dimanche 27 décembre 2009

Eu e o Miki na Praia Frishman




Eu e o meu querido Miki na Praia Frishman, a última vez que nos vimos! A "última ceia"! O último abraço! May he rest in peace! I loved him as much as he loved me!

Janela Aberta=Perigo!
















Esta foi a janela da cozinha por onde entrou o ladrão que deixou como recordação o seu casaco de cabedal já muito coçado!

Bernard et Whisky-à-gogo!


A Morte a muitas pequenas grandes doses!
A mana do Bernard parecia (e era) totalmente ignorada!

samedi 26 décembre 2009

Rue du Dragon - Saint Germain des Prés








Como pagávamos uma alta renda de casa por ser um apartamento mobilado, resolvemos procurar um outro que nós pudéssemos mobilar a nosso gosto e pagar menos renda. Na vitrina do O.E.C.D., Pat descobriu um pequeno apartamento a arrendar, em Saint Germain des Prés. Não exitei um segundo! Saint Germain des Prés era o meu grande sonho de adolscente quando sonhava em ir viver para Paris, nesse muito popular bairro, por ser o berço do existencialismo e da Juliette Greco, Jean-Paul Sartre, e tantos outros! Metemo-nos no nosso Peugeot 107, azul muito clarinho, e fomos por aí fora à procura dessa morada - 3 Rue du Dragon - onde a “concierge” nos mostraria esse apartamento. Sem grandes dificuldades encontámos essa rua, ali a fazer esquina com o Boulevrad Saint Germain des Prés! Batemos à porta da porteira, uma simpática espanhola, que subiu connosco até ao sexto-andar, onde esse apartamento se encontrava. Era a única porta à direita. Quando ela nos abriu a porta para nos dar passagem, fiquei logo embeiçado! Deparou-se-nos um corredor bastante curto. A primeira porta à esquerda era a retrete. Logo a seguir, a pequena cozinha e, mais adiante, a grande casa de banho com varanda para as traseiras. Em frente havia a porta que passaria a ser a do nosso quarto. Ao fundo, à direita, uma única porta, a porta da pequena sala com varanda para a Rua du Dragon! Ficámos ambos encantados! Não havia uma única peça de mobiliário! Apenas a cozinha estava completamente apetrechada. A renda passaria a ser a metade do que pagávamos na Edourd-Vaillant. Menos espaço, menos conforto, mas a realização absoluta dum dos meus maiores sonhos dos tempos de Mafra, quando eu tinha a minha vida toda à minha frente e intensos desejos de descobrir e conquistar o mundo: Paris! O Quartier Latin! Foi como se me tivesse, enfim, saído a Sorte Grande!

Ao descermos a pé todos aqueles seis andares, entrámos no cubículo da porteira e assinámos o contrato e pagámos três meses adiantados. Já saímos com as nossas chaves a chocalharem no meu bolso. Apressadamente me apoderara delas, essas chaves que me abriam todas as portas do meu sonhado Quartier Latin! Ao sairmos descobrimos que ao dobrarmos a esquina com o Boulevard Saint Germain, tínhamos logo ali à porta a famosa Brasserie Lipp! Logo em frente, os célebres “Les Deux Magots” e o “Café de Flore”! Mais adiante a bonita Igreja de Saint Germain! Estávamos igualmente a dois passos a pé do sinuoso Rio Sena, onde passaria a tomar algumas amostras de banhos de sol e a engatar distraídos! Enfim, mais um outro belo sonho realizado!

Voltámos felicíssimos para a Edouard-Vaillant, onde a Esmeralda e a Clarinha, - as filhas do meu petrão do Café Estrela, em Mafra, no qual, todos os três tanto tínhamos sonhado juntos em viver no Quartier Latin, e a Clementina, a minha querida namorada dos tempos de Lisboa - nos aguardavam, preocupadas com a nossa demora! Fomos todos jantar fora, no Quartier Latin, para celebrarmos essa realização dum dos nossos grandes sonhos de adolescentes! No outro dia de manhã lá fomos todos visitar o nosso novo apartamento nesse tão pitoresco bairro de Paris!

