dimanche 6 septembre 2009

Anúncios da cidade











Era nesse pequeno quarto com janela para o telhado, em casa da Palmira, que eu adormecia vendo - mesmo com os olhos fechados - as cores luminosas dos "neon" da Rua da Prata, multiplicadamente se fundindo uns nos outros. Foi neste quarto, obsecado por essa pequena janeja sobre o telhado, que dei à luz um poema ao qual dei o título de


TINTAS

Anúncios da cidade
Verdes azuis encarnados
a palpitar no noite
A manter uma claridade!
Meu coração
Anúncio sem reposta
A palpitar na noite
Dos sonhos ultrapassados!

O caixote de lixo entornado
É verde! Azul! Encarnado!
O cadáver hirto de um afogado
É verde! Azul! Encarnado!
O sangue no chão derramado
É verde! Azul! Encarnado!
O peso de um corpo cansado
É verde! Azul! Encarnado!
A prostituta abstracta
À espera no quarto abafado
Apenas espera
Verde! Azul! Encarnado!
Um corpo nu sobre outro corpo nu
-belo ou deforamado-
Apenas consegue
Verde! Azul! Encarnado!
Um sexo e outro sexo
Num movimento sincopado
Apenas realizam
Verde! Azul! Encarnado!
O amor sobre um morto chorado
É verde! Azul! Encarnado!
Um pálido pulso dilacerado
É verde! Azul! Encarnado!
A necessidade de recordar o passado
É verde! Azul! Encarnado!
O desejar um amor censurado
É verde! Azul! Encarnado!

E eu
Que não admitia a verdade das cores
Subi à colina e gritei
Enraivecido e apaixonado:
Branco! Preto! Doirado!
Mas
A verdadeira côr de todas as coisas
Desabou sobre a minha branca pureza
A minha negra tristeza
O meu ideal doirado!

Para não endoidecer
Pus-me tambem a fazer
Verde! Azul! Encarnado!
Verde! Azul! Encarnado!

Agora
Vida fora
Qpenas vou pedir
Verde! Azul! Encarnado!
Verde! Azul! Encarnado!
Verde! Azul! Encarnado!

Um grito num círculo fechado
É um grito escusado
Não vale a pena gritar!

E meus olhos vão ardendo
Como dois círios num altar!



Rogério do Carmo
Lisboa, 1959

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