samedi 5 décembre 2009

Hella e Avraham








Um belo dia de sol tivemos a grande alegria de - depois dos necessários prévios acordos - irmos buscar a Hella ao Aeroporto de Orly. Hella, a tal que fugira para Londres para viver a sua pecaminosa relação com um amor contrário a certas tradições, que, durante a Guerra dos Seis Dias, tinha regressado a Israel, onde viria a encontar um outro amor, desta vez de acordo com as convenções locais. Ela saiu com as suas malas e o seu Avraham, muito sorridentes. Eu fiquei um tanto desolado, pois que, entretanto ela tinha envelhecido e ganhra cabelos brancos. Depois de alguns engarrafamentos chegámos a essa bela casa na Jules Ferry. Ela ficou espantada com a harmoniosa decoração. Nós dispensámos-lhe o nosso quarto e fomos dormir para o divã do salão. Depois o Pat foi-lhes mostrar Paris e eu fiquei em casa para preparar um bom jantar. Entretanto eu procurava entender porque razão ela se tinha juntado a esse homem que me pareceu totalmente em desacordo com a sua personalidade. Hella era risonha e comunocativa, ele era fechado e irritável. Havia ali algo que me incomodava. Eu teria preferido Hella com um homem locuaz e comunicador. Eles voltaram cedo para jantarmos todos juntos e depois da lauta refeição ficámos à mesa a combinar o que se faria essas duas semanas que eles tinham vindo passar connosco. Sugeri uma viagem até Portugal. Hella deu saltos de contente. Que boa idéia!

No dia seguinte prepararam-se as malas e o Pat pegou no seu Peugeot em segunda mão que tínhamos comprado, e fomos por aí fora. Hella sentou-se à frente, ao lado do chofer, e eu atrás, com o Avraham. A sua presença incomodava-me. Ele tossia o tempo todo e tinha mau hálito. Fomos por aí fora visitando todos os castelos do Vale d’Oise. Nessa primeira noite, depois de se ter visitado uma dezena de castelos, estafadíssimos, parámos numa pequena cidade para jantarmos e procurar hotel por uma noite. Na manhã seguinte retomámos a nossa rota a caminho de Espanha.

Em Espanha foi a Hella quem nos indicava as cidades que ela gostaria de visitar. Para almoçar parámos em San Sebastian e depois vistámos a cidade. Hella e Avraham pareciam ter programado tudo com antecedência ou, pelo menos, Espanha parecia ter despertado a atenção de ambos. Dum certo modo, sem que eu desse por isso, o Pat parecia ter sido contratado como chofer e eu como interprete. Por toda a parte por onde se passasse queriam comprar coisas para levarem para Haifa. O tejadilho do carro começou a estar sobrecarregado e cada vez que parávamos para pernoitar tínhamos que descarregar tudo e carregar com essa tralha toda para os quartos dos hotéis. Isso estragou-nos o prazer todo da viagem.

De San Sebastian fomos até Burgos, onde parámos para almoçar. Visitando o centro da cidade em busca dum restaurante, passámos em frente duma vitrina onde expunham um coitado dum leitão adormecido sobre uma muda travessa. Hella adorava leitão e quis entrar nesse restaurante para mastigar aquele bebézinho adorável. Eu, ao lembrar-me do meu querido porquinho da Conceição Branca, recusei. Não foi problema! Demos a volta e na rua por detrás encontrámos outro restaurante. Entrámos e, pouca sorte a minha, era a porta das traseiras do mesmo restaurante com o leitão à janela! Hella comeu o seu leitão e eu quase que mudei de mesa.

Depois visitámos Valladolid e Salamanca, e desta cidade, rumámos direcção Portugal. Passámos a nossa primeira noite na Guarda. Aí já comecei eu a ser o guia dessa épica travessia de norte a sul de Portugal, para mostrar à Hella e Avraham esse belo país que tanto amo!

Da Guarda descemos até Tomar. Hella estava deleitada com a beleza do país onde eu tinha nascido! Pelo caminho parámos em Oliveira do Hospital onde encontrámos dois belos quartos com uma vista deslumubrante sobre o vale, na Pousada de Santa Bárbara. Hella ficou encantada com o belo quarto que lhe foi atribuído, com uma bela vista. Depois dum bom banho e dum bom jantar passámos uma tranquila noite nesse encantador canto do nosso verdejante Portugal.

No outro dia continuámos a nossa odisseia até Ferreira de Zêzere, parando em Tomar para visitar o seu famoso castelo. Chegados a Ferreira de Zêzere almoçamos. Depois procurámos maneira de chegarmos a Paio Mendes para rever aquela bela casota à beira da estrada. Lucília ficou encantada com a nossa surpresa, e o Fernando nem queria acreditar! Enquanto a Lucília preparou o jantar, Fernado levou-nos a mostrar a bela margem do rio Zêzere onde ele ia de vez em quando nadar. De regressoa a casa Hella perguntou-me onde era a retrete e eu respondi-lhe, apontando a porta da cozinha que dava para o quintal:

- Lá fora!