Depois da partida das nossas amigas, começámos a fazer a nossa mudança. Claro, apenas as nossas roupas e esses alguns haveres pessoais. Depois, pouco a pouco, fomos mobilando o que eu chamava “o nosso antro”! Antes de mais nada uma cama de casal para deitar os costados e repousarmo-nos de mais um dia de labuta! Mobilar o resto da casa foi bastante fácil! Bastava chagar ali a um grande armazem de mobílias, comprar uma coisa de cada vez, e tê-la depois transportada pelos descarregadores desse armazem até esse sexto andar. Como na grande casa de banho tínhamos um grande guarda-roupa, bastou-nos depois comprar um pequeno sofá-cama para a sala, e uma mesa redonda e quatro cadeiras que dispusémos a um canto da sala, entre a porta de entrada e a lareira. Depois veio a mesa baixa para pôr em frente do sofá, e alugar uma televisão. Na pequena varanda que dava para a rua não era preciso comprar mobília, pois que era apenas um metro quadrado! Mais tarde vieram-nos instalar o telefone e ali ficámos como reizinhos! Sem lacaios, mas felizes da vida!

Depois de totalmente instalados, como eu tinha deixado as minhas limpezas, andei aos caídos uns tempos até ver onde parariam as modas. Como a Rue du Dragon era a rua dos prostitutos, eles seguiam-me na rua a proporem-me os seus serviços. Eu, para os apanhar de borla, dizia que eles eram lindos, que bem os gostaria de os ter na minha cama, mas que não tinha dinheiro para alimentar os meus vícios. Assim, encantados com a lisonja da minha parte, subiam para satisfazer as minhas permanentes necessidades, a troco apenas dum whisky antes de irmos para a cama! Um deles, porém, o Bernard, não era prostituto mas sim um cliente que procurava parceiro para uns bons momentos na cama. Como eu era geitoso e bem apresentado, ele julgou que eu era prostituto e, depois de se vestir, perguntou-me “quanto”?! Quando recusei ser pago pelo prazer que eu própria tinha tido, perguntou-me se podia voltar. Como ele tinha feito um bom trabalho, disse-lhe que sim, sempre que ele quisesse, e dei-lhe o nosso número de telefone, e esse telefone começou a soar quase todos os dias. Ele era insaciável do meu corpo! Ele morava algures, não muito longe, com a sua irmã. Como com o Pat nas redondezas, no nosso “antro” era um tanto difícil, e comecei a ir a sua casa. Ele dormia na sala e nós, quando estávamos no melhor da festa, a sua irmã ia à cozinha fazer café ou à casa de banho, e nós continuávamos como se nada se passasse. Pelos vistos ela já sabia o que era que a casa gastava. Uma noite, como ele – passivíssimo - exigia sempre muitas umas atrás das outras, numa dessas tantas vezes senti ameaças duma crise cardíaca e apanhei um grande susto! Mas isso não me impediu de pensar comigo mesmo, que boa maneira de deixar este mundo tão belo: em cima dum glutão!

Um dos grandes dissabores foi quando, uma manhã, desci para comprar pão e fui seguido por um muito bem apetrechado árabe. Ele lembrou-me aqueles personagens dos filmes de Passolini. Vestia um casaco de cabedal com um pequeno rasgão numa das mangas. Ele preveniu-me que era muito bem equipado, que ia rasgar-me todo por dentro, mas isso não me assutou! Com o Bernard, como ele era inteiramente passivo, a coisa tornara-se um tanto repetitiva e um tanto enfadonha. Um machão que me ameaçava de rasgar-me todo por dentro, era uma boa variante. Mas o problema foi que ele realmente dilacerou-me de tal modo que tive de ir de corrida às Urgências dum hospital ali perto. Eu estava acanhadíssimo e amedrontado, mas tive a sorte de cair nas mão dum muito jovem e belo chirurgião que soube como me pôr à vontade, dizendo-me que isso também já lhe tinha acontecido, que não era grave, e que gostaria de me provar pessoalmente que se podia fazer amor sem esse tipo de desastre. O que viria a contecer quando, por acaso, esbarrei com ele na Rue du Dragon. Ele perguntou-me onde era que eu morava, e como era mesmo ali a dois passos, ele subiu. Com ele descobri que doçura era fazer amor com alguém que tinha longamente estudado anatomia!

