinho! Anda p’rá mesa! O pequeno almoço tá pronto!

Depois do pequeno almoço começou a chegar a clientela que, como quase sempre, vinham de manhã tomar o pequeno almoço deles. Como o Beatriz e tantos outros, e à hora do almoço para a Biquinha de sempre. Depois as tardes eram calmas, apenas algum turista de passagem por Mafra que vinha matar a sede ou a fome ao Estrela, a interromperem os meus desenhos, escritas, ou leituras

Nessa manhã a tia Laura fez os seus queques e eu dei-lhe uma ajudazinha.

Singularmente, as horas pareciam passar bastante depressa. Eu tinha que estar pronto para quando o Roque me viesse buscar para a nossa curta viagem até ao Sobreiro. Aproveitei para rapar os pelos da cara e lavar os dentes e, depois, na dependência onde se faziam os bolos, no quarto ao fundo, havia uma tina que enchiamos com água quente tirada do fogão a lenha onde a tia Laura fizera os seus queques, no qual havia um depósito de água aquecida pelo fogão. Depois desse pseudo-banho, subi ao meu quarto e vesti-me de lavado, penteei cuidadosamente os meus belos cabelos loiros muito ondulados, pus um pouco de lápis nas sobrancelhas, fiz-me o mais bonito possível para essa minha primeira prometedora viagem, esmagando o meu sexo contra as certamente muito belas nádegas do Roque.

O meu jeito para o desenho
















No outro dia de manhã, como habitualmente, levantei-me às seis e meia da manhã para descer e abrir o Café. Nessa mesma tarde o Carretas tinha a sua tarde livre e eu nem sabia como é que eu ia viver ainda tantas horas antes de me pôr na mota, atrás do Roque, agarrando-me a ele para não caír. Era a primeira vez que eu ia andar de mota. Era a primeira vez que eu ia sentir o corpo do Roque junto ao meu, sentir os seus odores... O tempo parecia rastejar e eu queria que o tempo voasse!

Nessa mesma tarde, depois do Carretas ter desarvorado, estava eu a fazer o retrato da Greer Garson para matar o tempo, sem me aperceber ainda que era o tempo que já começava a matar-me a mim, quando o Roque veio por detrás, plantou a sua mão sobre as minhas reclinadas costas e clamou:

- Caramba! Que surpresa! Você tem realmente muito geito para o desenho! Espero que também tenha assim tanto geito para algumas outras coisas...

Depois dirigiu-se ao balcão e pediu outra cerveja. A cerveja parecia-me ser a sua bebida preferida. Acorri a satisfazer o seu pedido. Uma vez mais ele olhou para o cartaz na parede, ao pé da telefonia, e pergunta cinicamente:

- Então você ainda não fia? Ou já fia?...

Nesse momento não percebi lá muito bem o que ele tentava insinuar com esta história do “fiar”, mas viria a sabê-lo eventualmente.

Depois falámos do nosso projecto de visitar o Sobreiro no dia seguinte e ele pergunta-me onde havia uma garagem para verificar os pneus da sua mota. Indiquei-lhe onde era a única garagem em Mafra nessa altura, no Canal. Ele diz-me “até amanhã, se você quiser” e sai para tratar de ir buscar a sua mota que guardava algures no quartel, para tratar do assunto dos pneus. Eu continuei o meu desenho até que outros clientes começaram a chegar, a precisarem dos meus serviços. Nessa tarde não fui ao correio nem arredei pé do Café até à meia-noite, quando eu e o Carretas subimos para irmos para a cama descançar de mais um dia.

Na cama, uma vez mais, não conseguia conciliar o sono! Eu não conseguia dormir e o Carretas tampouco! Ouvia-o engulir em seco. Era evidente que ele estava a masturbar-se. Aproveitei para fazer o mesmo e procurei controlar o meu orgasmo para ter o prazer de ejacular ao mesmo tempo que ele. Era apenas uma astúcia para que esse extraordinário prazer dum orgasmo não fosse, de um certo modo, um gozo solitário! Depois adormeci como um anjo e até sonhei com o Roque, a cavalo na sua mota, e eu muito agarrado a ele com medo de tombar...

A Insónia


Nessa noite, depois de termos fechado o Café e subido ao segundo andar para uma noite de descanso, mal consegui adormecer achando esses dois dias demasiado longos para a minha pressa de me sentar por detrás dele na sua mota e pôr os meus braço em torno do seu corpo, sentir o seu calor, senti-lo prisioneiro dos meus braços. O Carretas, na cama ao lado, já ressonava, e o meu corpo exigia um solitário orgasmo para conseguir conciliar o sono. O que aconteceu, como se essa tivesse sido a primeira vez que eu e o Roque tivéssemos tido o nosso primeiro contacto corporal. Nossos corpos um sobre o outro, em loucas cavalgadas!

mercredi 29 juillet 2009

A mota do Roque

Roque começou então a ser um dos meus mais assíduos clientes. Fazia sempre questão de tomar as suas bebidas ao balcão, talvez, quem sabe, para estar mais perto de mim. Essa sua decisão de tomar as suas bebidas ao balcão, ali mesmo à mercê dos meus olhos ávidos dos seus, vinha mesmo ao encontro dos meus mais íntimos desejos de o ter perto, de sentir o seu bafo saindo suavemente daquela rubra boca, jazigo de escaldantes beijos ansiosos de ressuscitarem na minha boca já tão sedenta da sua.

Umas vezes essa boca não soltava uma palavra, outras vezes pedia-me informações sobre o que se fazia em Mafra, qual o dia a dia dos locais. Onde se podia ir, que fazer como escapadas à rotina do quartel e do Café Estrela. Falei-lhe dos passeios ao Jardim do Cerco; das grandes passeatas pela Tapada, ver os cavalos; ir ao cinema duas vezes por semana; ir até à Ericeira tomar um banho de mar. O banho de mar imediatamente incendiou o seu olhar. A Ericeira sim! Ele adorava o mar! Como lhe tinha dito que eu tinha quatro horas de folga da parte da tarde dia sim dia não, ele propôs-me partilhar comigo essas quatro horas. Concordei! Imediatamente ele me assegura que ele também tinha quase todas as tardes livres. Que tinha uma mota, que podíamos dar umas voltas pelos arredores. Que havia mais de singular a ser visitado nas redondezas? Falei-lhe do Sobreiro e das loiças do Franco, de Torres Vedras. Ele optou pelo Sobreiro como primeira fuga, pois que já tinha ouvido falar da olaria do Franco e das suas obras de arte na cerâmica. Quando lhe disse que eu tinha nascido no Sobreiro um largo sorriso lhe rasgou a cara toda. Ficou decidido que, depois de amanhã, iríamos ao Sobreiro!



