jeudi 24 décembre 2009
A Odisseia dos Renegados
O problema foi que esse grande génio do cinema francês tinha-me telefonado na quinta-feira, e eu só tinha até domingo para me organizar. A primeira coisa que fiz foi telefonar às duas madames que eu “servia” todas as segundas-feiras, a prevenir que eu nesse dia não poderia cumprir o nosso contrato. Elas ficaram fulas e eu tive de me precaver e não as mandar ao raio que as partam! Eu queria que elas um dia fossem ao cinema com as amigas e quando eu aparecesse no ecrã elas saltarem na cadeira e dizerem umas às outras: Olha quem é! Nunca esperei! Era o meu “homem-a-dias”!
Na sexta-feira esse grande realizador voltou a telefonar-me. Pensei que ele me queria dar algumas instruções, mas não! Ele queria apenas fazer uma simples pergunta: Você é Judeu? Tomando em conta o problema do anti-semitismo em França, disse que não era! No dia seguinte – Shabbat - ele volta a telefonar-me a dizer-me que, afinal de contas, não havia nenhum papel para mim no seu filme e, sem qualquer desculpa ou explicação, desliga-me na cara! Fiquei absolutamente arrasado! Não compreendia porque razão ele tinha, dum dia para o outro, mudado de opiniões acerca dos planos que ele tivera de fazer de mim uma vedeta, para o qual ele me tinha arrancado ao meu querido Hilton! O mais doloroso de tudo, foi ainda, eu ter compreendido sem grandes dificuldades, que eu estava condenado a ser “homem-a-dias” para o resto dos meus dias! Ou até que certos absurdos fanatismos fossem finalmente destronados!
Lá continuei a viver o meu reles dia-a-dia sem nada poder fazer para sair do meu beco sem saída. Eu poderia ter voltado para o Hilton! A Glória, quando duma curta visita a Tel Aviv, tinha-me aconselhado a voltar, que no Hilton haveria sempre trabalho para mim! Mas o Pat não estava muito pelos ajustes e, sobretudo, eu tinha decidido provar a mim mesmo e a todos os demais, que eu podia realmente vir a ser uma grande vedeta do cinema francês! Como essa idéia de fazer cinema se tinha enraízado em mim duma forma quase doentia, decidi tentar a sorte com outros realizadores. Eu queria provar a essa porcaria de criatura que me arrancara ao país e ao emprego que eu tanto amava, que mesmo sem ele eu viria a ser um dia uma grande vedeta!
Comecei por me inscrever em várias Agências Artísticas. Preenchi os meus contratos como sendo Rogério do Carmo, dando a morada e todos os outros pedidos formulados. Continuei a fazer limpeza aguardando ser eventualmente convocado para prestar provas. O telefone não tocava e o carteiro não me batia à porta. Apenas uma vez fui convocado para prestar provas no Museu do Louvre. Pensei que talvez desta vez tudo se passasse bem, pois que em Portugal, com o Nuno Fradique, na televisão, tudo se passara sempre pelo melhor. Depois fizera aquele pequeno papel no filme “Encontro com a Vida”, do arthur Duarte, com o Rogério Paulo, e a revista Plateia dera-me aquela boa crítica dizendo que as Portas do Cinema se tinham aberto para mim! Que o papel tinha sido pequeno, mas que António Vilar e Virgílio Teixeira tinham começado assim!
Ao chegar ao Louvre pergunto onde encontrar a pessoa encarregada dessas provas e fui encaminhado para uma pequena sala onde já haviam vários outros jovens sentados à espera dum milagre. Dirigi-me à secretária onde estava um cavalheiro sentado e apresentei-me com a minha convocação. Ele olhou-me, como sempre, de alto a baixo, e estendeu-me uma folha para eu preencher. Sentei-me a um canto e preenchi essa folha. Pus o meu nome e morada e respondi a todas, muitas e várias perguntas. Quando me pediram qual a minha religião eu escrevi “nenhuma”! Esse cavalheiro depois de ter verificado se a minha folha estava convenientemente preenchida, olha-me por cima dos óculos e perguntou-me se eu era Judeu. Uma vez mais, pelas mesmíssimas razões, disse que não era Judeu! Ele pôs a minha folha de parte e disse-me que eu seria contactado mais tarde, pelo correio. Ao abandonar a sala perguntei a mim mesmo qual a razão eu não prestava as minhas provas nesse mesmo dia, para o qual, tal como todos os outros, tinha sido convocado!