O outro dissabor foi quando, uma tarde, quando o Pat regressou do trabalho e encontrou tudo espalhado pelo chão e o guarda-roupa quase vazio, assim como um casaco de cabedal que não nos pertencia. Ao olhar esse casaca reconheci o casaco que o meu garanhão de árabe vestia nesse dia que subira comigo! Compreendi que ele aprendera o caminho, pois que na cozinha, a pequena janela que dava para o telhado, ele me advertiu que essa janela era um perigo, que quem quer que fosse que quisesse entrar em nossa casa, bastava-lhe sair pela janela que havia no nosso patamar, que dava para o telhado, e depois entrar pela janela da nossa cozinha!

Uma das coisas curiosas que me aconteceram nesse pequeno apartamento foi que, sobre a lareira da sala, havia um grande espelho na sua pesada moldura doirada. Ora esse espelho estava todo rachado e, um dia, telefonei ao senhorio, a pedir-lhe leicença para o deitar fora e, em vez dele, pôr um bonito quadro que eu tinha comprado. A voz masculina que atendeu a essa chamada disse-me que aguardasse uns dias, que ele viria dar uma vista de olhos pelo espelho para ver o que se podia fazer. Dias depois batem à minha porta. Abri e, na minha frente, depois de ter amaranhado seis andares a pé, apresenta-se-me um senhor muito distinto, aí dos seus noventa anos! Perguntei-lhe como era que ele, na sua idade, podia subir esse interminável escada de caracol, e chegar-me ali na minha frente sem qualquer problema de fôlego! Ele respondeu-me muito simplesmente:

- Je bois pas! Je fume pas! Et, surtout, je baise plus!

Ora, depois de ter deitado uma vista de olhos sobre esse espelho, ele vira-se para mim e afirmou peremptoriamente:

- Ne touchez pas à ce miroir! D’abord il faut que je demande permission à ma mère !

Pensei com os meus botões que a sua mãe já devia ter mais de cem anos, mas que era ela ainda quem mandava lá em casa!

Passei uma grande temporada sem trabalhar e a minha vida era bem conhecer todos os recantos desse belo Quartier Latin. Um dia, muito por acaso, ao descer Rue Bonaparte para ir até ao cais do Sena, ao passar pela Rue Jacob, totalmente por acaso, dei com uma escola de teatro. Entrei e fui recebido pela professora, uma americana que ensinava todas as técnicas do teatro. Ela engraçou comigo, e quando lhe falei das lições de teatro que tinha recebido em Lisboa, da Berta de Bivar, ela ficou interessadíssima na minha pessoa, que eu a podia ajudar no seu ensino, que eu tinha tipo de artista. Ingressei nessa escola, e como todas as lições eram em Inglês, era quase sempre eu que lia em voz alta os textos a serem estudados. Ela gostou tanto do meu sotaque e da maneira teatral que eu lia os textos que me propôs eu frequentar a sua escola gratuitamente. Claro que aceitei! Eu aprendia muito mais do que eu ensinava o pouco que sabia. Aparentemente, era o enfâse com que eu lia os textos que a fascinaram.

Foi nessa escola que encontrei pessoas que anos mais tarde seriam actores e actrizes agora muito conhecidos. Comigo isso nunca chegou a dar nada de positivo na minha vida, pois que sempre algo de contrariante me acontece. Para continuar nessa escola eu tinha de ser declarado, mas para isso precisava dos meus documentos em dia e, assim, lá se foi tudo, uma vez mais, por água abaixo! A minha vingança foi fornicar com todos aqueles que ao passarem por mim na rua se viravam para trás! A minha vingança foi ir sempre que podia às Tulherias e engatar um marmanjo qualquer para levar para casa. Eu tinha que pagar a minha promessa feita ao meu querido irmão Alberto, perante o seu caixão aberto, no cemitério, nessa triste e chuvosa manhã!

