samedi 12 septembre 2009

A longa viagem


A viagem de combóio até Marselha foi longa e um tanto fastidiosa. Por sorte fiquei perto da janela e podia deleitar-me com a paisagem sempre a fugir ante os meus olhos deslumbrados, rumo a um grandioso Destino acenando-me lá do outro lado do mar...

Sentado na cabine desse trepidante combío, entalado entre um padre que levou a viagem toda a ler o seu missal e a fazer as suas devotas orações, e um rapaz muito jovem e desempoeirado, que parecia gostar de sentir o calor da minha perna direita, friccionando-a langorosamente com os tensos músculos da sua coxa esquerda, imediatamente me apercebi que a viagem começava a desvendar-me inesperadas agradáveis surpresas...

No banco da frente sentava-se toda uma família de portugueses que certamente iam tentar a sorte em França. Iam carregados de cestos a abarrotar de comida, de garrafões de vinho, e passaram o tempo todo a petiscar. Tentei abrir conversa, mas todos pareciam não ter nada a dizer. Talvez pensassem que Deus lhes tinha dado bocas apenas para mastigar, ignorando que as bocas nos foram dadas para tantas outras coisas mais interessantes do somente respirar, bocejar, praguejar, cuspir!

Quando a noite se aproximou, todos os componentes dessa cabine começaram a ir até ao cantinho para fazerem as suas necessidades, e talvez lavarem as mãos, para depois se repousarem um pouco durante a noite, ali inconfortavelmente sentados, sem poderem sequer estender as pernas.

Na minha frente estava sentado um dos membros da família a dar o salto para a França. Um bonito rapagão de coxas escancaradas que, não sei por que razão, não tirava os olhos de mim. Como nessa altura eu era jovem e fresco, cheio de viço e de vícios, discretamente tirei os sapatos e pousei descaradamente o meu pé direito na beirinha do assento da frente, entre as virihas do incauto jovem, cujos olhos me comiam, parecendo não sofrerem de fastio. O meu pé procurou saber o que se passava para além daquele Triângulo das Bermudas. Muito rapidamente se confirmaram as minhas suspeitas: o rapazinho oferecia-me abertamente uma rústica generosa erecção. Fiz o gosto ao dedo - neste caso o do pé - e ao meio da noite o meu vizinho da frente teve um estertor, um sufocado grunhido, e jorrou copiosamente nas cerolas, cerrando muito os olhos e mordendo o lábio inferior. Depois olhou-me com uma certa gratidão nas pupilas, encostou a cabeça à parede e muito rapidamente adormeceu. Isto feito, pousei a minha cabeça no ombro do padre – que tinha fechado os olhos para ir até Deus – e também adormeci.

Fomos todos acordados quase de madrugada com o padre aos berros e a sacudir-se desesperadamente! Um garrafão de azeite que tinha sido posto deitado na prateleira sobre a sua cabeça, com o chocalhar do combóio, a rolha tinha ido pelos ares, e o nosso padre tinha sido benzido pelo sagrado conteúdo das belas azeitonas da oliveirinha da serra, lá de Trás-os-Montes! Houve um pânico geral durante alguns segundos até que a mãe de família se levantou, sacou o garrafão de azeite, buscou a sua preciosa rolha, enfiou-a no malvado gargalo, po-lo a seus pés, e todos voltaram àquele interrompido sono de passageiros de combóio que cortava as paisagens matinais a caminho de Marselha! Do meu encalorado vizinho da direita nunca mais tive notícias. Foi sol de pouca dura! Ou ficou desiludido com a mercadoria ou era ejaculador precoce.

Foi tudo o que retive dessas muitas horas aos solovancos naquela carruagem de terceira-classe dos caminhos de ferro dos tempos de Salazar e do Franco!

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