O Miradouro


Há em Mafra, junto ao Matadouro Municipal, um bonito Miradouro, ali mesmo à beira da estrada que vai para Lisboa, do qual se desfruta uma imensa vista sobre o vale. Seria nesse Miradouro que eu viria a descobrir os afagos do Rei Sol Matinal. Era aí que eu iria receber os primeiros augúrios dum grande amor nas inolvidáveis carícias dessas neblinas de muitos alvoreceres...

Tudo começou uma vez mais com outro novo cadete que ao entrar pela primeira vez no Café Estrela se chegaria ao balcão e muito sorrateiro me perguntaria se eu era o Rogério... Claro que eu era o Rogério do qual ele tanto tinha ouvido falar! Ele, tomando-me de assalto, apresentou-se como sendo de Aveiro e que andava a cursar advocacia na Universidade de Coimbra, que se chamava Roque, e que não tinha tempo a perder.

Ele era, como quase todos os cadetes! Belo, alto, insinuante, duma elegância requintada, mas também portador dum estranho augúrio do despertar da minha masculinidade!
Uma vez mais, outro cadete cujo uniforme lhe assentava como uma luva, empoleirado em cima daquelas botas até a joelho, muito pretas e lustrosas, que imediatamente acordaram em mim novos inquietantes fantasmas. O bivaque posto sobre a sua loira cabeleira, inclinado para o lado esquerdo, até à orelha, punha em destaque os seus belos olhos azuis e pestanudos que devassavam tudo e todos ao seu alcance. Seus olhos pareciam querer radiografar-me dos pés à cabeça e perscrutavam-me, qual Mata Hari em busca de inacessíveis segredos de Estado .
A primeira vez que o vi, nessa fresca manhã das muito gélidas manhãs de Mafra, ele encostou-se ao balcão e pediu uma cerveja. Seus olhos inquisidores vasculhavam tudo à sua volta. Repentinamente estacaram sobre um pequeno cartaz ali pregado na parede, junto à telefonia, onde se lia:

“Aqui não se fia!”

Imediatamente ele começou a divagar sobre o verbo “fiar”...
Se isso queria dizer que se tinha de pagar a pronto?

- Se é o caso, qual “a melhor maneira” de lhe pagar?

Ele pôs sobre o balcão a soma requerida, enquanto que os seus olhos me enviavam insidiosas mensagens duma astuta sofreguidão de tudo saber a meu respeito sem ousar fazer qualquer esforço oral. Eu adivinhava nos seus olhos astúcias de audaciosas conquistas. Com um sinuoso sorriso, enviou-me um imperceptível beijo de despedida, dizendo até qualquer dia “se você quiser”, virando-me as costas e pondo os pés a caminho do Quartel. Vi-o afastar-se até à porta e os meus olhos embebedaram-se com a graça daquela imponente silhueta afastando-se de mim... nesse mesmo momento fiz-me uma promessa:

“Roque, um dia ter-te-ei nos meus braços, invadir-te-ei esse teu magnífico corpo, e compartilharemos recíprocos e diabólicos orgasmos!” Um dia serás meu!

lundi 20 juillet 2009

A mesa desolada


Nunca mais ouvi falar do Mariano, nem do Jorge nem da Encarnação.
O Jojo, muitas décadas mais tarde, encontrei-o por acaso em França, em Boulogne-Billancourt, onde eu então vivia. Ele dá-me a sua morada ali em Chaville, a dois passos, que viesse um dia tomar um copo “chez-lui”. O que aconteceu dias mais tarde.

Ele habitava com a mulher, numa pequena casa de campo, perdida na Floresta de Meudon. Tinha um filho adulto que nunca cheguei a conhecer.
Nessa tarde falámos de mil e uma coisas. Do que ambos tínhamos feito esses anos todos que nunca mais nos vimos.
Quando os assuntos se egotaram, acabámos de regresso a Leiria, nesses tempos quando ambos éramos jovens e tínhamos um futuro que nos acenava. Claro que o Mariano veio à baila.
Jojo, sempre pensára que eu tinha tido uma paixoneta por ele e não aquela paixão suicidária pelo Mariano
.
E nisso pairava um certo desapontamento.
Relembrou aquele dia em que eu me aprontava a saltar da sua janela abaixo, que se o tivese feito lhe teria causado uma carga de trabalhos. Que, afinal, viver valeria sempre a pena!
Para isso bastava acreditarmos em Deus e pôrmo-nos inteiramente nas suas mãos.
***

Alguns anos mais tarde, mudei-me para Meudon, ali muito perto da casa onde vivia o Jojo com a sua esposa. Um dia resolvo telefonar-lhe para sugerir-lhe de passarmos uns momentos juntos, mas quem respondeu à chamada foi a sua viuva!

João Paulo já tinha sido enterrado há tempos no cemitério de Chaville, víctima de um cancro.

Dele não me ficou nada, nem mesmo uma fotografia como recordação!
Apenas esta frustração imensa de nunca ter tido o Mariano nos meus braços, dentro de mim, nem que fosse apenas uma vez, um fragmento de dois instantes, uma só vez que talvez, a ambos, tivesse chegado? Que tudo teria sido esquecido em algumas horas, dias, anos?
Nunca o saberei, pois que ainda hoje penso nele e nos momentos de paixão que poderíamos ter vivido juntos se a Sociedade não fosse tão negativamente controladora dos destinos dos outros!
***

Que resta hoje de toda esta história?
Apenas uma mesa dessa Esplanada já sem mim, sem o Jojo, sem o Jorge, sem a Encarnação, sem o meu tão desejado Mariano que passou na minha vida como um rápido relâmpago numa inesquecível noite de Verão!

Agora, quem sabe? Quem estará neste momento à volta dessa mesa dessa esplanada da Praça Rodrigues Lobo, em Leiria? Talvez apenas alguns pombos famintos pousados sobre essa mesa desolada, essa mesa talvez agora com sauddades de mim, do Jojo, do Jorge, do Mariano?
Que será feito desse meu Deus do Olimpo que um dia quase me levou até quase ao Paraíso das Almas Penadas, para além do Arco Iris?

As margens do Lis



Depois dessa noite o nosso dia-a-dia continuou como se nada se tivesse passado. Continuámos a ir passar as tardes na esplanada do Parque e a dar as nossas voltas e a fazer planos de futuro.
Na Esplanada, tínhamos sempre a companhia do Jorge e da Encarnação, mas o Mariano nunca mais fez nenhuma aparição. Eu tinha tomado a decisão de apagá-lo da minha memória, mas ela retinha-o com a força das amarras! Meus olhos procuravam-no constantemente em derredor para ver se ele inesperadamente reaparecia. Por muito longe que o sentisse, eu precisava dele ali, imediatamente a meu lado, comendo-me gulosamente com aqueles seus olhos de predador.