- Onde?

- Onde te apetecer!

Este incidente ficou na história das minhas andanças por esse mundo para todo sempre, se todo o sempre existir. O problema era que em casa da Lucília não havia retrete e nós satisfazíamos as nossas necessidades no quintal, onde quer que fosse, cobrindo depois os rejeites com a terra que empurrávamos com o sapato. Hella ficou atónita com tanta simplicidade. Essa simplicidade tanto do meu agrado e à qual eu tanto gostaria de poder voltar!

Depois de jantar Lucília preparou cama para todos e todos nos enfiámos nelas e dormimos como pedras da calçada. No outro dia de manhã a Hella já sabia o caminho para a retrete e aprendeu a lavar a cara numa alguidar de barro cheio de água fria do poço, ali mesmo à porta, rente aos musgosos degraus de pedra que nos devolviam à cozinha, onde um fumegante pequeno almoço já nos aguardava, disposto sobre o pesado tampo de mámore da mesa da cozinha. Hella não queria acreditar que ainda se pudesse fazer café de saco com água a ferver tirada dum tacho de barro sobre as brasas ainda quentes na grande lareira ao fundo da cozinha. Esse primitivismo que era tão mais belo do que agora telemóveis com aspirador e frigorífico integrados! Depois das despedidas e agradecimentos apanhámos o carro com o tejadilho a abarrotar de merdas comprada por essa Península Ibérica fora, e lá seguimos Portugal abaixo, a caminho de Lisboa.

A nossa primeira paragem foi nas Caldas da Raínha onde surprendemos a Hella com a especialidade dessa cidade. Ela escolheu o modelo mais pequeno que havia para por na sua mala e depois mostrar às suas amigas já na reforma! Depois démos um rápido salto a Santarém visitar a minha irmã Lila que se limitou a nos oferecer um chá, pois que, tagarela como ela era, era para ela um suplício não poder comunicar com a Hella, por questões linguísticas. Depois arrancámos a caminho de Lisboa, a nossa capital, que ela estava ansiosa de conhecer! Quando da grande descoberta de Lisboa Hella ficou encantada com todos os seus monumentos. Adorou os Gerónimos e a Torre de Belém. Com a Torre de Belém e o Monumento dos Descobrimentos foi um delírio. Especialmente a Torre de Belém! Não a comprou como recoração porque não cabia no tejadilho do carro. Teve de se contentar com uma miniatura que descobriu numa vitrina de uma papelaria ali no largo. Fez dezenas de fotos no Terreiro do Paço e ficou louca com as montras do Chiado. Tive o cuidado de evitar os Armazens do Grandela, senão teríamos de também comprar outro carro com duplo tejadilho! Depois fomos até ao Cacém ver os meus. O Cacém não a empolgou, embora tivesse achado muito bonito o edifício princepesco onde a fábrica do Zé estava instalada. Depois do Cacém, o que ela queria era ir de corrida de volta a Espanha, esse grande país com sua grand história! Falei-lhe de Isabel a Católica e dessa gloriosa época, mas aí ela não se mostrou arrebatada. Como ela queria muito conhecer Sevilha, fomos por aí abaixo, parando aqui e ali para encher o bandulho e fazer umas fotos, Ainda visitámos Alcácer do Sal, Grândola, Sines, Sagres e, depois, fui tudo a direito até Vila Real de Santo António para a travessarmos a fronteira com Espanha, numa grande pressa de chegar a Sevilha. Em Espanha, depois da bela Sevilha, visitámos Córdoba, Madrid, Saragoça, Barcelona e, depois, apanhámos uma sinuosa estrada pelos Pirinéus, serpenteando ao longo dum caprichoso rio que parecia nunca mais desaguar. Os panoramas desfrutados das janelas do carro eram um assombro! Deus criou tão bela a Natureza! Que pena se ter descuidado quando criou a natureza animal, que andam por aí comerem-se todos uns aos outros. Incluindo o Bicho Homem! Bem! Eu, como Homem, para não contrariar a minha natureza, também “comi” muitos!

Depois de termos atravessado a fronteira com a França, pernoitámos em Bourg-Madame, essa esplendorosa continuação desses magníficos Pirinéus!

Chegados a Jules Ferry tivémos que descarregar o tejadilho pela centésima e penúltima vez, pois que no dia seguinte tivémos de os acompanhar a Orly para o seu carregadíssimo regresso a essa linda cidade empoleirada no Monte Carmel, a ver o mar!

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire