dimanche 6 septembre 2009
A Pensão da Palmira
Depois dos mal entendidos entre a Palmira e a Dona Amália, e os boatos entre mim e o Silva, o ambiente começou a ficar realmente muito tenço entre todos nós. Um dia a Palmira combinou com todos os rapazes irmos tomar um copo ao Café Gelo, que tinha um plano que que ela gostaria de realizar, mas que precisava do nosso apoio! O plano era que ela queria agarrar uma casa que estava para alugar na Rua da Prata, para nos arrancar às garras da Dona Amália. Que ela nos faria um preço mais razoável, que a comida seria a mesma pois que era ela quem cozinhava. Como a Palmira era uma mulher muito maternal e carinhosa, prometemos todos de mudarmo-nos para casa dela quando ela estivesse organizada. Ela prometeu despachar-se, que estava farta da Dona Amália e dos seus pretenciosismos, que queria a sua independência!
Um certo domingo à tarde a Palmira leva-nos a visitar a casa para ver se estávamos de acordo para nos mudármos para lá. A casa era num sexto-andar, em cima do telhado, do – penso - 242 da Rua da Prata. Os quartos eram pequenos, com um teto inclinado, cada qual com uma pequena janela para o telhado. O único problema era que na Dona Amália era apenas um segundo-andar, e na Palmira era um sexto-andar sem elevador. Mas como éramos todos jovens isso não nos preocupou particularmente. Sobretudo porque com a Palmira pagaríamos apenas 150 escudos por semana. A casa tinha apenas uma grande casa de jantar e uma pequena cozinha que davam para a rua, e dois quartos para as traseiras. Um desses quartos, o maior, seria o quarto da Palmira, o mais pequeno seria para mim e o Nunes. Contente da vida! Finalmente iria poder dormir mais perto do Nunes! Os outros rapazes viriam apenas almoçar, como com a Dona Amália. Pusémo-nos todos de acordo e descemos para irmos celebrar com uma ginginha, ali ao pé do Arco Bandeira, aquela pitoresca tasca: “A Ginginha”!
Em casa da Dona Amália as coisas continuavam bastante turvas. Ela parecia fechar-se em copas com todos os demais. Mesmo com o Silva ela parecia bastante afastada. Comigo então nem se fala! Estou certo que ou o Silva tinha batido com a língua nos dentes - o que muito duvido - ou que ela, da janela do seu quarto, que dava para a Praça da Figueira, me tinha talvez visto entrar na sua escada. Até o Silva parecia não querer trocar olhares comigo, como dantes o fazia. Comecei fortemente a desejar que a Palmira se mudasse. Entre a Palmira e a Amália era como entre o cão e o gato. Haviam arranhões e mordidelas de parte a parte. Comecei a pensar que, para mim, o melhor seria talvez voltar para o Gavião, se a minha cama ainda estivesse livre. Mas havia o Nunes, o tão apetitoso, a reter-me...
Um dia fui visitar a Dona Alice. Não lhe toquei no assunto, mas, mesmo assim, perguntei-lhe se ela tinha entretanto encontrado outros rapazes. Ela disse-me que não, que tinha posto alguns anúncios nos jornais, mas que ninguém respondera! Que agora toda a gente queria era alugar estúdios, uma nova moda que tinha subitamente aparecido em Lisboa. Prédios modernos com uma pequena dependência, casa de banho e “kitchinette”, com pequenas varandas para a rua, ali na Praça dos Estados Unidos da América. Que o Zé Barbeiro tinha um amigo que estava para vir para casa dela mas que, no fim, preferiu alugar um pequeno estúdio ali na João XXI! Continuei bastante indeciso. Faltava-me agora ver se a Palmira alugava a tal casa e nos pudéssemos mudar para outro ambiente menos conflituoso.
No Lumiar continuavam as propostas para curtas metragens estilo Aldeia da Roupa Branca. Nada de um pouco mais ambicioso. Haviam, claro, todas as quartas-feiras, esse dia quase todo passado com o Nuno no Lumiar para os seus programas de variedades em directo. Isso era sempre muito agradável. Começavam a aprecerem novas vedetas da canção, como a Julia Barroso e Fátima Bravo, e outras, cujos nomes me passaram da cabeça. O que havia muito mais eram novos fadistas e grandes guitarristas. De vez em quando lá apareciam também artistas espanhois e italianos. Também alguns franceses. Na Amaro & Mota era sempre a rotina do costume. Manhãs passadas nas pistas, almoços na casa de pasto, pois que a Dona Amália porque, entretanto a Palmira tinha-se despedido, não chegava para tudo. Assim eu pagava pensão completa na Amália e depois tinha ainda de pagar a refeição na casa de pasto. Nessa casa de pasto comia-se bem e barato, mas não era justo eu pagar dois almoços por dia!