Certa manhã, depois de ter tomado o pequeno almoço com o Jojo, ele resolveu ficar em casa para tratar de não sei que matérias urgentes, e eu fui dar uma volta para espraiar o espírito.
Fui sentar-me na esplanada, sozinho a uma mesa. A praga do Mariano voltou à carga. Era já uma obsessão! Eu queria-o nos meus braços, na minha cama, na minha vida, dentro de mim, mas também queria fundar uma família, viver uma vida aceite pela Sociedade, mas no fundo eu sabia-me condenado a viver o meu triste fado, e não aquele que eu gostaria de cantar aos quatro ventos! Mas o meu fado era unicamente uma desgarrada sem qualquer concerto!

Atormentado, sozinho naquela cadeira, querendo libertar-me da minha má sina, decidi por um ponto final no meu desamparo. Levanto-me, atravesso a rua e entro numa papelaria onde costumava comprar postais ilustrados para enviar aos amigos distantes, e compro uma lâmina Nacet. Meto-a no bolso e encaminho-me vagarosamente para as margens do Lis.

Aí chegado, sento-me na relva, escuto indiferente o chilrear da passarada, mergulho os olhos nas águas turvas e tumultuosas, e ataco ao que tinha ali vindo consumar. Tiro a lâmina do bolso e preparo-me para, num gesto decisivo e resoluto, cortar os pulsos e deixar o meu sangue misturar-se com águas trepidantes, e ir em busca do distante mar. Libertar-me definitivamente do meu irresolúvel dilema.

De repente oiço uma voz. Era a voz do Jorge, que me tinha visto entrar nessa papelaria. Ele tinha entrado e perguntado o que tinha eu ido lá comprar, e seguiu-me até ao Lis.
Ele não disse nada. Tirou-me a lâmina da mão, lançou-a às águas, agarrou-me pelos sovacos, soergueu-me e, brutalmente, disse-me que eu tivesse juizo e não fizesse asneiras.
Que eu tinha a vida toda à minha frente! O mundo inteiro à minha espera!

Depois caminhámos em silêncio, olhos postos nos calhaus do caminho. Nossos pés que caminhavam lado a lado, sem saberem exactamente onde iriam ter, que destino nos aguardava.
Ao passarmos pela Esplanada, ele quase ordena:

- Anda daí! Vamos tomar uma bica e um bagaço, e deixar que todos as nossas desditas subam por esses ares fora, envolvidas no fumo dos nossos cigarros. Chupemos as nossas beatas até que elas nos queimem os beiços!

O salto


Nessa noite, face à minha recusa de ser aquilo que os outros me acusavam de ser, resolvido a não viver uma vida que me tinha sido imposta pela traiçoeira Natureza, decidi dar volta ao meu destino, de ser eu a decidir, ser eu a fazer de mim o que eu achava mais justo, visto que, cativo da minha sexualidade, nunca poderia fundar uma família, ter uma descendência.
Abri a janela do meu quarto que dava para o castelo, subi para o telhado, preparando-me para o meu voo libertador quando, inesperadamente, oiça a inquieta voz do Jojo sussurrando me:

- Rogério, sai daí do telhado, podes cair lá em baixo. Anda, vamos conversar um bocadinho acerca dos teus problemas.

Voltei-me, olhei-o nos olhos suplicantes e assustados e obedeci. Bem no fundo, eu não queria saltar. Eu queria saltar, sim, mas nos braços do Mariano, esse meu Deus interdito.
Sentámo-nos no meu divã. Jojo pegou-me na mão e diz-me docemente:

- Rogério, nós viemos a este mundo para vivermos o nosso destino e tu tens a obrigação de viveres a sorte que Deus te deu, com toda a coragem e dignidade que se esconde lá muito fundo dentro de ti!
Anda, vamos à cozinha fazer um bom café e fumar uma boa cigarrada!

Um desejo indomável
















Nessa mesma noite os amigos de Jojo reuniram-se na tal casa de jantar que dava para a marquise.
O Mariano também saiu da sua toca e marcou presença. Ambos nos sentimos pouco à vontade um perante o outro.
Mariano sentou-se silenciosamente no cadeirão de braços ao canto da sala, e não comunicava com ninguém. Parecia amuado. Amuado comigo? Consigo? Com os seus mal vistos desejos carnais?
Intrigado aproximei-me dele, pus as minhas mãos sobre os braços do cadeirão, inclinei-me um pouco, olhei-o nos olhos intensamente, como que penetrando-o com os meus olhos ávidos do seu corpo.
Ele enfrentou afoitamente os meus olhos, entreabriu aqueles seus lábios entumecidos, acariciou-os sensualmente com a ponta da sua língua escaldante, agarrou-me pela gravata, puxou-me brutalmente, e deu-me o beijo mais devastador da minha vida. E talvez da sua também!
Alvoroçadamente empurra-me para trás, levanta-se abruptamente, e sai da sala quase numa correria. Engole o corredor a passos gigantescos, sai e bate com a porta. Na sala houve um longo minuto de silêncio. Olhavam-se todos uns para os outros sem nada compreender, sem nada comentar.
Uma vasta interrogação ficou a pesar no ar. Penso que até hoje ainda ninguém compreendeu o que realmente se passou, à parte eu e esse Deus que não soube concretizar o imenso milagre de uma posse longe dos olhos de toda a gente.

O Mercado e dias sempre iguais


Na manhã seguinte vivemos mais um dia rotineiro e, depois desse dia, alguns muitos outros mais.
O nosso dia a dia limitava-se às nossas idas à Esplanada tomar uma bebida, fumar alguns cigarros, falar de coisas corriqueiras, e frequentemente as nossas idas ao Mercado fazer as compras para a mãe do Jojo, que andava sempre muito atarefada com a sua máquina e costura, limpezas gerais, e tantas outras obrigações de uma boa dona de casa.
Irmos ao Mercado começou a ser, sem quase nos apercebermos, numa quase grande aventura matinal. Era, de um certo modo, quase como nos encontramos um pouco mais juntos. O Jojo nunca se manifestou sexual ou sentimentalmente, e eu compreendi que, afinal, ele não me desejava de modo algum. Talvez apenas algumas afinidades intelectuais. Nada mais!
Comecei a entrar perigosamente numa depressão incontrolável. Eu não compreendia aquela infernal atracção física pelo Mariano, que me possuía totalmente a despeito da sua grande retirada. Algo em mim me proibia de desejar outro homem. Eu era um homem e tinha de algum modo o dever de fundar uma família e ser como todos os demais! Eu sabia, pelos boatos que circulavam em Mafra, que ceder a outro homem era um vergonhoso pecado mortal.
Sobretudo não queria ser rejeitado por uma macabra Sociedade a estoirar de esmagadores preconceitos dos tempos da Raínha Santa!

