samedi 26 décembre 2009

Rue du Dragon - Saint Germain des Prés








Como pagávamos uma alta renda de casa por ser um apartamento mobilado, resolvemos procurar um outro que nós pudéssemos mobilar a nosso gosto e pagar menos renda. Na vitrina do O.E.C.D., Pat descobriu um pequeno apartamento a arrendar, em Saint Germain des Prés. Não exitei um segundo! Saint Germain des Prés era o meu grande sonho de adolscente quando sonhava em ir viver para Paris, nesse muito popular bairro, por ser o berço do existencialismo e da Juliette Greco, Jean-Paul Sartre, e tantos outros! Metemo-nos no nosso Peugeot 107, azul muito clarinho, e fomos por aí fora à procura dessa morada - 3 Rue du Dragon - onde a “concierge” nos mostraria esse apartamento. Sem grandes dificuldades encontámos essa rua, ali a fazer esquina com o Boulevrad Saint Germain des Prés! Batemos à porta da porteira, uma simpática espanhola, que subiu connosco até ao sexto-andar, onde esse apartamento se encontrava. Era a única porta à direita. Quando ela nos abriu a porta para nos dar passagem, fiquei logo embeiçado! Deparou-se-nos um corredor bastante curto. A primeira porta à esquerda era a retrete. Logo a seguir, a pequena cozinha e, mais adiante, a grande casa de banho com varanda para as traseiras. Em frente havia a porta que passaria a ser a do nosso quarto. Ao fundo, à direita, uma única porta, a porta da pequena sala com varanda para a Rua du Dragon! Ficámos ambos encantados! Não havia uma única peça de mobiliário! Apenas a cozinha estava completamente apetrechada. A renda passaria a ser a metade do que pagávamos na Edourd-Vaillant. Menos espaço, menos conforto, mas a realização absoluta dum dos meus maiores sonhos dos tempos de Mafra, quando eu tinha a minha vida toda à minha frente e intensos desejos de descobrir e conquistar o mundo: Paris! O Quartier Latin! Foi como se me tivesse, enfim, saído a Sorte Grande!

Ao descermos a pé todos aqueles seis andares, entrámos no cubículo da porteira e assinámos o contrato e pagámos três meses adiantados. Já saímos com as nossas chaves a chocalharem no meu bolso. Apressadamente me apoderara delas, essas chaves que me abriam todas as portas do meu sonhado Quartier Latin! Ao sairmos descobrimos que ao dobrarmos a esquina com o Boulevard Saint Germain, tínhamos logo ali à porta a famosa Brasserie Lipp! Logo em frente, os célebres “Les Deux Magots” e o “Café de Flore”! Mais adiante a bonita Igreja de Saint Germain! Estávamos igualmente a dois passos a pé do sinuoso Rio Sena, onde passaria a tomar algumas amostras de banhos de sol e a engatar distraídos! Enfim, mais um outro belo sonho realizado!

Voltámos felicíssimos para a Edouard-Vaillant, onde a Esmeralda e a Clarinha, - as filhas do meu petrão do Café Estrela, em Mafra, no qual, todos os três tanto tínhamos sonhado juntos em viver no Quartier Latin, e a Clementina, a minha querida namorada dos tempos de Lisboa - nos aguardavam, preocupadas com a nossa demora! Fomos todos jantar fora, no Quartier Latin, para celebrarmos essa realização dum dos nossos grandes sonhos de adolescentes! No outro dia de manhã lá fomos todos visitar o nosso novo apartamento nesse tão pitoresco bairro de Paris!

Depois da partida das nossas amigas, começámos a fazer a nossa mudança. Claro, apenas as nossas roupas e esses alguns haveres pessoais. Depois, pouco a pouco, fomos mobilando o que eu chamava “o nosso antro”! Antes de mais nada uma cama de casal para deitar os costados e repousarmo-nos de mais um dia de labuta! Mobilar o resto da casa foi bastante fácil! Bastava chagar ali a um grande armazem de mobílias, comprar uma coisa de cada vez, e tê-la depois transportada pelos descarregadores desse armazem até esse sexto andar. Como na grande casa de banho tínhamos um grande guarda-roupa, bastou-nos depois comprar um pequeno sofá-cama para a sala, e uma mesa redonda e quatro cadeiras que dispusémos a um canto da sala, entre a porta de entrada e a lareira. Depois veio a mesa baixa para pôr em frente do sofá, e alugar uma televisão. Na pequena varanda que dava para a rua não era preciso comprar mobília, pois que era apenas um metro quadrado! Mais tarde vieram-nos instalar o telefone e ali ficámos como reizinhos! Sem lacaios, mas felizes da vida!