Continuei a fazer as minhas “limpezas” mas, um dia, ao ver ali tão perto da Porte de Saint-Cloud, aquele altíssimo Hotel Sofitel ali no periférico, dei lá um salto para tentar a minha sorte. Quando cheguei à recepção para pedir para falar com o Chefe do Pessoal, uma vez mais, tal como no passado, em Ramat Aviv, o recepcionista era um dos meus ex-condiscípulos do Tadamor Hote Training School! Ele ficou espantado de me ver ali na sua frente, e quando lhe expus o meu problema ele telefonou ao dito responsável, dizendo que eu era um amigo dele dos tempos da sua escola de hotelaria em Israel, que eu tinha sido o mais louvado de todos quando dos exames. Depois, desejando-me boa sorte, pediu a um bellboy que me acompanhasse ao escritório desse senhor. Lá chegado, depara-se-me um cavalheiro muito distinto que, muito profissionalmente, me convida a sentar-me na sua frente. Ele olhou-me penetrantemente nos olhos e perguntou-me se eu tinha o meu diploma do Tadmor. Claro que tinha! Estendi-lhe o diploma e todas as cartas de referências dos hotéis onde tinha trabalhado em Israel. Ele perscrutou longamente toda aquela papelada e logo me propôs um lugar na recepção. Seguidamente pediu-me igualmente a minha Carte de Séjour. Quando lhe disse que a minha carta de Séjour já não era válida, ele respondeu-me que não era problema, que ele trataria do assunto! Pediu-me para eu lhe confiar a minha carta e assinar um contrato, e disse-me que logo que ele recebece a minha nova Carte de Séjour me contactaria.
Ao sair do hotel fui a correr para a avenida de Versalhes fazer a minha limpeza da tarde. Cheguei atrasado mas expliquei à senhora o que se tinha realmente passado. Ela desejou-me boa sorte, dizendo-me que eu era uma pena andar a fazer limpezas, que merecia melhor sorte! Pela minha cabeça passou-me mais uma vez aquela história de eu merecer mais estar sobre um palco, do que a limpar os bastidores!
A minha penitência de nunca saberei que pecado, arrastou-se pelo tempo fora na expectativa de ser convocado de novo ao Louvre para prestar provas, e de ser contactado pelo Sofitel informando-me dos resultados dos seus eforços de revalidar a minha Carte de Séjour para que eu pudesse começar a trabalhar na minha profissão. As limpezas continuavam a ser aquela pequena cunha que eu utilizava para não resvalar ainda mais baixo na minha situação. O Pat estava sempre lá para me amparar, mas eu queria ser dono do meu destino.
Uma noite, depois de jantar, fomos ver um pouco de televisão. Caímos em cima duma longa entrevista a um daqueles muitos, demasiados pseudo-actores que por aí andam - hoje, amanhã e sempre - a fazer cinema, teatro, discos com cantigas de merda, “one’man show”, televisões umas atrás das outras, publicarem as suas memórias escritas por uma indústria de aldrabices, sem talento seja para o que for, apenas por serem filhos, primos, cunhados, de alguma outra vedeta decadente! Nessa noite, nessa entrevista, depois de um chorrilho de baboseiras, afirmou, alto e tolamente, que para se fazer cinema é preciso ser-se Judeu! Nessa noite comecei a compreender o que se estava realmente a passar comigo e indiferença dessas pessoas todas que tinha contactado para dar o meu primeiro passo na Arte de representar!
Na manhã seguinte faltei a uma das minhas limpezas e voltei a todas essas agências artísticas por onde tinha passado, e voltei a preencher essas tais folhas com as nossas referências e onde tinha de escrever o meu nome pus Ruben Carmowsky e, mais abaixo, onde devia pôr qual o meu pseudónimo, pus Rogério do Carmo! Dias depois começaram a chover as propostas para fazer figurações em filmes em rodagem nessa altura. Demiti-me da Agência de Limpezas e comecei a andar de seca e meca a “botar figura” perante essas miraculosas câmeras que divulgam as nossas fuças! Pouco a pouco comecei a ser notado. Pouco a pouco comecei a acreditar que poderia dar uma grande chapada naquele realizador que destruíra o meu futuro!
Pelo facto de eu falar Hebraico, comecei a ter ainda mais propostas. Como também falava Inglês fui contratado para um filme inglês como tradutor. Era eu que traduzia as ordens do realizador inglês aos milhares de figurantes! As filmagens duraram três semanas e andámos de terra em terra a acabámos numa grande batalha no Chateau de Vincènes!
Depois foram altos e baixos e como não podia ficar inactivo demasiado tempo, aceitei uma proposta duma colega do Pat que tinha um bébé de nove meses e procurava alguém que tomasse conta da sua casa e do seu bébé. Aí começou uma das mais belas histórias de amor da minha vida! Foi a “minha” Vává!
Quanto ao aprendiz de fazedor de vedetas, muitos anos mais tarde, foi por mim entrevistado numa rádio! Quando ele entrou no estúdio e viu quem era o entrevistador, olha para mim muito surpreendido e clamou:
- Eu bem lhe tinha dito, Roger! Em Paris você seria uma grande vedeta!
A minha resposta foi:
- Grande vedeta, o caraças! Para estar agora aqui na sua frente e ter de jantar esta noite, tive de andar a fuçar a manhã toda, a limpar a merda dos outros!
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