lundi 12 octobre 2009
Quero Que Os Meus dois Caixões
Enquanto há vida há esperança! Caguei no 2009! Voltemos aos 1959! Eu era tão feliz no Hod! Adorava o meu trabalho, as pessoas com quem trabalhava! Adorava o sol e o céu sempre azul onde raramente uma nuvem fugazmente deambulava! Até a efemeridade de cada dia que passava eu venerava! Eu queria era festa, gozar a vida até ao meu tão temido último instante! Para mim o tempo tinha parado! Só eu é que tinha que andar para a frente! Rir, foder, comer, cagar, só lamentando não poder tudo reciclar. Contentar-me com cada momento que passa sem o tentar agarrar! Escrever! Escrever tudo isto que nunca ninguém virá a ler. Ser eu e não quem eu devia ter sido, quem tanto quis ser, mas Deus condenou-me a outro Fado! Como com as letras da palavra Fado também se pode escrever a palavra Foda, que se foda! Fodamos! Mandemos foder aqueles que não fodem porque parece mal! Esses é que estão fodidos! A minha última vontade vai certamente ser uma boa foda! Que se foda o cangalheiro! Entretanto, vivamos, recordemos o nosso passado tão bem e por vezes tão mal passado!
Por essa e muitas outras razões, sempre que o Robin me vinha buscar às onze da noite para mais outra longa noite de fodas, eu era a fêmea que o Robin queria ter nos seus braços! Isto até ao dia em que ele me disse que ia começar o seu trabalho em Geneva, na Suíça, que depois me escreveria. Que talvez eu quisesse um dia vir trabalhar com ele em Geneva. Viver com ele! Que depois ele me escreveria e me enviaria a sua morada nessa cidade! Depois, antes do último beijo de despedida, deu-me uma foto sua – linda! – para eu pôr na minha carteira, para que ele ficasse comigo até que nos reuníssemos em Geneva. Essa foto emoldurei-a e andou sempre comigo em viagem. Para onde quer que eu fosse ela se pousaria sobre a minha mesa de cabeceira! Era a primeira coisa que eu via ao acordar, a última que acariciava com os meus olhos antes de os fechar!
Porém, um dia, à beira do suicídio, enviei todas as fotos de todos os meus amantes, incluindo a do Robin, à Zinha, para que ela as guardasse! Zinha entretanto mudou-se para a Vila Velha, e está agora ali deitadinha a dois passos do meu irmão Alberto, do meu pai, da minha mãe! Nunca saberei onde foram parar todas essas minhas fotos! Por essa razão, adeus Robin! Que se foda o Robin! Vamos mas é foder o Issa! Aquele corpo adeusado que Deus me tinha posto no meu caminho! Issa que, quando eu fazia as noites que o Yoska estava de folga, me vinha sempre visitar, para me dar uma mão. O que eu queria que ele me desse, era o cu! Já agora, também o resto do seu corpo, incluindo as suas belas mãos morenas de ex-marinheiro da Marinha Mercante! Issa não recusava a minha boca, os meus beijos, mas também nunca os retribuiu! A tal coisa do “parece mal”! Por essa razão eu preferia aqueles que se estavam nas tintas para o parece mal, e que andavam já de cu untado, à noite, no Gan Ha’Atzmaut, em busca de enchidos! Meus ou fosse de quem fosse, tomando em conta que a vida são dois dias e que tantos anos já passaram! Esses tantos anos que, aos poucos, me vão matando!
O medo da morte me levaria outra vez a estar à beira do precipício para me lançar e nunca me lancei! Desta vez enviei todos os meus poemas escritos em Mafra, quando era puto, páginas amarelecidas pelos anos, dactilografadas, com montes de correcções feitas à mão, com um lápis mal afiado, à minha querida Amália! Nem sequer sabia a sua morada! Pus no envelope: Amália Rodrigues, Rua da Amália, Lisboa, Portugal, e ela recebeu-os! Muitos anos mais tarde ela me diria que tinha lido tudo, que se identificava muito com aquilo que eu escrevia, que tinha posto tudo nas mãos do Ary dos Santos para ele fazer-me conhecer junto dos poetas seus contemporâneos! E mais tarde ainda, ao ocasionalmente escutar uma rádio, anunciaram o Ary dos Santos, que ia recitar uma poesia de sua autoria. Escutei com atenção. Ele mencionou muitos nomes e, para meu espanto, um dos seus versos era: “e ao Rogério que eu nunca disse”! – Tenho a gravação!
Quando eu for ter com o Ary e a Amália, e todos os outros que amei, quero que, juntamente com o meu corpo, enterrem comigo um pequeno caixão todo branco, carregando em si tudo o que eu amei, o que eu viajei, o que eu sonhei, tudo o que escrevi – como isto que estou a escrever neste momento – e que nunca ninguém virá a ler! Que tudo o que fui e o que fiz, seja enterrado bem fundo ou, melhor ainda, ir por esses ares fora, numa imensa fumarada!
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