O regresso à Realidade












No caminho de regresso ao Parque, caminhámos sem trocar uma palavra. Olhos postos no chão, ambos tentando disfarçar uma frustração esmagadora.
Chegados ao Parque, retomámos as nossas cadeiras à volta da mesma mesa, e procurámos entrar no âmago da conversa muito agitada entre os que tínhamos deixado pouco antes. Impossível! A conversa não nos dizia nada. A batalha perdida tinha-nos invadido o corpo e a mente. Sentiamo-nos como enjeitados num pelourinho à espera do carrasco. O nosso único desejo era acabar algures esse malogro, de não termos vivido o nosso tórrido desejo até o pano caír! Súbito, o meu Deus do Olimpo ergue-se, diz até logo, e apressadamente põe os pés a caminho da vastidão.

Nessa noite não preguei olho. Na minha cabeça só via o Mariano e a sua boca em fogo, aquela imensa e ostensiva promessa irreprimivelmente emergindo-lhe das suas entranhas, como um guerreiro a espreitar das ameias, sem ousar transpor os fossos impostos por imposições medievais, entrincheirado por detrás de absurdas barricadas, sem coragem para as galagar e ir, navegando por esses mares fora, à conquista de outros continentes, à descoberta de outras belas paisagens que desde sempre aguardavam a sua triunfal chegada! Só consegui adormecer depois de longas carícias solitárias no meu corpo em alvoroço, que vieram macular a brancura do meu lenço de cambraia.

As margens do Lis


Inquieto, levantei-me e segui-o.
Ele levou-me até às margens do Lis.

Aí chegados, sentámo-nos na relva e ele pos-se à vontade. Tirou o casaco e a gravata, abriu alguns botões da sua branca camisa, pondo a nu os seus peitos cobertos de pelos muito longos e negros, onde os seus rosados mamilos eram como duas ilhas meio submersas. Os seus dedos muito brancos e longos sensualmente alisavam a espessa trunfa que generosamente lhe cobria os sólidos peitorais. A sua boca era como um vulcão. Sua língua muito vermelha e ponteaguda era como lava rebentando da cratera, alastrando sobre aqueles lábios em labaredas. Os seus olhos despiam-me todo, pondo a nu o meu assustador desejo de ser tomado de assalto, sem possíveis tréguas. Os meus olhos e o meu corpo consentiam nessa abordagem no alto-mar da minha puberdade ansiosa de ser devastada. Mas eu não ousava desfraldar as velas e desafiá-lo à abordagem, fazer de mim seu escravo, guardião dos seus tesouros.

Mariano ali estava, na minha frente, todo aberto, numa total oferta, eu imaginava-o todo nú, a propor-me o seu corpo todo à minha ânsia de o esmagar entre os meus braços, de o ter, intrépido, a cavalgar-me, a brutalmente penetrar-me até ao mais profundo do meu corpo ávido do seu, numa incontrolável alucinação, mas as minhas asas não ousaram abrirem-se em voos de condor em busca do ninho onde pudéssemos chocar os nossos ovos.

A subida até ao Eden

No dia seguinte, à tarde, voltei a encontrar o Deus na Esplanada do Parque.

Estava com o Jojo, o Jorge e a Encarnação, a falarmos dos cabeçalhos dos jornais do dia, quando, discretamente, Mariano se coloca por detrás da minha cadeira e pousa suavemente a sua tépida mão sobre o meu ombro. Contacto esse que fez fremir todo o meu corpo de alto abaixo. Depois vai buscar uma cadeira a outra mesa e instala-se a meu lado. Sentou-se, muito masculinamente, as coxas bem apartadas. Um dos seus joelhos tocou um dos meus. Falava com todos à volta da mesa, mas os seus olhos tragavam-me descaradamente, o que me começou a inquietar, pois que ele começava a apoderar-se do meu corpo em delírio. Era evidente que ele se apercebera do meu mau estar. Pousou uma das suas mãos sobre a minha coxa e convida-me a irmos dar uma volta.

O Deus do Olimpo
















Os dias passaram-se quase numa rotina, até que, uma noite, Jojo convidou os seus amigos para um copo em casa de seus pais, na tal casa de jantar com vista para as traseiras. Além do Jorge e da Encarnação, aparece-me, como uma visão divina, um rapaz encantador chamado Mariano, que dos pés à cabeça, era uma dádiva do Reino da Beza, ali a meus pés! Uma cara morena, barba cerrada com tons azulados que apetecia acariciar; olhos negros, devorantes, de vampiro sequiso de sangue fresco, que fizeram o meu sangue fervilhar ; lábios carnudos da cor de um incêndio que a minha boca queria apagar ; cabelos de azeviche, ondas revoltas, onde os meus dedos se queriam afogar ; brancas mãos de escultor que o meu corpo queria agarrar ; uma voz de veludo quente e macia que os meus tímpanos queriam aprisionar ; um corpo magnífico de estátua, Deus do Olimpo, Olimpo onde eu gostaria de imperar !

Em mim um alvoroço tal, como se as minhas mãos, algemadas atrás das costas por tradições absurdas duma sociedade a rebentar de convenções antiquadas, fossem como enormes pedregulhos lançados ao mar sem fundo da estupidez humana! Em mim um fogo incandescente que eu tinha de ocultar sob a minha burca, essa burca onde, desde pequeno, me escondia, para evitar as badaladas das más línguas, esse desporto preferido dos portugueses das terras pequenas. Isto quando os únicos passatempos das mulheres era tricotar, ouvir ridículas histórias da carochinha na Emissora Nacional, ou espreitar por detrás das cortinas, a ver o que os vizinhos faziam. Quanto aos homens, esses, era de ir para a taberna pagar rodadas de copos de três e alcovitar da vida dos outros, e gabarem-se das fodas que secalhar nunca tinham sido dadas!

A visita ao Castelo



A subida foi um tanto penosa mas, lá acima chegados, fui apanhado pelo deslumbrante panorama ! Lá de cima eu podia avistar a grandiosa paisagem em torno de nós, como um abraço. Depois de termos dado a volta ao longo das muralhas, voltámos a descer e regressámos a casa para nos prepararmos para o jantar.

O jantar foi servido na tal sala que dava para a marquise. Não recordo o que foi a ementa, mas lembro-me perfeitamente que ficámos na conversa até quase à meia-noite. Depois fomos todos para a cama, e eu dormi como um anjo estafado de esvoaçar, até às nove da manhã, quando fui acordado pelo Jojo para irmos tomar o pequeno almoço na cozinha.