Uma vez aconteceu um caso muito curioso. Encontrei um rapaz muito bonito que parecia ter acabado de chegar de férias. Chegados a casa o telefone tocou e era a Yvonne a dizer-me que gostaria de vir a Paris, se ela se podia alojar em nossa casa? A conversa passou-se toda em Hebraico, e quando desliguei o telefone ele vira-se para mim e, em Hebraico, pergunta-me de que parte de Israel eu era. Disse-lhe que era português e ele ficou espantado com o meu sotaque bem "sabra". Depois duns whikies acabámos ambos no chão numa das mais belas idas e voltas que me causaram tanta saudade de Israel e aumentaram ainda mais o meu desejo de voltar!

Yvonne chegou e instalou-se no nosso sofá. Adorou o nosso pequeno e acolhedor apartamento, e démos grandes voltas por Paris. No fim de semana o Pat levou-nos de carro a mostrar Paris e arredores. Outra visita que tive, foi o Miki. Ele tinha-se instalado num hotel de luxo, mas como era muito caro para a sua bolsa, a despeito do preço especial que lhe tinham feito, como hoteleiro, como tinha o meu número de telefone, telefonou-me. Logo a seguir à Yvonne, foi o Miki que abriu o meu sofá-cama. Démos também grandes voltas com ele por Paris e, como ele tinha uma máquina de filmar, filmou Paris quase toda. Sobretudo Montmartre. Nunca cheguei a ver esses filmes. As algumas vezes que fui a Israel de férias ele ofereceu-nos quarto no Hotel Marina, em Tel Aviv, de que era o director, mas nunca tive a oportunidade de os ver. Tempos depois tive um telefonema de Haifa, da Hella, que muito magoadamente me informou da morte do meu tão querido Miki! Que injustiça! Ele tinha apenas quarenta e dois anos!

Uma das outras inesquecíveis recordações desses belos tempos da Rue du Dragon foi, no Café-Tabac ali mesmo à esquina - no Boulevard Saint Germain, onde eu costumava tomar um café e comprar os meus cigarros - uma cigana que se veio sentar à minha mesa e teimou em me ler a Sina! Como ela tinha um bonito par de bem aviados peitos, os quais se repousavam sobre a mesa, não resisti e, só para lhe tocar os seus belos seios, estendi a mão! Ela leu-me o Passado e tudo o que ela mencionou, por coincidência ou por alguma arte de o fazer, correspondeu exactamente ao que se tinha passada na minha vida até àquele instante. Depois passou para o Presente, e o Presente era que, nesse momento, uma cigana me lia a Sina! Quanto ao futuro, tudo muito vago, as uma coisa que ela me disse, referindo-se à minha linha de vida, foi que ela era muito longa! Que eu iria viver até aos setenta e quatro anos! Eu tinha nessa altura quarenta anos e fiquei radiante! Que bom! Eu iria morrer velho! O pior dessa história toda é que neste momento em que estou a escrever as minhas memórias, tenho 74 anos! Tenho que me despachar, senão vai ser a minha Sinfonia Incompleta, para não dizer o fim da macacada!

Mas, realmente, esses tempos ali passados foram uma excelente aventura! Frequentava o Deux Magots e o Café de Flore muito mais para me acotovelar com grandes celebridades que pela bica que me custava uma fortuna! Ainda cheguei a tempo de ver por lá a Greco, o Sartre, e tantos outros que já não recordo. Depois do jantar, se não havia nada de especial na televisão, saíamos e íamo-nos “badalar” por essas ruas fora. As ruas estavam sempre a abarrotar de gente interessante e era como ir a uma feira sem pagar bilhete. Fomos a alguns cabarets ver bons espectáculos e, uma vez, por engano, fomos ao Nuage, ali mesmo a dois passos da nossa porta. Mas nem sequer nos chegámos a sentar. A clientela eram todos homossexuais a cavalo uns nos outros, a agitarem futilidades e, sobretudo, aquilo era um perfeito geto! E sempre tive horror aos getos! Fossem eles quais fossem! Acho que as pessoas, seja qual for a sua cor ou o seu credo, deviam misturarem-se todas umas com as outras e fazerem de muitos getos apenas um! A esse geto eu chamaria Uma Humaniade sem Getos! Os ricos e os pobres; os feios e os bonitos; os velhos e os jovens; seríamos todos iguais. Não castas! Ninguém é um milímetro maior ou mais pequeno do que todos os outros! Todos saímos um dia do ventre das nossas mães, e todos entraremos um dia no ventre da terra! De ventre a ventre, devíamos darmo-nos as mãos e não competições a ver quem é mais do que o outro! Pior do que tudo são os cemiérios separados. Como se depois de mortos se pudesse conservar valores pessoais! No ventre da mãe tudo começa por um tresloucado espermatozoíde a meter o nariz onde não é chamado, e no ventre da terra tudo se acaba num mudo e imóvel esqueleto sem quaisquer outros projectos ou ambições!

