mercredi 9 décembre 2009

O Regresso à Civilização






Entretanto, o Pat tinha alugado um carro e, ele e a Flossy, foram visitar Belem e o Mar Morto. Quando eles regressaram pedi ao David dois dias de folga para os poder acompanhar ao longo do Mar Vermelho, por esse Sinai fora, até Sharm-el-Sheick. Essa viagem foi algo fora de todos os sonhos que jamais ousara sonhar! Pegámos no carro e fomos por aí abaixo, ao acaso, sem termos sequer um mapa da região! Fomos avançando por essa estrada a rasgar o deserto, sem bússola nem programa estipulado. Entregámo-nos inteiramente nas mãos de Deus e das escaldantes areias do Deserto! A única frescura era aquela morna brisa que nos entrava pelas janelas, vindas lá daquele mar dum azul surpreendente!

Não haviam nessa estrada quaisquer sinais de trânsito! Era tudo para a frente ao encontro do desconhecido. Nesse dia senti o que talvez os grandes descobridores tenham sentido quando em busca de ignotas paragens! O calor era tal que nós apenas envergávamos os nossos fatos de banho. Cada vez que nos aparecia pela direita uma espécie de ladeira que nos levava até ao mar, embrenhávamos por ela adentro implorando um mergulho naquelas luminosas águas tão azuis, certamente mais frescas do que o ar que se respirava.

A nossa primeira descoberta foi Nueba, que mais tarde viria a ser a praia dos nudistas lá do sítio! Mas, nessa manhã, aquela imensa praia estava completamente deserta! Depois dum bom banho retomámos o caminho por essa estrada ladeada de dunas e montanhas e lá seguimos ao Deus dará, ver o que a sorte nos reservava. O deserto era duma arripiante beleza! Eram aqueles tons mate a confundirem-se uns nos outros como num caleidoscóio, a empastar as dunas e as mantanhas. Era Deus a dizer-nos quão pequeninos somos, a despeito das crenças de certos castiços que se tomam por Deus eles mesmos!

Começávamos a ter fome e nem uma única vila nos aparecia pela frente. Pareceu-nos que o deserto tinha devorado todo e qualquer ser vivente. Nem mesmo um camelo nos aparecia no caminho. Continuámos a grande velocidade, esperando que, ao menos, uma estação de serviço nos surgisse para encher o depósito e comer umas sandes. Afortunadamente, o Pat tinha tido o cuidado de se precaver com um pequeno depósito em plástico, cheio de gasolina até ao gargalo. Era a fome o que mais nos preocupava. Sede também não tínhamos pois que haviam algumas garrafas de água mineral no banco detrás, a rolarem umas contra as outras. Para bem dos nossos pecados apareceu-nos outro estreito caminho que descia até ao mar. Apanhámo-lo na esperança de que nessa praia que se chamava Dahab, houvesse um quiosque onde se pudesse petiscar algumas febras. A praia era um espanto! Apenas habitada por três palmeiras que tinha crescido da mesma raiz! Quiosque? Nem vê-lo!

Depois de mais um banho, à carga para continuar a viagem, pedindo a Deus que, ao menos, um beduino nos caísse do céu e nos informasse onde havia por ali um restaurante! Começámos a entrar em pânico! Voltar para trás não era aconcelhável, pois que o caminho já percorrido seria certamente mais longo do que o nosso próximo apeadeiro!

Lá continuámos, esperando que algo nos aparecesse pela frente, indicando-nos onde estávamos. Por sorte, mais adiante, descobrimos uma tabuleta anunciando Sharm-el-Sheick – 30 quilómetros. Era bom sinal! Certamente que aí encontraríamos um restaurante e um abrigo, pois que o sol começava a declinar.

Finalmente, apareceu-nos uma espécie de acampamento de beduínos. Havia um Café e algumas casotas estilo “iglu”, com uma pequena porta e uma minúscula janelinha redonda. Parámos o carro frente a esse Café sem qualquer problema. Só lá estavam uns tantos camelos amarrados a uma longa vara. Certamente o único meio de locomoção dos beduínos. Espaço não faltava.

Entrámos! Os únicos clientes eram os tais beduínos que tinham deixado o carro àporta. O proprietário, por detrás do balcão, convidou-nos a sentarmo-nos. Como nenhum de nós faláva Àrabe - receando falar Hebraico - atacámos em Inglês. Por sorte o patrão falava razoavelmente essa língua. Ele recebeu-nos com um grande sorriso e serviu-nos um “arak”, “on the house”! Depois comemos cada um uma “falafel” e pedimos sumo de laranja, pois que o “arak” era um bagaço que nos tinha incendiado o estômago!