A Esplanada da Praça


Jojo convida-me a dar uma volta pelo centro da cidade, onde o prédio onde eles habitavam se encontrava. Mesmo ao meio do grande largo, uma bela esplanada, onde nos sentámos para falar dos nossos tempos de Mafra e projectos de futuro.

Mais tarde fomos abordados por um jovem casal, mas que eram - vim depois a saber - o Jorge e a Maria da Encarnação Batista, que eram, afinal de contas, irmãos.

A nossa conversa enriqueceu com a descoberta de que a Maria da Encarnação tinha acabado de editar um livro de poesia, e isso ainda mais nos aproximou.
Ela ofereceu-me um exemplar do seu livro, que trazia no seu saco, quando soube que eu também escrevia versos. Agradeci a oferta, pedi-lhe um autógrafo. Depois folheei o seu livro, lendo rapidamente pequenas passagens, para descobrir qual o seu estilo. Era evidente que ela tinha lido muito Florbela Espanca. Depois, delicadamente, pus o livro de parte para participar a fundo na conversa geral. Depois duma bebida e uma troca de opiniões, o Jojo sugeriu mostrar-me um pouco de Leiria. O Jorge e a Encarnação aderiram e lá fomos os quatro dar um salto até ao famoso castelo.

Praça Rodrigues Lobo


Que será feito do João Paulo, aquele cabo meliciano com o qual tive uma ambígua amizade quase amor ?

Todos os dias ele vinha pedir-me um café, e depois fincava os cotovelos no balcão, cingindo-me com os seus olhos, dizendo-me o que eu imaginava, naquela minha desesperada ânsia de ser amado, e ali ficava até ao recolher. Falávamos de tudo e de nada, mas muito de poesia e de livros que eu lhe emprestava, daqueles que eu ia buscar à Biblioteca do Convento, os quais eu devorava num dia, e que depois ele tragava duma assentada, num outro amanhã !

João Paulo - a quem ternamente chamava Jojo - quando deixou Mafra, depois de ter terminado o seu serviço militar, veio ao balcão dar-me um abraço e a sua morada em Leiria, convidando-me a, quando pudesse, vir passar uns dias em casa dele, com os seus pais. Aceitei o seu convite e tempos depois lá pego numa pequena mala, um autocarro até Lisboa, e depois um combóio até Leiria !

Foi uma curta viagem. Ao chegar a Leiria lá estava o Jojo à minha espera, discretamente acenando-me. Depois dum breve abraço, ele pega na minha maleta e vamos apanhar a camioneta para o centro da cidade. Na camioneta trocámos algumas banalidades e, chegados à Praça Rodrigues Lobo, onde ele morava, subimos ao seu quinto andar direito, e aí ele apresentou-me os seus pais. Eles eram encantadores e pareciam agradavelmente surpresos com a minha repentina aparição. A primeira coisa que me mostraram da casa foi o meu quarto, a pequena salinha de entrada, com uma janela que dava para a rua, e uma bonita vista sobre a impressionante silhueta do castelo, lá no alto. Depois de ter deposto a minha mala a um canto, mostraram-me o resto da casa. Digressão essa que acabou na casa de jantar com porta para a marquise e uma larga vista para as traseiras. Depois de algumas perguntas e uma boa chávena de chá, voltaram às suas lides.

Receio obsessivo




Não sei bem o que se passa comigo esta manhã, mas ao olhar em frente não vejo nada senão aquele muro em frente onde alguém grafitou a palavra “End”, num vermelho berrante que não deixa nenhum lugar a dúvidas ou hipotéticos projectos. Como se o Futuro para mim tivesse deixado de porvir!

Indeciso, receosamente olho para trás, para o meu Passado, em busca de uma tábua onde todavia me possa agarrar, para ainda não, irremediavelmente submergir. Como bóias já me não acodem, restava-me o fazer do Passado Presente, esbracejar até à margem mais próxima em busca de algum chão onde ainda possa rastejar.

Fecho os olhos e, por detrás das minhas pálpebras, naquele lusco-fusco, deparasse-me o Convento de Mafra, em toda a sua lúgubre imponência, naquele majestoso segredo que há séculos nos oculta. Face a esse magnifico mosteiro, mesmo em frente, procuro o Café Estrela, onde possa dar um salto, porém, esse Café, sem um aceno, desapareceu na minha ausência, para dar lugar a outro qualquer comércio sem qualquer história.

Eu tenho uma história! A minha história! Essa história que tanto gostaria de contar aos netos que nunca me foram concedidos ! Cerro ainda mais os olhos e entro, virtualmente, nesse Café das grandes descobertas da minha já tão longínqua e atormentada adolescência. O Passado vem até mim, subtilmente, como num angustiado sussurro, suavemente balbuciando muitas das minhas já mumificadas recordações...

dimanche 19 juillet 2009

O botão do colarinho








Certa noite, exibiam no Cinema de Mafra um filme que ambos queríamos ver: “Entre Duas Mães”, com a Anne Blyth.Quando chegou a hora de ir para o Cinema, Hermínio reparou que lhe faltava um botão no seu colarinho e que tinha medo de ser apanhado por algum superior e pediu-me se eu lhe podia solucionar o problema.

Levei-o àquela dependência onde se faziam os pastéis de feijão, fui à cozinha buscar um botão, uma agulha, um dedal e uma linha, e tentei resolver esse seu tão insignificante contratempo.

Ele estava de pé na minha frente, instável, seus pés martelavam impiedosamente o indefeso soalho. Enquanto eu lhe cosia o botão, seus olhos nervosamente esvoaçavam de parede em parede, a disfarçar o alvoroço que lhe percorria o corpo todo. Suas pernas tremulavam como um condenado à morte já sobre a guilhotina. Era como se eu fosse um carrasco e estivesse a enfiar-lhe a corda no pescoço, seus pés rentes ao alçapão que dentro em pouco se abriria para o tragar e o deixar oscilando nessa implacável corda que contra seu desejo, nele se enfiara!
No momento em que aproximei a minha boca do seu colarinho para cortar a linha com os dentes, ele aprisiona arrebatadamente a minha cabeça entre as suas mãos, como garras de albatroz, e crava-me a sua boca em fogo na minha, num beijo com tal paixão, tal violência, que os meus lábios sangraram! Sua língua vasculhava freneticamente a minha e sugava o meu sangue como se fora um embruxado vampiro sequioso de sangue para rapidamente apagar o seu sôfrego ardor!
Tal como com o tabuleiro de Xadrês, brutalmente atira-me contra a parede e sai desarvorado, desastradamente reajustando o seu órgão e tentado disfarçar aquela mesma comprometedora mácula no seu belo uniforme.