Mas como tudo o que é bom dura pouco, um dia abriram um restaurante asiático no rés-de-chão desse nosso número 3, Rue du Dragon. Como a especialidade da casa eram grelhados, e cada qual os fazia sobre uma grelha individual em cima da sua mesa, como sobre essa grelha havia um extractor de ar e, sobretudo, o enorme extractor mestre fora instalado sobre o telhado, colado à janela do nosso quarto de dormidas, e como o restaurante só fechava às duas da manhã e nós tínhamos de nos levantar às sete dessa mesma manhã, a vida tornou-se insuportável, pois que todas as pessoas mais ou menos normais precisam de dormir oito horas por dia ou por noite, tivémos de procurar apartamento noutro sítio mais pacato! Como de costume, Pat encontrou um anúncio de um apartamento para alugar, em Boulogne-Billancourt, e lá vamos nós de novo de volta a essa Boulogne onde vivemos em quatro apartamentos diferentes. Pelos vistos, tal como o meu pai, andávamos sempre com a casa às costas!

jeudi 24 décembre 2009

A Odisseia dos Renegados






O problema foi que esse grande génio do cinema francês tinha-me telefonado na quinta-feira, e eu só tinha até domingo para me organizar. A primeira coisa que fiz foi telefonar às duas madames que eu “servia” todas as segundas-feiras, a prevenir que eu nesse dia não poderia cumprir o nosso contrato. Elas ficaram fulas e eu tive de me precaver e não as mandar ao raio que as partam! Eu queria que elas um dia fossem ao cinema com as amigas e quando eu aparecesse no ecrã elas saltarem na cadeira e dizerem umas às outras: Olha quem é! Nunca esperei! Era o meu “homem-a-dias”!

Na sexta-feira esse grande realizador voltou a telefonar-me. Pensei que ele me queria dar algumas instruções, mas não! Ele queria apenas fazer uma simples pergunta: Você é Judeu? Tomando em conta o problema do anti-semitismo em França, disse que não era! No dia seguinte – Shabbat - ele volta a telefonar-me a dizer-me que, afinal de contas, não havia nenhum papel para mim no seu filme e, sem qualquer desculpa ou explicação, desliga-me na cara! Fiquei absolutamente arrasado! Não compreendia porque razão ele tinha, dum dia para o outro, mudado de opiniões acerca dos planos que ele tivera de fazer de mim uma vedeta, para o qual ele me tinha arrancado ao meu querido Hilton! O mais doloroso de tudo, foi ainda, eu ter compreendido sem grandes dificuldades, que eu estava condenado a ser “homem-a-dias” para o resto dos meus dias! Ou até que certos absurdos fanatismos fossem finalmente destronados!

Lá continuei a viver o meu reles dia-a-dia sem nada poder fazer para sair do meu beco sem saída. Eu poderia ter voltado para o Hilton! A Glória, quando duma curta visita a Tel Aviv, tinha-me aconselhado a voltar, que no Hilton haveria sempre trabalho para mim! Mas o Pat não estava muito pelos ajustes e, sobretudo, eu tinha decidido provar a mim mesmo e a todos os demais, que eu podia realmente vir a ser uma grande vedeta do cinema francês! Como essa idéia de fazer cinema se tinha enraízado em mim duma forma quase doentia, decidi tentar a sorte com outros realizadores. Eu queria provar a essa porcaria de criatura que me arrancara ao país e ao emprego que eu tanto amava, que mesmo sem ele eu viria a ser um dia uma grande vedeta!