Quando a Palmira um dia me esperou à porta lá em baixo, quando eu ia apanhar o autocarro da manhã para ir para o aeroporto, ela pediu-me que dissesse à malta toda que a viessem ver no domingo à tarde no 242 Rua da Prata, que ela tinha alugado a casa e que andava a gora a mobilá-la, que tudo estaria pronto dentro de dias. Que passasse a mensagem aos outros. Eu transmiti as novas ao resto da malta, e nesse domingo à tarde lá estávamos todos reunidos na grande casa de jantar da Palmira, com uma grande mesa e seis cadeiras à volta. A Palmira fez-nos café e serviu-nos filhoses que ela tinha feito para a ocasião. Ficou combinado que todos diríamos à Dona Amália que só ficávamos até ao fim da semana. No dia previsto, eu e o Nunes mudámo-nos para a casa da Palmira. O Cabrita e o João viriam apenas almoçar. Claro que o Silva não apareceu. Nunca mais soube nada da Dona Amália nem do Silva. Começámos uma nova vida em casa da Palmira. A comida era excelente e o ambiente bastante descontraído. Ao almoço começaram a aparecer novas caras para almoçarem connnsco. Tudo corria às mil maravilhas, excepto a casa de banho que não tinha banheira nem chuveiro. Havia apenas o lavatório, um bidé, e uma tina de zinco pendurada na parede, como nos velhos tempos da minha meninice.
Gozámos uma grande harmonia até ao dia que um amigo da Palmira, que vinha de vez em quado dormir com ela, que trabalhava na Marinha Mercante, e que andava sempre em viagem. Ele vinha regularmente aliviar os testículos, mas inesperadamente começou a tomar atitudes de chulo, a comer e a beber à custa da Palmira, a fornicar quando lhe dava na gana e, sobretudo, a sacar todas as economias que a Palmira punha de parte para as despesas da casa. A Palmira viu-se obrigada a abrir uma conta num Banco para se proteger do chulo, mas se ela recusasse um cheque que ele lhe exigia, ele dava-lhe porrada até lhe partir os ossos. Ela começou a andar de olhos negros e a chorar pelos cantos. Felizmente o chulo só vinha de vez em quando, pois que andava sempre no alto mar no seu trabalho de embarcadiço.
Eu e o Nunes, agora compartilhando o mesmo quarto, vivíamos momentos bastante desconfortáveis. Não estávamos à vontade. Nem um nem outro. Eu porque me apetecia ir-lhe para cima, ele, talvez, com receio de não poder resistir a ter os mesmos desejos. Talvez aceitasse mal esse fantasma que dentro dele dormitava desde o dia em que, pela primeira vez, descobrira que tinha algo entre as pernas, com o qual não sabia verdadeiramente o que fazer com essa dádiva do Criador. Ele não tinha namorada, nem amigos amaricados. Talvez se contentasse com apenas as frequentes masturabações antes adormecer, ali a um metro de mim, eu que lhe podia mostrar e ensinar os sinuosos caminhos do gozo genital. Mas ele fechava-se de tal modo que eu não ousava atacar, passar esse pequeno fosso que nos separava, derrubar as altas muralhas atrás das quais ele se refugiava, se protegia das minhas setas atiradas ao acaso pelo ar, sem ter realmente um alvo certo onde as apontar. Que noites de tormento para certamente ambos!
Uma noite o chulo chega a casa com um colega para almoçar e disse à Palmira que ele ficaria uma noite lá em casa e que ambos partiriam na manhã seguinte por duas semanas. Aqui foi mais outro problema de abuso de poder do seu chulo, pois que ela só tinha a sua cama de casal que compartilhava com ele quando das suas aparições, e o outro quarto com as duas pequenas camas, que era o quarto que eu e o Nunes compartilhávamos. A Palmira viu-se obrigada a fazer a minha cama de lavado para o inesperado visitante, e eu teria de dormir - só aquela noite -com o Nunes. Que interminável e dolorosa essa noite foi! Antes de mais nada o visitante ressonava que nem um labrego, depois a cama do Nunes era tão estreita que só a cavalo um do outro a coisa seria possível. O Nunes virou-se para a parede, voltando-me as costas. As nádegas do Nunes ali mesmo em frente do meu bem apontado arpão. Eu todo colado ao seu belo e desejado jovem corpo, ele entalado entre a parede e o meu desejo incontrolável. Nem um nem outro dormiu nessa noite. Ambos engolimos em seco a noite toda, ao som dos roncos do indesejado visitante. Nem um nem outro ousou levar a cabo um desejo que, tão evidente, era mútuo! Estou certo que nem eu nem ele esqueceu essa tormentosa noite de desejos insatisfeitos. Cheguei a pensar e a desejar que depois dessa noite, quando as nossas vidas voltassem à normal rotina, que ambos sós, no mesmo quarto, à porta fechada, um de nós faria o primeiro gesto para abrir o dique, deixar a água jorrar livremente, a inundar os nossos camuflados desejos. Um autêntico suplício de Tántalo! Suplício esse que, tantos anos passados, ainda me frustra!
