mardi 22 décembre 2009

Edouard-Vaillant - Marcel Sembat



Edouard-Vaillant era uma rua bastante movimentada. Tráfego e transeuntes. O nosso muito bem mobilado pequeno apartamento era no quarto andar, a dar para as traseiras. O que o tornava um sítio calmo onde se viver. Tínhamos apenas uma pequena sala muito bem mobilada com varanda para os telhados dos vizinhos. Nessa sala, realmente muito bem mobilada pela senhoria, havia um sofá/cama que abríamos sempre que tínhamos visitas. Haviam também dois canapés, uma mesa baixa, um recanto com o televisor, uma mesa redonda de casa de jantar, com quatro cadeiras à volta, e um grande aparador cheio de bonitas louças. Havia o hall de entrada e a cozinha muito bem apetrechada, assim como um belo quarto com cama de casal, um grande guarda-roupa, uma cómoda, casa de banho privativa, e uma larga janela para as traseiras. Em baixo tínhamos todos os comércios, incluindo um supermercado e alguns bonitos Cafés onde, na esplanada ou por detrás duma vitrina, eu muito gostava de passar uns bons momentos a saborear um bom café, ler um jornal e, sobretudo, apreciar as belezas que constantemente passavam.

Instalarmo-nos nesse novo lar foi fácil. Não tínhamos móveis a transferir. Apenas as nossas malas de roupa e alguns bens pessoais. Mal abrimos as malas e arrumámos as nossas coisas, tínhamos ali logo à nossa espera uma fofa cama que nos abria os seus lençóis num largo sorriso. A readapatção foi rápida. A despeito de ser um apartamento mobilado ao gosto dos outros, surpreendeu-me ter-me sentido completamente “chez-moi”!

Depois de tudo arrumado procurei organizar a minha vida profissionalmente. Peguei nos meus documentos e fui ao Hilton de Paris ver como paravam as coisas. Fui muito bem recebido. Falei com o chefe do pessoal que, depois de ter visto as referências que tinha trazido do Hilton de Tel Aviv, imediatamente me propôs um lugar como “night-auditor” no Hilton do Aeroporto de Orly. Porém nesse hotel recusaram-me porque a minha “Carte de Séjour” já estava fora de validade. Enviaram-me ao Ministério do Interior renová-la, mas como nessa altura – muito antes das fantasias da Europa-Unida a tentarem obter o mesmo poder sobre o mundo, que os Estados-Unidos da América – esse Ministério tinha fechado todas as portas à imigração, fossem eles de que nacionalidade fossem, fiquei com a corda ao pescoço! Como em Israel, deram-me apenas uma licença de estadia de três meses! Era evidente que não me valeria a pena procurar emprego noutra qualquer profissão. Tinha três meses e acabou! Depois desses três meses, tal como em Israel, teria as Autoridades no meu encalço! A única saída e solução seria contactar aquele célebre realizador de filmes e ver se assim eu obteria, eventualmente, trabalho e legalização dos meus documentos. Telefonei-lhe e ele marcou encontro comigo num famoso restaurante dos Campos-Elísios, muito perto dos seus escritórios. Almoçámos juntos e ele falou-me dum filme que ele andava então a preparar. Ficou radiante de me ter de volta a Paris para fazer de mim uma vedeta! Depois do almoço ele pediu-me o número do meu telefone e que, logo que as filmagens fossem iniciadas, me convocaria para falarmos do papel que me teria sido atribuído no seu “casting”! Não lhe falei da minha situação irregular no país, pois que pensei que, com a sua influência, ele me obteria os meus outros papéis. Esses de cidadão francês! Voltei a casa mais animado e profundamente convencido que o meu trabalho nesse filme me abriria muitas outras portas!