Depois de totalmente instalados, como eu tinha deixado as minhas limpezas, andei aos caídos uns tempos até ver onde parariam as modas. Como a Rue du Dragon era a rua dos prostitutos, eles seguiam-me na rua a proporem-me os seus serviços. Eu, para os apanhar de borla, dizia que eles eram lindos, que bem os gostaria de os ter na minha cama, mas que não tinha dinheiro para alimentar os meus vícios. Assim, encantados com a lisonja da minha parte, subiam para satisfazer as minhas permanentes necessidades, a troco apenas dum whisky antes de irmos para a cama! Um deles, porém, o Bernard, não era prostituto mas sim um cliente que procurava parceiro para uns bons momentos na cama. Como eu era geitoso e bem apresentado, ele julgou que eu era prostituto e, depois de se vestir, perguntou-me “quanto”?! Quando recusei ser pago pelo prazer que eu própria tinha tido, perguntou-me se podia voltar. Como ele tinha feito um bom trabalho, disse-lhe que sim, sempre que ele quisesse, e dei-lhe o nosso número de telefone, e esse telefone começou a soar quase todos os dias. Ele era insaciável do meu corpo! Ele morava algures, não muito longe, com a sua irmã. Como com o Pat nas redondezas, no nosso “antro” era um tanto difícil, e comecei a ir a sua casa. Ele dormia na sala e nós, quando estávamos no melhor da festa, a sua irmã ia à cozinha fazer café ou à casa de banho, e nós continuávamos como se nada se passasse. Pelos vistos ela já sabia o que era que a casa gastava. Uma noite, como ele – passivíssimo - exigia sempre muitas umas atrás das outras, numa dessas tantas vezes senti ameaças duma crise cardíaca e apanhei um grande susto! Mas isso não me impediu de pensar comigo mesmo, que boa maneira de deixar este mundo tão belo: em cima dum glutão!

Um dos grandes dissabores foi quando, uma manhã, desci para comprar pão e fui seguido por um muito bem apetrechado árabe. Ele lembrou-me aqueles personagens dos filmes de Passolini. Vestia um casaco de cabedal com um pequeno rasgão numa das mangas. Ele preveniu-me que era muito bem equipado, que ia rasgar-me todo por dentro, mas isso não me assutou! Com o Bernard, como ele era inteiramente passivo, a coisa tornara-se um tanto repetitiva e um tanto enfadonha. Um machão que me ameaçava de rasgar-me todo por dentro, era uma boa variante. Mas o problema foi que ele realmente dilacerou-me de tal modo que tive de ir de corrida às Urgências dum hospital ali perto. Eu estava acanhadíssimo e amedrontado, mas tive a sorte de cair nas mão dum muito jovem e belo chirurgião que soube como me pôr à vontade, dizendo-me que isso também já lhe tinha acontecido, que não era grave, e que gostaria de me provar pessoalmente que se podia fazer amor sem esse tipo de desastre. O que viria a contecer quando, por acaso, esbarrei com ele na Rue du Dragon. Ele perguntou-me onde era que eu morava, e como era mesmo ali a dois passos, ele subiu. Com ele descobri que doçura era fazer amor com alguém que tinha longamente estudado anatomia!

O outro dissabor foi quando, uma tarde, quando o Pat regressou do trabalho e encontrou tudo espalhado pelo chão e o guarda-roupa quase vazio, assim como um casaco de cabedal que não nos pertencia. Ao olhar esse casaca reconheci o casaco que o meu garanhão de árabe vestia nesse dia que subira comigo! Compreendi que ele aprendera o caminho, pois que na cozinha, a pequena janela que dava para o telhado, ele me advertiu que essa janela era um perigo, que quem quer que fosse que quisesse entrar em nossa casa, bastava-lhe sair pela janela que havia no nosso patamar, que dava para o telhado, e depois entrar pela janela da nossa cozinha!

