lundi 28 septembre 2009

A Raínha do Sabá








Horas mais tarde fui acordado com uma palmada do Miki. Disse-me para me despachar, para tomar um duche e vestir-me para irmos trabalhar. Que tinhamos de jantar e fazer as nossas horas e que, na manhã seguinte, a Governanta teria de me encontrar uma farda.

Ao sairmos montámos na Lambretta e vamos por aí abaixo nas calmas. Era noite cerrada e fazio um calor irrespirável. Eilat à noite era apenas algumas luzes que tremeluzavam aqui e ali. Lá em baixo, ao fundo, à beira do Golfo de Akabá, A Raínha do Sabá fulgurava sob os holofotes. Do outro lado do golfo, as milhentas luzes de Akabá reflectiam-se, ondulando mansamente, sobre as águas dormentes do golfo. Os únicos ruídos eram o motor da Lambretta, os grilos ralos e, de vez em quando, vindo dos contrafundos do Deserto adormecido, alguns uivos de lobos perdidos na noite.

Chagados ao hotel o Miki arrumou a sua Lambretta contra um muro exterior do hotel, ali logo à entrada. Entrámos para receber das mãos da Bábara - uma loira muito bem apresentada na sua farda castanha - que me desejou as boas-vindas enquanto entregava ao Miki o seu turno e as instruções para a noite. O Mr. Neiland já tinha ido para a cama e, do Bar do hall, quase em frente da recepção, chegava até nós música muito alta, as vozes de muita gente muito animada, e o tilintar de alguns copos certamente bem atestados. Havia uma pequena porta que nos conduzia a uma outra depedência na rectaguarda da recepção, onde estava instalado o P.B.X., onde um jantar para dois nos aguadava. Enquanto o Miki se ocupava dos hóspedes que se chegavam à recepção para algum qualquer serviço, eu ingeri metade daquele jantar para dois. Depois fui eu para a recepção enquanto o Miki acabava os restos desses manjares por mim deixados. A essa hora havia já pouco movimento no hall, apenas clientes do Bar que, meios ébrios, vinham buscar a sua chave para subirem aos seus aposentos, para bem curtirem a piela depois da devida “pirocada” nas respectivas consortes ou uma longa e desabrida foda nalguma distraída ninfa pescada no bar, ou ainda toda molhada acabada de sair dum mergulho na piscina.

Só começámos a entrar nas contas correntes quando a algazarra acalmou um pouco. Claro que esse trabalho eu jáconhecia, pois que, tal como o Miki, o tínhamos aprendido juntos no Tadmor. O trabalho foi rápido porque tudo se tinha passado bem durante os dois turnos diurnos. Caso contrário, por vezes, para se encontrar uma diferença dum cêntimo, tinhamos que percorrer todas a contas dos clientes para ver onde se encontrava o logro, e isso podia tomar-nos a noite toda.

Depois do trabalho terminado, o Miki mostrou-me o hotel todo. Havia o hall e, nesse espaço, haviam os elevadores que subiam e desciam o tempo todo, um pouco mais calmos durante a noite. Havia a passagem para a grande sala de jantar do hóspedes e, mesmo ao lado, o Bar. O Bar era enorme e havia um reboliço infernal. Daí passava-se para o grande jardim das traseiras onde se encontrava a pequena piscina, onde, contaram-me depois, os camelos vinham matar sede durante a noite e, que, uma dessas noites, um deles apeteceu-lhe um copo e entrou no Bar, o que causou quase uma catátrofe, pois que os clientes começaram aos gritos, e o camelo assarapantou-se e ia atirando com algumas mesas ao chão. Depois Miki deu-me algumas chaves de quartos disponíveis, para eu ir visitar e ver que tipo de quartos eu proporia aos futuros clientes. Os quartos eram todos espaçosos, bem mobilados, espaçosas casas de banho, e uma grande varanda a dar para Akabá e, as dos quartos das traseiras, que davam para o Deserto. Aí eu já começava a prever um sério problema técnico: iria certamente ter hóspedes que prefeririam quartos com vista para o Deserto, e outros iriam preferir com vista para Akabá, para esse belo Golfo do Mar Vermelho! Duma dessas varandas espreitei aquele céu coberto de míriades de estelas cintilantes. O calor permanacia e parecia bafejar as águas tranquilas do Golfo, onde as foscas luzes de Akabá, como lamparinas, ondulavam mansamente, como preguiçosas serpentes sem pressa de chegar à costa, numa repetitiva e constante cintilação duma infinita e efémera beleza.

O resto da noite, depois de terem fechado o Bar, foi traquila. O Miki levou-me lá fora através da entrada principal, para me mostrar aquele romântico pequeno lago com um grande repuxo ao meio, onde, nas suas águas froxamente iluminadas, centenas de peixes de todas as cores que, ou dormiam a nadar, ou nadavam a dormir. Era nesse lago que, durante o dia, os camelos selvagens vinham matar a sede com a sua progenitura. Mostrou-me igualmente o campo de Ténis onde nós num futuro muito próximo aprenderíamos a usar as raquetes. Miki apontou-me aquela lua dum tamanho desmesurado que, mesmo assim, não conseguia apagar aquele deslumbrante fulgir desses milhões de estrelas cintilando. Sentámo-nos na borda desse lago para fumarmos um cigarro. Miki foi abrir a janela que dava para a recepção, no caso do telefone tocar. Passámos aí uns bons momentos a despeito do calor que nos mordia a pele. Miki aproveitou esses instantes para se desculpar da sua agressividade quando tínhamos batido à sua porta “ao meio da noite”, como ele se referiu. Depois abordou a causa da sua recusa de partilhar o mesmo apartamento comigo. Que no Tadmor tinham reparado que eu andava sempre pendurado no belo Mário, e que havia um senhor muito loiro que quase todos os dias esperava por mim no seu descapotável, mesmo em frenta da Pnimiá. Que todos, a meia-voz, falavam da minha suspeitosa atração pelos homens. Disse-lhe que não era problema, que a Governanta tinha prometido encontrar-me um outro quarto. Ele reagiu quase brutalmente, afirmando que se estava cagando para os outros, que ele gostava de mim tal como eu era, precisamente porque não era como toda a gente. Que eu era especial! Depois, pousando uma das suas mãos sobre o meu ombro, disse-me quase paternalmente:

- Carmo! Agora vais descançar um pouco sobre um dos canapés do hall enquanto eu acabo o meu trabalho, e depois ficas tu acordado para controlar o tráfego, e eu vou fazer uma soneca!

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