O Pat continuava na O.E.C.D. e ganhava bem a sua vida, mas como sou, fui, e sempre serei, muito independente, para não ficar totalmente dependente do ordenado do Pat, pus os pés a caminho e, como tantos outros pobres diabos aos cavacos, como eu, agarrei na única possiblidade de continuar neste país, ao “negro”, procurei trabalho numa Agência de Limpezas, ali mesmo ao pé da porta. Nessa agência, como muito bem contava, não me exigiram documentos. Assim, graças a eles, comecei a ser enviado aqui e ali para limpar as casas daqueles que, legalizados, podiam dar-se ao luxo de ter um limpa-merdas quase de borla. Mesmo assim ganhava o suficiente para limpar a minha dignidade de não depender dos outros inteiramento. Um do meus primeiros trabalhos foi ali em casa dum embaixador qualquer, na avenida de Versalhes, cuja esposa tanto gostou do meu trabalho (como sempre, seja o que que for que eu faça, sou sempre o melhor) recomendou-me à “concierge” e a todas as suas vizinhas e amigas. Comecei a fazer quatro horas de manhã em casa duma e, na parte da tarde, depois de uma sandes e uma meia de leite, mais quatro horas em casa doutra patroa. Ganhava cinco francos por hora, o que me dava quarenta francos por dia. O que já não era mesmo nada mau nesses tempos, mas esses francos que me entravam no meu porta-moedas saíam-me directamente dos poros do meu rosto e do meu corpo que fazia tudo o que eu lhe ordenava. Mas, como me tinha dito esse grande realizador de cinema, eu deveria estar sobre um palco, não a limpar o lixo dos outros!

E assim se foram passando os dias. Da Edourd-Vaillant à avenida de Versalhes era tão perto que eu ia a pé e atravessava sempre a rotunda Porte de Saint-Cloud, onde havia um grande Café, o “Les Trois Obus”, onde eu sempre parava para a minha primeira bica do dia e onde, mais tarde, voltaria para a minha sandes e meia de leite, antes de agarrar nos utensíios da outra senhora à qual eu limparia o seu esterco! A vida era dura, mas aguardava impaciente de ser chamado às fileiras para iniciar a minha carreira de grande actor que sempre quis ter sido!

Depois da minha segunda tarefa de cada dia, voltava a casa e, pelo caminho, fazia as minhas compras para poder apresentar um jantar decente ao homem que me pagava a renda da casa. Era uma rotina degradante pois que em casa das minhas frequesas tinha de assear a sua trampa e, o pior de tudo, coisa que detesto, passar a ferro. Por vezes também fazer-lhes as compras e algumas vezes mesmo cozinhar as suas refeições para elas armazenarem nos seus congeladores. Porém, ao fim dessa grande estopada, iria ter o Tapete Vermelho em Canes à minha espera. Eu estava certo de que, com a ajuda desse grande realizador de filmes, eu iria ser um grande, grande actor, como sempre sonhara ser desde pequenino! E eu não estava enganado!

Um dia, estava eu a preparar o meu jantar em casa quando subitamente o telefone tocou! Corri pressuroso! Talvez fosse o Pat a dizer-me que chegaria tarde, o que muitas vezes acontecia, pois que ele estava a cargo dum trabalho muito importante nessa Oraganização. Porém, nessa tarde, não era o Pat, era o meu Messias, esse grande realizador de cinema que me “descobrira” em Tel Aviv, ali por detrás do balcão da recepção do Hilton, e que iria fazer de mim uma grande vedeta! Ele pediu-me para estar - sem falta - às oito da manhã, na próxima segunda-feira, às oito em ponta, no Café “Les Trois Obus”, na Porte de Saint-Cloud, que partiríamos daí, com toda a sua equipa, para filmagens de exterior, nos arredores de Paris!

Ao repor o telefone sobre a sua base, ergui os olhos aos céues e agradeci a Deus essa grande benção. Eu já estava farto de andar a fazer de “mulher a dias” a todo o bicho-careta, e ia enfim ser um grande actor! Por essa razão eu tinha deixado o país que amava, um emprego onde eu tinha um grande futuro à minha espera, colegas que adorava! E essa Tel Aviv onde eu era tão feliz, que aguardava a vinda do Pat para trabalhar no British Council e estarmos de novo juntos, naquele novo pequeno lar lá no alto, sobre aquele telhado com um grande terraço todo acimentado que nos aguardava para nos agasalhar. E o mar ali mesmo à nossa frente, com as suas altas vagas à nossa espera para nos galgar em cima!

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