Felizmente tínhamos Dóllars para fazer o pagamento, pois que a moeda Israelita seguramente seria desconhecida ou recusada. Ao dar-nos o troco apontou-nos um desses “iglus” e perguntou se queríamos passar a noite. Fomos ver como eram essas coisas por dentro e ficámos espantados! Haviam três camas e um chuveiro! Ideal para descançar os ossos. Fizémos um grande duche e depois fomos a pé visitar as redondezas. A noite já começava a descer. Fomos ver aquele magífico mar e percorremos um pouco do deserto. Senti-me como quase também um beduíno. Só me falatava o camelo! Depois voltámos ao Café e sentámo-nos de novo a descançar as pernas. O patrão propos-nos um “Kebab” que ao passar sob as minhas narinas cheirava como o melhor petisco do mundo inteiro. Ele propos-nos vinho local e, assim, lá foram três copaneiras! Depois do jantar sentámo-nos num penedo ali à beira mar a escutar o seu marulhar e a embebedar os olhos nos milhares de estrelas que, como já disse, ouvíamos, lá muito a longe, cintilar.

Depois dessa noite tão bem passada, mais um chuveiro e um salto ao Café para tomar o pequeno almoço. Depois apanhámos o carro para descermos até Ofira, o último apeadeiro desses tempos, ali mesmo em cima da fronteira com o Egipto. Nessa altura tods estes sítios eram possessões de Israel, obtidas durante a Guerra dos Seis Dias, os chamados “territórios ocupados”, que mais tarde foram restituídos aos Egipcios. Então, todos estes pontos no mapa eram totalmente desertificados. Depois, com a ocupação, Israel começou a popularizar estes sítios de sonho em atraentes chamarilhos turísticos. Agora, esses mesmos lugares que outrora foram pedaços de beleza natural,são agora grandes supermercados turísticos, como viria igualmente a acontecer a Eilat. Eilat era um paraíso! Actualmente são apenas monstruosos hotéis uns a cavalo nos outros, dum tamanho descomunal, com seus gigantes “néons”, para atrairem os turistas, assim como os mosquitos! Adeus deserto, adeus camelos, adeus beduínos, adeus noites estreladas! Adeus paraísos, ali entalados entre as rosadas montanhas do Sinai, as doiradas dunas, as azulinas águas do Mar Vermelho cortadas aqui e ali pelas brancas velas dum veleiro, e esse céu dum azul safira contiuamente rasgado pelas níveas asas das irrequietas gaivotas em busca de algum belo peixe que se afoitasse vir à tona à procura de um pouco mais da luz do sol e seus quentes raios!

Ofira era apenas uma pequena repetição do esplendor de Dahab e Shar-el-Seick, assim como o fim da linha. Eram as fronteiras inultrapassáveis com o Egipto e, aí, apenas o retorno! De regresso, ainda tentámos encontrar o famoso Alto de Santa Catarina, com o seu convento e monges que tinham decidido cortar as amarras com o resto do mundo. Eles vivem da lavoura, das suas preces, e sabe Deus que mais! A única saída era retomar a mesma estrada de volta a Eilat, revisitando esses mesmos polos de beleza natural. Ao repassarmos por Sharm-el-Sheick parámos para almoçar e trazer umas “falafels” num saco para não morrermos de fome nessa longa erma estrada que de novo nos aguardava. Claro que voltámos a mergulhar nessas fascinantes azul-escuras águas de Dahab! Flossy mergulhou e começou a nadar por esse mar fora e desapareceu por detrás dum morro perdido lá ao fundo. Andou por lá na laré durante três quartos de hora. Já estávamos a ficar seriamente preocupados quando, de súbito, a vemos lá ao longe a acenar-nos. Que alívio! Assim poderíamos seguir viagem sem problemas funerários!

O mais divertido dessa viagem de regresso foi, entre Dahab e Nueba, no carro, como tinha tirado o meu encharcado bikini e o pusera na ponta do meu indicador, por fora da janela aberta, a secar, um rasgo de vento arrebatou-mo, e o Pat teve de fazer marcha atrás para eu o recuperar. Saí todo nu e atravessei a estrada para ir em busca do meu tapa-misérias. Fi-lo sem quaisquer preocupações, pois que sabia que a estrada era toda nossa e que ninguém me surpreenderia todo nu no meio do deserto. De repente aparece, em sentido contrário, um outro carro a pouca velocidade. Nesse carro apenas um jovem que, abrandando, me pergunta se eu precisava de ajuda? Se precisava! Há eterniddes que eu não via o padeiro! Mas ele aparecera-me no momento menos exacto e o carro seguiu viagem!

Depois desse incidente, outras surpresas nos aguaradavam. Começámos a ver beduínos com os seus sobrecarregados camelos por esse deserto adentro. Chegados a Nueba, parámos para umas braçadas e umas dentadas nas nossas “falafels”! Mas estava a apetecer-me muito mais umas dentadinhas naquele belo chofer que me tinha proposto ajuda. Depois das “falafels” uma vez mais a Flossy se pôs a nadar na direcção do infinito. Eu e o Pat, péssimos nadadores, nadámos apenas ao longo da costa. Depois viémo-nos deitar sobe as nossas toalhas, para nos secar.

Enquanto fumava o meu cigarro, sendo Nueba a praia dos nudistas, avisto lá ao longe um belo Deus do Limpo que, calmamente, caminhava na nossa direcção. Quando passou por nós olhou-me com alguma insistência. Levantei o rabinho de cima da toalha e comecei a segui-lo discretamente. Umas duas vezes ele olhou para trás e se apercebeu que eu o seguia. Como ele trazia na mão um pequeno saco, sacou do dito um maço de cigarros e começou a tentar acendê-lo. Havia vento, e como eu estava a dois passos dele, ele pediu-me que lhe fizesse parede para proteger o seu isqueiro do nefasto sopro. Ele acendeu o seu cigarro e, depois, ofereceu-me um também. Depois foi a minha vez de ser eu a pedir-lhe que ele me fizesse de parede. Entretanto, os nossos cigarros mais abaixo também começaram a deitar fumo e a levantar cabeça. Ele sentou-se por detrás duma pequena duna e convidou-me a sugui-lo. Com a fome com que andava, sentei-me a seu lado. Depois de algumas insinuantes miradas, apaguei o meu cigarro na areia e comecei a brincar com a sua perna do meio que crescia a olhos vistos. Pelos vistos, ele também andava um tanto atrasado nas suas funções copulativas e, virando-me docemente, galga-me em cima e derrama os seus excecessivos conteúdos dentro de mim. Pat entretanto, preocupado com a minha ausência, caminha na direcção que eu tinha tomado, e encontra-me com a boca na botija. Como era a primeira vez que ele me via a ser coberto, ficou chocadíssimo e magoado.

Durante o resto da viagem poucas palavras foram trocadas. Chegados a Eilat, cada qual foi para o seu quarto para um tão desejado banho antes de jantar. Nessa noite, como tínhamos carro, fomos a um bom restaurante no centro da cidade. No outro dia de manhã o Pat e a Flossy meteram-se no alugado veículo para voltarem a Jerusalem – uma vez vistada, sempre desejada – e deram uma boleia ao Jonathan. Depois seguiram para Haifa, onde passaram uns dias em Casa da Hella e, por fim, foram para Tel Aviv, para o aeroporto Ben Gurion, onde apanhariam um avião de regresso à Cidade Luz, agora a cidade poluição e ataques à mão armada!

Muitos anos depois, pensando na morte, escrevi este poema ao Pat:


ORIENT EXPRESS
(ao Pat)



Quando os olhos fechar
quero ir mais longe ainda
quero viajar!

No meu peito
não quero os braços em cruz
e no meu leito
não quero cravos nem rosas
nem lírios nem mimosas
nem fulígens de Queluz!
Não quero cortejos
nem por sinos ser repicado
já fui lampejos
e em Jerusalém crucificado!
Quero rios de sange e pus
aos pés dessa cruz
de onde fora despregado.

Quero que tu
me leves todo nu
num branco lençol enrolado
nos teus braços apertado
ao teu peito aconchegado
meu pálido frio rosto
contra o teu reclinado
teu olhar dolorido
no meu olhar fechado
teu silêncio
no meu confundido
o meu
ao teu confiado!

Quero que me leves lá longe
onde meu sonho foi gerado
onde fora renascido
onde fora ressuscitado.
Lá onde te conheci
e por ti
fora desbravado!

Que meu corpo seja
pelo Mar Vermelho tragado
nas dunas de Beersheva
no saibro onde se se escreva
simplesmente abandonado
todo nu
o ventre todo aberto
na plenitude do deserto
dos abutres ser festim
pelos abutres devorado!
Não tenham pena de mim
nem de longe nem de perto
não quero ser glorificado!

Quero ainda e sempre
ir um poco mais além!
Quero ir a Akabá
passando por Belém
e ao passar por lá
rever Jerusalém!
Na boça de um camelo
o Neguev voltar a percorrê-lo!
Nas Minas de Salomão
Assim de passagen
como fugidio golpe de aragem
nessa terra cobiçada
numa noite de trovoada
refulgir no seu clarão!

Levem-me a Eilat
tingida dos tons mate
da paleta de um Emir
e no Golfo de Akabá
ver a Rainha do Sabá
e de novo repartir!
Levem-me a Nueba
onde a brisa me receba
brisa feita morno vento
meu último acalento
e de novo posseguir!
De Nueba a Dahab
numa viagem que nunca mais acabe!
Dahab onde as palmeiras vergadas
choram ainda desoladas
o meu afastamento.
De Dahab a Ofira
no seu azul safira
que um dia partir me vira
sem nada ter deixado
que a marca do meu corpo doirado
nas finas areias
dessa paisagem sem ameias
onde me quedara enleado.
De Ofira levem-me ao Suez
o Sinaï rasgar de lés a lés
Levem-me ao faraó
que sempre me vira só
que sempre só me vira!
Levem-me ao faraó
que de mim tivera dó
e ao longo das marés
séculos me carpira!
Depois
No topo de uma pira
no jasmim que me transpira
na chama que me transfira
ter o Egipto a meus pés!

Que o meu corpo calcinado
que o meu corpo denegrido
seja pelos ventos soprado
pelos desertos recolhido!
Voltar a ser ninguém
realojar-me no ventre dessa mãe
que por engano um dia me parira!
E aos testículos do pai tembém
que numa fria noite de Cacem
por descuido me cuspira!



Rogério do Carmo
Paris, 8/7/1989

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