Uma das coisas curiosas que me aconteceram nesse pequeno apartamento foi que, sobre a lareira da sala, havia um grande espelho na sua pesada moldura doirada. Ora esse espelho estava todo rachado e, um dia, telefonei ao senhorio, a pedir-lhe leicença para o deitar fora e, em vez dele, pôr um bonito quadro que eu tinha comprado. A voz masculina que atendeu a essa chamada disse-me que aguardasse uns dias, que ele viria dar uma vista de olhos pelo espelho para ver o que se podia fazer. Dias depois batem à minha porta. Abri e, na minha frente, depois de ter amaranhado seis andares a pé, apresenta-se-me um senhor muito distinto, aí dos seus noventa anos! Perguntei-lhe como era que ele, na sua idade, podia subir esse interminável escada de caracol, e chegar-me ali na minha frente sem qualquer problema de fôlego! Ele respondeu-me muito simplesmente:

- Je bois pas! Je fume pas! Et, surtout, je baise plus!

Ora, depois de ter deitado uma vista de olhos sobre esse espelho, ele vira-se para mim e afirmou peremptoriamente:

- Ne touchez pas à ce miroir! D’abord il faut que je demande permission à ma mère !

Pensei com os meus botões que a sua mãe já devia ter mais de cem anos, mas que era ela ainda quem mandava lá em casa!

Passei uma grande temporada sem trabalhar e a minha vida era bem conhecer todos os recantos desse belo Quartier Latin. Um dia, muito por acaso, ao descer Rue Bonaparte para ir até ao cais do Sena, ao passar pela Rue Jacob, totalmente por acaso, dei com uma escola de teatro. Entrei e fui recebido pela professora, uma americana que ensinava todas as técnicas do teatro. Ela engraçou comigo, e quando lhe falei das lições de teatro que tinha recebido em Lisboa, da Berta de Bivar, ela ficou interessadíssima na minha pessoa, que eu a podia ajudar no seu ensino, que eu tinha tipo de artista. Ingressei nessa escola, e como todas as lições eram em Inglês, era quase sempre eu que lia em voz alta os textos a serem estudados. Ela gostou tanto do meu sotaque e da maneira teatral que eu lia os textos que me propôs eu frequentar a sua escola gratuitamente. Claro que aceitei! Eu aprendia muito mais do que eu ensinava o pouco que sabia. Aparentemente, era o enfâse com que eu lia os textos que a fascinaram.

Foi nessa escola que encontrei pessoas que anos mais tarde seriam actores e actrizes agora muito conhecidos. Comigo isso nunca chegou a dar nada de positivo na minha vida, pois que sempre algo de contrariante me acontece. Para continuar nessa escola eu tinha de ser declarado, mas para isso precisava dos meus documentos em dia e, assim, lá se foi tudo, uma vez mais, por água abaixo! A minha vingança foi fornicar com todos aqueles que ao passarem por mim na rua se viravam para trás! A minha vingança foi ir sempre que podia às Tulherias e engatar um marmanjo qualquer para levar para casa. Eu tinha que pagar a minha promessa feita ao meu querido irmão Alberto, perante o seu caixão aberto, no cemitério, nessa triste e chuvosa manhã!

Uma vez aconteceu um caso muito curioso. Encontrei um rapaz muito bonito que parecia ter acabado de chegar de férias. Chegados a casa o telefone tocou e era a Yvonne a dizer-me que gostaria de vir a Paris, se ela se podia alojar em nossa casa? A conversa passou-se toda em Hebraico, e quando desliguei o telefone ele vira-se para mim e, em Hebraico, pergunta-me de que parte de Israel eu era. Disse-lhe que era português e ele ficou espantado com o meu sotaque bem "sabra". Depois duns whikies acabámos ambos no chão numa das mais belas idas e voltas que me causaram tanta saudade de Israel e aumentaram ainda mais o meu desejo de voltar!

Yvonne chegou e instalou-se no nosso sofá. Adorou o nosso pequeno e acolhedor apartamento, e démos grandes voltas por Paris. No fim de semana o Pat levou-nos de carro a mostrar Paris e arredores. Outra visita que tive, foi o Miki. Ele tinha-se instalado num hotel de luxo, mas como era muito caro para a sua bolsa, a despeito do preço especial que lhe tinham feito, como hoteleiro, como tinha o meu número de telefone, telefonou-me. Logo a seguir à Yvonne, foi o Miki que abriu o meu sofá-cama. Démos também grandes voltas com ele por Paris e, como ele tinha uma máquina de filmar, filmou Paris quase toda. Sobretudo Montmartre. Nunca cheguei a ver esses filmes. As algumas vezes que fui a Israel de férias ele ofereceu-nos quarto no Hotel Marina, em Tel Aviv, de que era o director, mas nunca tive a oportunidade de os ver. Tempos depois tive um telefonema de Haifa, da Hella, que muito magoadamente me informou da morte do meu tão querido Miki! Que injustiça! Ele tinha apenas quarenta e dois anos!