Comecei por me inscrever em várias Agências Artísticas. Preenchi os meus contratos como sendo Rogério do Carmo, dando a morada e todos os outros pedidos formulados. Continuei a fazer limpeza aguardando ser eventualmente convocado para prestar provas. O telefone não tocava e o carteiro não me batia à porta. Apenas uma vez fui convocado para prestar provas no Museu do Louvre. Pensei que talvez desta vez tudo se passasse bem, pois que em Portugal, com o Nuno Fradique, na televisão, tudo se passara sempre pelo melhor. Depois fizera aquele pequeno papel no filme “Encontro com a Vida”, do arthur Duarte, com o Rogério Paulo, e a revista Plateia dera-me aquela boa crítica dizendo que as Portas do Cinema se tinham aberto para mim! Que o papel tinha sido pequeno, mas que António Vilar e Virgílio Teixeira tinham começado assim!

Ao chegar ao Louvre pergunto onde encontrar a pessoa encarregada dessas provas e fui encaminhado para uma pequena sala onde já haviam vários outros jovens sentados à espera dum milagre. Dirigi-me à secretária onde estava um cavalheiro sentado e apresentei-me com a minha convocação. Ele olhou-me, como sempre, de alto a baixo, e estendeu-me uma folha para eu preencher. Sentei-me a um canto e preenchi essa folha. Pus o meu nome e morada e respondi a todas, muitas e várias perguntas. Quando me pediram qual a minha religião eu escrevi “nenhuma”! Esse cavalheiro depois de ter verificado se a minha folha estava convenientemente preenchida, olha-me por cima dos óculos e perguntou-me se eu era Judeu. Uma vez mais, pelas mesmíssimas razões, disse que não era Judeu! Ele pôs a minha folha de parte e disse-me que eu seria contactado mais tarde, pelo correio. Ao abandonar a sala perguntei a mim mesmo qual a razão eu não prestava as minhas provas nesse mesmo dia, para o qual, tal como todos os outros, tinha sido convocado!

Continuei a fazer as minhas “limpezas” mas, um dia, ao ver ali tão perto da Porte de Saint-Cloud, aquele altíssimo Hotel Sofitel ali no periférico, dei lá um salto para tentar a minha sorte. Quando cheguei à recepção para pedir para falar com o Chefe do Pessoal, uma vez mais, tal como no passado, em Ramat Aviv, o recepcionista era um dos meus ex-condiscípulos do Tadamor Hote Training School! Ele ficou espantado de me ver ali na sua frente, e quando lhe expus o meu problema ele telefonou ao dito responsável, dizendo que eu era um amigo dele dos tempos da sua escola de hotelaria em Israel, que eu tinha sido o mais louvado de todos quando dos exames. Depois, desejando-me boa sorte, pediu a um bellboy que me acompanhasse ao escritório desse senhor. Lá chegado, depara-se-me um cavalheiro muito distinto que, muito profissionalmente, me convida a sentar-me na sua frente. Ele olhou-me penetrantemente nos olhos e perguntou-me se eu tinha o meu diploma do Tadmor. Claro que tinha! Estendi-lhe o diploma e todas as cartas de referências dos hotéis onde tinha trabalhado em Israel. Ele perscrutou longamente toda aquela papelada e logo me propôs um lugar na recepção. Seguidamente pediu-me igualmente a minha Carte de Séjour. Quando lhe disse que a minha carta de Séjour já não era válida, ele respondeu-me que não era problema, que ele trataria do assunto! Pediu-me para eu lhe confiar a minha carta e assinar um contrato, e disse-me que logo que ele recebece a minha nova Carte de Séjour me contactaria.

Ao sair do hotel fui a correr para a avenida de Versalhes fazer a minha limpeza da tarde. Cheguei atrasado mas expliquei à senhora o que se tinha realmente passado. Ela desejou-me boa sorte, dizendo-me que eu era uma pena andar a fazer limpezas, que merecia melhor sorte! Pela minha cabeça passou-me mais uma vez aquela história de eu merecer mais estar sobre um palco, do que a limpar os bastidores!