Durante uns tempos a minha vida corria-me menos mal. No Aeroporto eu era feliz com o meu trabalho, com os meus colegas e dirigentes. O Engenheiro Taínha estava lá sempre presente quando eu prescisava de apoio. Ele gostava de me ver ocasionalmente naquelas pequenas aparições na televisão e aconselhava-me a ir para a frente, que um dia eu seria um grande actor. No Lumiar também tudo me corria bem. O Nuno Fradique sempre aberto às minhas sugestões de encenação, o Pedro Pinheiro sempre presente com a sua amizade e partilhas de sonhos dourados de sucesso! Apenas, sexualmente, não querendo voltar ao Cais do Sodré nem Parque Eduardo VII, andava faminto! Apercebi-me então da presença dum novato que acabava de chegar como figurante. Ele era um belo jovem de boas famílias que vivia com os seus pais numa grande vila ali perto de Oeiras. Ele utilizava a garagem dos seus pais par organizar pequenas festas entre amigos. A primeira festa a que fui convidado fiquei surpreendido pelo facto que todos os convidados eram rapazes novos muito bem arreados, com toquezinhos abertamente efeminados. Haviam “drinks” à farta e montes de “tapas”, e um gira-discos que rodava sem parar. Os rapazes dançavam entre eles. Alguns deles me vieram buscar para dançar, mas sempre recusei. Algo de “muito português” me impedia de entrar na roda. O único convite que aceitei foi o dum belo janota que se chamava Sebastião, que me propôs acompnhar-me a casa no seu descapotável.
Chegados ao 242 da Rua da Prata, ele encosta o seu carro e pergunta-me se podia subir para tomra um “drink”. Expliquei-lhe as condições do meu alojamento, que não podia receber visitas a umas horas daquelas. Que vivia num sexto-andar sem elevador... aí ele pergunta-me se podíamos ao menos subir ao segundo-andar e trocar uns beijos gulosos. Com uma mão abri-lhe a porta, com a outra apontei-lhe o caminho! Nessa noite ele fez-me sentir como uma ave de rapina com as garras todas de fora prontas a aprisionar a primeira presa que se me deparasse. Ele pede-me um instante, que ia buscar algo ao carro. Voltou muito saltitante e galgou até ao segundo-andar como uma doninha. Lá chegados, contra uma parede, depois de umas dezenas de beijos de fogo, as suas calças, como por milagre, desceram até aos joelhos, e na sua mão estendida, aquilo que ele tinha ido buscar ao carro: um tubo de vaselina. Eram duas da manhã e nesse segundo andar não morava ninguém! Eram apenas escritórios abertos das nove da manhã até às sete da tarde. Muito conveniente para uma bastante ruidosa investida! Durou pouco, mas ficou para sempre na minha memória. Nessa noite fomos ambos à guerra e ambos saímos vencedores. Mais uma bela conquista que nunca figurará na História de Portugal, pois que não tinha nada a ver com o Dom Afonso Henriques, mas muito mais a ver com El-Rey Dom Sebastião que, ao despedir-se, antes de remontar no seu alazão, prometeu voltar “um destes dias”, mas que, até à data, ainda não me não reapareceu em nenhuma das muitas densas manhãs de nevoeiro que por mim passaram!
Chegado ao sexto-andar abro a porta muito cuidadosamente para não acordar ninguém. Ao entrar no quarto não acendi a luz para não acordar o Nunes. O Nunes, semi-nu sobre a sua desfeita cama, banhado por um luar cortado pelos rápidos flashes dos “neons” multicores da rua, langorosamente se volta, pondo a nu as suas níveas nádegas, gemendo:
- Rogério... por onde é que andaste... já é tão tarde...
Desejei cair-lhe em cima mas estava tão estafado e sexualmente tão satisfeito, que repliquei:
- Tu é que chegas tarde! Devias ter-me feito essa pergunta ontem à noite quando fomos para a cama por volta das dez, quando eu estava com uma fome que nem via!
Mais uma e última vez eu perdia o combóio com o Nunes...
No outro dia de manhão, ao pequeno almoço, o Nunes acusa-me de eu ser um grande vadio, de andar sempre na borga, e a Palmira anuncia-nos com lágrimas nos olhos que tínhamos de procurar outra pensão pois que ela ia mudar de casa para bem longe de Lisboa para que o chulo nunca mais soubesse do seu paradeiro para a roubar e espancar, que já nem sequer se punha nela!
O Nunes nunca cheguei a saber para onde seguiu, nunca mais o vi nem ouvi falar dele! Os outros rapazes que vinha só para almoçar parece que voltaram para a Dona Amália. A Palmira esfumou-se para nunca mais dar sinais de vida. Passou-me pela cabeça voltar para o Gavião Branco. A Dona Alice censurava-me de andar sempre a mudar de emprego, agora, estava quase certo que ela me acusaria de andar sempre a mudar de Pensão!
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