samedi 5 décembre 2009

A Casa de Paio Mendes


Essa casa na Jules Ferry passou a ser também a casa do meu irmão Fernando quando o fui buscar a Austerlitz para ele vir trabalhar para o Claridge como cavista. No escritório, pus-lhe uma pequena cama junto à porta que dava para o terraço das traseiras, onde haviam aqueles poucos degraus que nos levavam ao quintal. Nesse terraço pus uma pequena mesa de plástico e duas cadeiras, para lhe fazer uma espécie de sala para ele estar à vontade. Ele instalou-se e começou o seu trabalho no hotel. Tudo correu bem até ao dia em que ele, sendo o responsável da cave, esse espaço coberto de garrafeiras a estoirarem de garrafas, garrafas a estoirarem de bons vinhos, ele começou a interessar-se exageradamente em saber como conhecer os vinhos e, para isso, tinha de os provar. Tanto provou que deu em alcoólico e o seu alcoolismo deu em catástrofe. Ninguém o podia aturar com as suas violentas birras. Quem mandava lá em casa era ele! Fez-nos a vida tão negra que me vi forçado a arranjar-lhe quarto no hotel. O senhor Taieb lá lhe encontrou um pequeno canto muito perto do Standard. Vi-me livre dele lá em casa mas, depois, tinha de o aturar os dias todos com as suas pielas. Quando eu descia ao refeitório do pessoal para almoçar ou jantar, lá estava ele com as suas chalaças a provocar todos os demais. Tantos disparates fez que, ao fim, despediram-no e ele voltou para a sua casa e família em Portugal. A Lucília, quando se cansou do seu negócio de merciaria em Olival de Basto, trespassou o estabelecimento e voltou para a sua casa em Paio Mendes. Essa casa encantadora onde ela tinha nascido e onde eu algumas vezes passei belíssimas e inesqucíveis férias. Entre mim e essa casa cresceu entre nós uma imensa ternura e vontade de me ocupar dela e ela de mim.

Com o correr do tempo a Lucília envelheceu e pediu para se alojar num Lar em Ferreira de Zêzere para não ficar dependente do filho que vivia em Tomar, ou da filha que se tornara caseira duma grande quinta em Paio Mendes. Essa casa está hoje desabitada mas foi restaurada e a minha sobrinha ofereceu-me essa bela casa cheia de história, para eu arrecadar os meus ossos. Adoraria aceitar a oferta mas, o meu grande pavor é que, lá chegado, eu me limitaria a sentar-me no vão da janela e aquardar a chegada da Dona Miquelina, aquela senhora muito feia com uma grande foice na mão! Aqui em Paris, continuo um tanto activo com a Rádio Alfa (apenas projectos) e a escrever as minhas memórias. Como me disse a Carmen Dolores, com quem acabo agora mesmo de falar ao telefone, “Fazer do Passado Presente”! Eu não posso parar! Tenho de continuar a caminhar para a frente e sempre a fazer planos de futuro. Se eu parar encostado a uma amurada a ver o mar, poderei lá ficar horas e horas a contemplar esse maravilhoso vai e vem das ondas a rebentarem contra os rochedos mas, ficar aqui em minha casa a olhar as janelas fechadas dos vizinhos da frente, não! Como acabo agora mesmo de receber um mail a proporem-me trabalho num hotel em Londres, tenho de continuar a andar para a frente e a viver o mais que possa até que chegue até mim essa horrenda voz que, segundo os seus planos, me ordene: Basta!

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