A minha penitência de nunca saberei que pecado, arrastou-se pelo tempo fora na expectativa de ser convocado de novo ao Louvre para prestar provas, e de ser contactado pelo Sofitel informando-me dos resultados dos seus eforços de revalidar a minha Carte de Séjour para que eu pudesse começar a trabalhar na minha profissão. As limpezas continuavam a ser aquela pequena cunha que eu utilizava para não resvalar ainda mais baixo na minha situação. O Pat estava sempre lá para me amparar, mas eu queria ser dono do meu destino.

Uma noite, depois de jantar, fomos ver um pouco de televisão. Caímos em cima duma longa entrevista a um daqueles muitos, demasiados pseudo-actores que por aí andam - hoje, amanhã e sempre - a fazer cinema, teatro, discos com cantigas de merda, “one’man show”, televisões umas atrás das outras, publicarem as suas memórias escritas por uma indústria de aldrabices, sem talento seja para o que for, apenas por serem filhos, primos, cunhados, de alguma outra vedeta decadente! Nessa noite, nessa entrevista, depois de um chorrilho de baboseiras, afirmou, alto e tolamente, que para se fazer cinema é preciso ser-se Judeu! Nessa noite comecei a compreender o que se estava realmente a passar comigo e indiferença dessas pessoas todas que tinha contactado para dar o meu primeiro passo na Arte de representar!

Na manhã seguinte faltei a uma das minhas limpezas e voltei a todas essas agências artísticas por onde tinha passado, e voltei a preencher essas tais folhas com as nossas referências e onde tinha de escrever o meu nome pus Ruben Carmowsky e, mais abaixo, onde devia pôr qual o meu pseudónimo, pus Rogério do Carmo! Dias depois começaram a chover as propostas para fazer figurações em filmes em rodagem nessa altura. Demiti-me da Agência de Limpezas e comecei a andar de seca e meca a “botar figura” perante essas miraculosas câmeras que divulgam as nossas fuças! Pouco a pouco comecei a ser notado. Pouco a pouco comecei a acreditar que poderia dar uma grande chapada naquele realizador que destruíra o meu futuro!

Pelo facto de eu falar Hebraico, comecei a ter ainda mais propostas. Como também falava Inglês fui contratado para um filme inglês como tradutor. Era eu que traduzia as ordens do realizador inglês aos milhares de figurantes! As filmagens duraram três semanas e andámos de terra em terra a acabámos numa grande batalha no Chateau de Vincènes!

Depois foram altos e baixos e como não podia ficar inactivo demasiado tempo, aceitei uma proposta duma colega do Pat que tinha um bébé de nove meses e procurava alguém que tomasse conta da sua casa e do seu bébé. Aí começou uma das mais belas histórias de amor da minha vida! Foi a “minha” Vává!

Quanto ao aprendiz de fazedor de vedetas, muitos anos mais tarde, foi por mim entrevistado numa rádio! Quando ele entrou no estúdio e viu quem era o entrevistador, olha para mim muito surpreendido e clamou:

- Eu bem lhe tinha dito, Roger! Em Paris você seria uma grande vedeta!

A minha resposta foi:

- Grande vedeta, o caraças! Para estar agora aqui na sua frente e ter de jantar esta noite, tive de andar a fuçar a manhã toda, a limpar a merda dos outros!

mercredi 23 décembre 2009

Para Ti Querido Hilton!
















Outra grande recordação dos tempos da Edouard-Vaillant, foi uma certa carta que, inesperadamente, me foi enviada pelo Hilton de Tel Aviv! Ao ver essa carta passou-me pela cabeça que eles me queriam de volta! Mas era apenas uma carta do Professor Lazar, que me tinha operado ao olho direito, que tinha gostado muito do desenho que eu tinha feito, inspirado nessa minha primeira passagem sob a anestesia geral. Ele tinha-me pedido esse desenho como recordação desse evento, mas eu recusára-lho, pois que esse desenho eu queria-o só para mim!