Uma das outras inesquecíveis recordações desses belos tempos da Rue du Dragon foi, no Café-Tabac ali mesmo à esquina - no Boulevard Saint Germain, onde eu costumava tomar um café e comprar os meus cigarros - uma cigana que se veio sentar à minha mesa e teimou em me ler a Sina! Como ela tinha um bonito par de bem aviados peitos, os quais se repousavam sobre a mesa, não resisti e, só para lhe tocar os seus belos seios, estendi a mão! Ela leu-me o Passado e tudo o que ela mencionou, por coincidência ou por alguma arte de o fazer, correspondeu exactamente ao que se tinha passada na minha vida até àquele instante. Depois passou para o Presente, e o Presente era que, nesse momento, uma cigana me lia a Sina! Quanto ao futuro, tudo muito vago, as uma coisa que ela me disse, referindo-se à minha linha de vida, foi que ela era muito longa! Que eu iria viver até aos setenta e quatro anos! Eu tinha nessa altura quarenta anos e fiquei radiante! Que bom! Eu iria morrer velho! O pior dessa história toda é que neste momento em que estou a escrever as minhas memórias, tenho 74 anos! Tenho que me despachar, senão vai ser a minha Sinfonia Incompleta, para não dizer o fim da macacada!

Mas, realmente, esses tempos ali passados foram uma excelente aventura! Frequentava o Deux Magots e o Café de Flore muito mais para me acotovelar com grandes celebridades que pela bica que me custava uma fortuna! Ainda cheguei a tempo de ver por lá a Greco, o Sartre, e tantos outros que já não recordo. Depois do jantar, se não havia nada de especial na televisão, saíamos e íamo-nos “badalar” por essas ruas fora. As ruas estavam sempre a abarrotar de gente interessante e era como ir a uma feira sem pagar bilhete. Fomos a alguns cabarets ver bons espectáculos e, uma vez, por engano, fomos ao Nuage, ali mesmo a dois passos da nossa porta. Mas nem sequer nos chegámos a sentar. A clientela eram todos homossexuais a cavalo uns nos outros, a agitarem futilidades e, sobretudo, aquilo era um perfeito geto! E sempre tive horror aos getos! Fossem eles quais fossem! Acho que as pessoas, seja qual for a sua cor ou o seu credo, deviam misturarem-se todas umas com as outras e fazerem de muitos getos apenas um! A esse geto eu chamaria Uma Humaniade sem Getos! Os ricos e os pobres; os feios e os bonitos; os velhos e os jovens; seríamos todos iguais. Não castas! Ninguém é um milímetro maior ou mais pequeno do que todos os outros! Todos saímos um dia do ventre das nossas mães, e todos entraremos um dia no ventre da terra! De ventre a ventre, devíamos darmo-nos as mãos e não competições a ver quem é mais do que o outro! Pior do que tudo são os cemiérios separados. Como se depois de mortos se pudesse conservar valores pessoais! No ventre da mãe tudo começa por um tresloucado espermatozoíde a meter o nariz onde não é chamado, e no ventre da terra tudo se acaba num mudo e imóvel esqueleto sem quaisquer outros projectos ou ambições!

Mas como tudo o que é bom dura pouco, um dia abriram um restaurante asiático no rés-de-chão desse nosso número 3, Rue du Dragon. Como a especialidade da casa eram grelhados, e cada qual os fazia sobre uma grelha individual em cima da sua mesa, como sobre essa grelha havia um extractor de ar e, sobretudo, o enorme extractor mestre fora instalado sobre o telhado, colado à janela do nosso quarto de dormidas, e como o restaurante só fechava às duas da manhã e nós tínhamos de nos levantar às sete dessa mesma manhã, a vida tornou-se insuportável, pois que todas as pessoas mais ou menos normais precisam de dormir oito horas por dia ou por noite, tivémos de procurar apartamento noutro sítio mais pacato! Como de costume, Pat encontrou um anúncio de um apartamento para alugar, em Boulogne-Billancourt, e lá vamos nós de novo de volta a essa Boulogne onde vivemos em quatro apartamentos diferentes. Pelos vistos, tal como o meu pai, andávamos sempre com a casa às costas!

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