Após este molesto incidente, calmamente me recompus daquela imprevista agressão, ordenei a minha devastada indumentária, e pus os pés a caminho do cinema, cobrindo a boca com o meu branco lenço, a esconder a minha mordida boca, ainda ligeiramente sangrando.

Cheguei atrasado. A sessão já tinha começado. Procurei a minha cadeira, sentei-me, e ainda vi parte de um documentário acerca do Holocausto e o Pathé Jornal, que ainda falava dos horrores da Segunda Guerra Mundial.

Ao intervalo fui tomar uma bebida ao bar e ver as vitrinas com os cartazes dos filmes a serem exibidos proximamente. Pelos cantos dos olhos vislumbrei o Hermínio encostado a uma parede, junto à saída de socorro, fumando nervosamente o seu cigarro. Reparei que ele me evitava. Com uma mão segurava a sua beata e, com a outra, judiciosamente procurava esconder as nefastas provas do seu dramático problema de retenção seminal.

Depois dessa noite, desse seu descontrolado assalto, desse sanguinário beijo de vampiro, ele nunca mais voltou ao Estrela.

Uma tarde, ao passar pelo Café Esplanada, vi-o sentado a uma mesa ao pé da montra. Quando ele me apercebeu, pretendeu não me ter visto e voltou a mergulhar a face no jornal que pretendia estar a ler.

Não sei se o problema do Hermínio era a ejaculação precoce, a sua homossexualidade, ou ambas! Não sei ao certo, mas o facto foi que ele nunca mais apareceu no Café Estrela. Nunca mais o vi no cinema nem na rua. Penso que talvez tenha pedido permutação para outro qualquer quartel longe de Mafra. Não penso que se tenha suicidado.

Nesses tempos a homossexualidade era uma falta vergonhosa e a ejaculação precoce um problema muito grave, mas o Hermínio era um jovem soberbo e tinha vida toda à sua frente.
Espero que ela tenha sido longa e que o problema ejaculatório se tenha resolvido e que tenha assumido a sua sexualidade e vivido uma vida tão prenhe de venturas e desventuras como foi a minha!

Uma vida plenamente vivida!

O Pique-Nique














Surpreendido e alarmado com tal súbita e violenta reacção, perguntei a mim mesmo por que razão não marcava ele encontro comigo no Jardim do Cerco para depois nos embrenharmos no denso matagal a esconder dos outros aquelas nossas rendidas lutas de corpo a corpo que a Natureza nos impunha, como tantos outros cadetes o tinham já feito:

“Rogério, esta tarde, por volta das quatro, no Pique-Nique?”

E eu nunca faltava! Eu lá estava no Pique-Nique, sentado, fumando o meu cigarro, à espera dos meus visitantes com botas até aos joelhos e braguilhas a rebentarem. Eu sabia que os buxos também lá estariam à nossa espera, sempre de boca aberta para nos tragar, nos engolir nas suas prudentes e recônditas moitas acolhedoras, labirínticos esconderijos, alcovas de tantos momentos de paixão para todos aqueles que dissimuladamente por lá tantas vezes se esgueiravam. Esgueiravam-se, esgueiram-se e sempre certamente se esgueirarão! Escravos desse apelo carnal, dessa maquiavélica astúcia da Natureza para infinitamente garantir a continuidade de todas as espécies, num infernal ciclo vicioso!

O Xadrês











Quando cheguei a Mafra - depois desses meus inesquecíveis dias passados na Figueira - fui recebido com algumas repreensões da parte da tia Laura e dos meus pais. Eu tinha partido sem dizer adeus a ninguém nem dito para onde eu ia, tão ansioso estava de ir ter com o meu longínquo Hermínio!

O meu desaparecimento tinha sido confiado à polícia, tinham pensado nalgum rapto ou assassinato. Meus pais estavam num estado de angústia impressionante!

Após a minha reaparição no meu pacato panorama mafrense, tudo foi rapidamente posto numa prateleira - assunto arrumado - e eu pude retomar a minha habitual rotina ali à sombra do Convento. Voltei tranquilamente às minhas rotinas no Café Estrela com o Carretas e as minhas idas ao Correio, à Biblioteca, ao Jardim do Cerco, e aos meus cadetes.

Sempre que os cadetes chegavam para cumprir o seu serviço militar, fatalmente caíam ali todos no Estrela para um bom café e o convívio com todos os seus comparsas e usarem as mesas do Café como secretária. Era lá que eles escreviam as suas cartas, ouviam os relatos de futebol na rádio do Café, confraternizavam, jogavam às cartas e, através do frondoso vidro da montra, espiolhavam as formosas raparigas que passavam do outro lado do vidro, bamboleando suas garupas.

Penso que, como eles eram todos estudantes da Universidade de Coimbra, os que acabavam a sua Escola de Infantaria em Mafra e regressavam a Coimbra, largamente contavam como se tinham passado as coisas na tropa aos seus condiscípulos. Creio que era esse o caso, pois que frequentemente os que vinham pela primeira vez ao Café Estrela, vinham sempre ao balcão pedir uma bebida e depois ficavam ali especados, mirando-me fixamente, e acabavam quase sempre por perguntar se eu era o Rogério. Prova de que os que tinham partido tinham falado de mim aos acabados de chegar.
Um deles foi o Hermínio. Ele era um rapaz dos seus vinte e poucos anos, extremamente atraente. Era outra bela cabeça loira, como o Profírio, o tipo de homem que sempre muito me seduzira. Ele olhava-me insistentemente e, como eu esperava, pergunta-me se eu era o Rogério. Anuí! Ele apresentou-se como sendo o Hermínio, estudante de medicina na Faculdade de Coimbra!

Como quase todos os outros cadetes, Hermínio era alto, muito garboso na sua farda cinzenta e belas polidas botas até ao joelho, um dos meus mais voluptuosos fantasmas! Ela parecia um anjo, anjo que eu gostaria de capturar. Arrancar-lhes as asas e fazer dele a minha indefesa presa!
Numa voz muito envolvente, penetrando-me com o azul-marinho dos seus olhos entalados nas suas doiradas pestanas, enviava-me já aquele tipo de mensagem em código, pestanejada em morse, querendo fazer-me compreender que ele gostaria de me ter um dia nos seus braços. Como tantos outros no passado!

Feitas as indispensáveis apresentações, ele seguiu a sua vida e eu segui a minha: servir outros clientes, lavar as retretes, fazer pastéis de feijão, ir ao Correio, arrumar as cadeiras à volta das mesas sempre que um cliente partia, e escutar os conselhos da tia Laura. Ela nunca dava ordens, aconselhava sempre, coisas como: “Ó rapazinho, acho que devias limpar os espelhos, acho que estão um bocadinho sujos”... Ela nunca ordenava, apenas sugeria, tal como a minha mãe!

O Hermínio, como a maioria dos cadetes, passava as tardes no Estrela, na mesa da montra, a pôr a sua correspondência em dia, a jogar às cartas. A propósito de cartas, ele adorava jogar o Xadrês! Eu também gostava bastante desse jogo. Como ambos éramos grandes peritos dessa jogatana, ele frequentemente me convidava a jogar com ele. Como tínhamos pouca clientela da parte da tarde, juntava-me a ele e trazia o tabuleiro do Xadrês e acomodava-me na sua frente, à sua mesa, para mais outra movimentada partida. Essa famosa mesa da montra onde tanta vez me sentei só para ver passar os cadetes nas suas belas fardas, seus bivaques, e suas lustrosas botas até ao joelho.

Essas grandes partidas de Xadrês tornaram-se numa quase obrigatória rotina dessas longas nebulosas tardes de Mafra. Talvez porque em cima da mesa era o jogo das Damas, mas por baixo da mesa o jogo era outro!
Seus olhos enviavam-me continuamente mensagens duma lubricidade devastadora. Seus joelhos entalavam langorosamente os meus. Suas mãos desciam discretamente até aos meus joelhos, a quererem ir um pouco mais acima mas, ou ele não encontrava a coragem necessária para o fazer, ou seus braços eram curtos demais para alcançar o almejado alvo, que suas afiadas setas visavam incessantemente. Ficávamos sempre a meio meio-pau!

Essas duplas jogadas - sobre e sob a mesa - tornaram-se quase infalíveis diárias competições, às quais nem ele nem eu gostaríamos de falhar. Os nossos olhos, as nossas mãos, os nossos joelhos, que continuamente se procuravam, e que ao fim de incansável labuta sempre acabavam por se encontrarem, e entregarem a esso divino e pérfido jogo de sequiosas líbidos que eram mais fortes do que certas restritas imposições da Sociedade!

Às três, sem falta, lá vinha o belo Hermínio! Sentava-se sempre àquela mesma mesa e implorava: “Ó Rogério! Traz-me lá uma bica! Traz também o tabuleiro do Xadrês!”

Eu acorria pressuroso! Preferia mil vezes as excitantes artimanhas com o Hermínio, aos meus desenhos e leituras que habitualmente fazia da parte da tarde quando não haviam muitos clientes, ou qualquer outros importantes deveres a serem cumpridos.

Nessa tarde, ambos frente a frente, olhos nos olhos, joelhos contra joelhos, fizemos os habituais ataques sobre e sob a mesa. Ele acariciava as minhas coxas, seus olhos coriscavam desejos incontroláveis, mordiscava os seus carnudos beiços e constantemente os humidificava com a ponta da sua língua em fogo. Seus olhos penetravam-me o corpo todo, seus olhos ardendo num desejo inextinguível que só uma entrega total poderia apaziguar. Inesperadamente, suas coxas esmagam as minhas! Solta um grito, um daqueles gritos que só um orgasmo, pode causar. Seus olhos tão cerrados como cerradas estavam as suas coxas aprisionando as minhas. Num arremesso diabólico, a sua bela face crispa-se e abruptamente levanta-se como um tufão e atira com o tabuleiro do Xadrês ao chão e sai pela porta fora, desorientadamente ajustando a sua erecção e tentado encobrir a sua embaraçosa mancha de esperma a macular as suas apertadas calças cinzentas com botas até ao joelho.

jeudi 16 juillet 2009

A Foto feita na Mata









Esta fotografia na Floresta, é a única sólida recordação dessas duas inesquecíveis semans passadas em Gala, na Figueira da Foz!

Adeus Figueira! Até nunca mais!










De mãos nos bolsos e olhos no chão, metemos os pés a caminho de regresso a casa. Atravessámos uma vez mais essa ponte a desafiar as loucas ventanias, sem um comentário, como se entre nós, nessa noite, nessa praia, contra essa torre, nada se tivesse realmente passado, nada tivesse acontecido! Nem um nem outro ousou gritar, dizer, sussurrar, que os nossos corpos clamavam uma entrega total, imediata, que se queriam fundir e confundir um no outro, no delírio de frenéticos orgasmos, que somente nós poderíamos conceber!

Chegados a casa ele diz secamente:
“boa noite, dorme bem, amanhã tens que te levantar cedo para apanhares o comboio!”

Nessa inquietante noite dei voltas e reviravoltas sobre esse colchão de ruídosas carapelas sem poder pregar o olho. Minha boca e todo o meu ser estavam em carne viva. Eu implorava a todos os santos que Profírio subisse e desse largas ao que os nossos corpos tão intensamente reclamavam. Esperei a noite inteira que ele ousasse, decidisse subir, entrasse no meu quarto, na minha cama, jorrasse dentro de mim! Eu estava ávido, sôfrego, guloso do seu belo corpo a rebentar de escaldantes vigores! Deus não quis ouvir as minhas preces e nessa interminável noite a Eternidade perdeu a mais gloriosa de todas as noites de amor de todos os tempos!

Ao alvorecer de mais um outro outonal dia, Profírio veio dizer-me que me despachasse senão perderia o comboio!

Vesti-me à pressa e desci para os meus derradeiros momentos em Gala! Baixei com a minha mala cheia de trapos, de frustrações, de imensuráveis raivas: raiva de ter vindo, raiva de não ter levado a cabo o meu mais veemente desejo de ter provado a Profírio que o amor entre dois homens era uma decisão da Natureza, uma vontade de Deus, não uma aberração! Que sem sexo a vida seria um árido imenso deserto onde nos perderíamos sem jamais reencontrarmos o caminho que nos mostrasse a realidade duma vida toda inteira a correr atrás da felicidade. Felicidade enganadora, falsa dádiva perfidamente engendrada por crédulos utopistas que não lobrigavam que para além das suas ilusórias quimeras não havia nada! - Nada! - Niente! - Nothing! - Rien! - Nichts! - שום דבר!!!

A mãe dele ainda estava na cama, ainda roncava, nem sequer me despedi dela. Profírio serviu o último frugal pequeno-almoço na cozinha, sem me olhar nos olhos, como se eu não estivesse ali na sua frente, como se eu não existisse! Como se eu fosse apenas um embargo, uma ameaça na sua vida toda controlada por velhas tradições, estúpidas regras, impostas obrigações!
Seria que a sua atitude fosse apenas embaraço da sua parte? Que estivesse envergonhado daquele inolvidável beijo de amor com que o céu nos tinha contemplado naquela maravilhosa noite de luar, na Praia da Claridade, junto à Torre do Relógio? Esse beijo à socapa, beijo proibido, beijo contestado pela Sociedade e suas absurdas limitações?

Depois desse rápido pequeno-almoço, peguei na minha maleta e lá fomos, pela última vez, atravessar essa ponte das ciclónicas ventanias que tudo levava, excepto essas inestimáveis reminiscências duma bela noite de luar, algures no espaço e no tempo!

Eu já sabia o caminho para a estação e segui em frente, a passos largos, como que fugindo de mim mesmo. Profírio acompanhava-me, seguindo-me em silêncio, como que para evitar justificações acerca do que se tinha passado na noite anterior na Praia da Claridade, junto à Torre do Relógio. Amor indomável, amor invencível, amor implacável, ou malfadada ironia do destino?
Chegados à estação, Profírio esperou mudamente a meu lado até o comboio aparecer lá ao longe, na curva das calhas, bufando uma fumarada infernal, como se fosse para o inferno que ele me levaria!
Mal o combóio atracou, Profírio acompanhou-me até à porta da carruagem, abriu-a, empurrou a minha pequena bagagem para dentro do compartimento e, num tom manifestamente comovido, apertando ambas as minhas mãos nas suas, diz-me:
“Boa viagem Rogério! Talvez até qualquer dia...”

Debrucei-me agitadamente à janela para o ver talvez pela última vez sobre o apeadeiro, bafejado por aquela ligeira neblina matinal misturada à fumarada do combóio. Acenei-lhe com a mão e ele - quando o comboio vagarosamente arrancou - pousa um doce beijo na ponta dos seus longos pálidos dedos e envia-mo pelo ar dessa triste manhã de Outono.
Um beijo que não senti na minha carne, mas que se alojou para sempre na minha saudade infinita!

Prisioneiro dessa janela, quando o comboio começou lentamente a afastar-se, continuei a acenar-lhe até ele desaparecer lá ao longe, sobre o cais, como algo, como alguém que gradualmente se reduzia a um pequeno, insignificante ponto final. Ponto esse que o tempo nunca apagaria!

Foi a última vez que vi Profírio! Até à data nunca mais ouvi falar dele! Nem um postal, um telefonema, um inesperado encontrão numa rua qualquer a abarrotar de gente, um imprevisto, nada!

Será que casou? Que fez uma grande carreira como advogado? Foi viver para Lisboa? Ficou em Coimbra? Na Figueira? Foi para o estrangeiro?

Foi feliz? Lembrar-se-á ele ainda daquele ardente beijo naquela noite de lua cheia, contra a Torre do Relógio na Praia da Claridade, às dez e trinta e dois minutos dessa noite memorável?
Só sei que não sei, nem nunca o saberei!

O beijo que tinha de ser dado








Ao passarmos pela Torre do Relógio, parámos um pouco para descansar da longa caminhada, das nossas secretas emoções nessa noite serena. Encostámo-nos à Torre do Relógio como que para nos resguardarmos de alguma iminente ameaçadora tempestade. O silêncio era apenas cortado pelo rumor das calmas ondas do mar e a brisa que meigamente acariciava as nossas faces ligeiramente cobertas por um ténue véu de neblina. Seus olhos, como labaredas, procuravam os meus. Os meus olhos, como indefesa presa morta por ser devorada, entregavam-se rendidamente em promessas de mil e uma noites. Mago afagando sua lanterna mágica, génio querendo evadir-se, caixa de Pandora semi-aberta...

O silêncio continuava a ser apenas interceptado pela branda cantilena do mar, o divino sopro de brisa sobre a nossa pele, o arfar dos nossos corpos em fusão...

Profírio, num ultimo gesto de coragem - decisão suprema - brutalmente aprisiona minha cabeça entre as suas mãos como garras e, finalmente mergulha desvairadamente a sua escaldante boca na minha, num beijo tão profundo, tão ardente, tão longo, tão longo que ainda hoje dura e perdura na minha fatigada memória!

Passeio à noite pela praia











A semana passou depressa e sem grandes exaltações. As habituais travessias da ponte, agarrados ao corrimão de ferro para não sermos levados pelo vento, e pequenas miradas sedutoras a mutuamente enviarem esboços de doces pecados, que nem mesmo num enclausurado confessionário, seriam confissões nunca ousadas.

Depois eram os enfadonhos passeios pela Figueira, cervejas e tremoços nalgum dos poucos Cafés existentes, ir ver o mar, debruçarmo-nos ao parapeito do miradouro a apreciar um magnífico pôr de sol, e nada mais de grandioso ou inolvidável. Excitante foi o último serão que passámos juntos na Figueira quando ele me convidou a jantar fora para celebrar não sei se a minha chegada, se a minha partida. Nunca o saberei! O que sei e nunca esquecerei, foi aquele romântico passeio pela praia depois de termos jantado num belo restaurante do largo e termos esvaziado um bom par de canjirões de afrodisíaco vinho tinto.

Quando saímos do restaurante cambaleávamos um pouco e foi, apoiados um ao outro, que seguimos até ao mar para observarmos aquela invulgar noite de lua cheia e aquele céu crivado de estrelas, espectáculo raro e inesperado para as habituais enevoadas noites de Outono.

Nessa etérea noite, Profírio estava lindo! Banhados pelo luar, docemente afagados por uma suave brisa soprada pelo mar, seus cabelos lembravam prata refulgente. Sua boca entumecida, seus lábios humidificados pela rubra ponta da sua língua, seus dentes muito brancos a espreitarem à janela, gruta libidinosa insinuando ignotas bacanais, infernos onde eu gostaria de me cremar. A radiosa luminosidade da lua invadia os mais recônditos traços da sua bela fisionomia que finalmente começavam a abrirem-se em vulcânicas promessas de ofertas divinais. Nos seus olhos cintilavam alvoroçadamente miríades de inquietantes estrelas irradiando uma luz tremeluzente no distante firmamento do seu olhar. Sua mão ousou apossar-se da minha e levar-me ao longo da praia, junto ao mar. O mar estava tranquilo e a lua cheia lançava a sua coriscante esteira na mansa maré-baixa. Tudo à nossa volta era um incessante aceno aos nossos sentidos, um subtil convite à realização de certos desejos muito íntimos, inconfessáveis, contrariados, mendigos. Profírio lembrava um Deus do Olimpo sob aquela leitosa luminosidade. Tudo isto era um desmedido apelo às nossas bocas, para que elas se encontrassem e se unissem num inesquecível e único apaixonado beijo de amor. Amor desejado, amor temido, amor recalcado!