Tempos mais tarde, pensando que eu ainda trabalhava no Hilton, enviou-me essa carta pedindo-me, ao menos, uma cópia desse meu desenho de que ele tanto tinha gostado. Do Hilton fizeram-me essa grande honra de me remeter essa carta, juntamente com um bilhetinho dizendo que eles, Hilton, também queriam uma cópia para eles, a lembrar a minha brilhante passagem pelos seus serviços. Enviei uma cópia ao Professor Lazar e jurei-me levar a outra ao Hilton, pessoalmente. Agora, ao escrever este apontamento, recordo que até à data ainda não cumpri essa minha promessa! Tenho que me despachar! Antes que seja completamente esquecido pelos poucos ex-colegas que ainda lá trabalham. Como o Avi...

Natal 1977 com o Fanana

















Esse Natal 1977, depois de três anos em Israel - sem Natal, essa tão cristã celebração - foram algumas passadas atrás que eu e o meu irmão Fernando - que então trabalhava no Claridge, afastado da sua mulher e dois filhos - démos! Nesse dia, ele e o Pat, foram a minha única família, com a qual eu podia festejar esse meu primeiro Natal, depois de tantos anos. Fizémos duas fotos para enviar à sua família em Paio Mendes.

Aqui vão elas, Fernando! Agora para ti que, em Paio Mendes, repousas sob essa terra que nunca te soube amar! Nessa tua campa rasa - onde um dia fui depor uma pedrinha para que te sentisses menos só! Repousa em Paz! Até qualquer dia! Esse dia quando me juntarei a todos aqueles que tanto amei e que me deixaram pelo caminho!

mardi 22 décembre 2009

Edouard-Vaillant - Marcel Sembat



Edouard-Vaillant era uma rua bastante movimentada. Tráfego e transeuntes. O nosso muito bem mobilado pequeno apartamento era no quarto andar, a dar para as traseiras. O que o tornava um sítio calmo onde se viver. Tínhamos apenas uma pequena sala muito bem mobilada com varanda para os telhados dos vizinhos. Nessa sala, realmente muito bem mobilada pela senhoria, havia um sofá/cama que abríamos sempre que tínhamos visitas. Haviam também dois canapés, uma mesa baixa, um recanto com o televisor, uma mesa redonda de casa de jantar, com quatro cadeiras à volta, e um grande aparador cheio de bonitas louças. Havia o hall de entrada e a cozinha muito bem apetrechada, assim como um belo quarto com cama de casal, um grande guarda-roupa, uma cómoda, casa de banho privativa, e uma larga janela para as traseiras. Em baixo tínhamos todos os comércios, incluindo um supermercado e alguns bonitos Cafés onde, na esplanada ou por detrás duma vitrina, eu muito gostava de passar uns bons momentos a saborear um bom café, ler um jornal e, sobretudo, apreciar as belezas que constantemente passavam.

Instalarmo-nos nesse novo lar foi fácil. Não tínhamos móveis a transferir. Apenas as nossas malas de roupa e alguns bens pessoais. Mal abrimos as malas e arrumámos as nossas coisas, tínhamos ali logo à nossa espera uma fofa cama que nos abria os seus lençóis num largo sorriso. A readapatção foi rápida. A despeito de ser um apartamento mobilado ao gosto dos outros, surpreendeu-me ter-me sentido completamente “chez-moi”!

Depois de tudo arrumado procurei organizar a minha vida profissionalmente. Peguei nos meus documentos e fui ao Hilton de Paris ver como paravam as coisas. Fui muito bem recebido. Falei com o chefe do pessoal que, depois de ter visto as referências que tinha trazido do Hilton de Tel Aviv, imediatamente me propôs um lugar como “night-auditor” no Hilton do Aeroporto de Orly. Porém nesse hotel recusaram-me porque a minha “Carte de Séjour” já estava fora de validade. Enviaram-me ao Ministério do Interior renová-la, mas como nessa altura – muito antes das fantasias da Europa-Unida a tentarem obter o mesmo poder sobre o mundo, que os Estados-Unidos da América – esse Ministério tinha fechado todas as portas à imigração, fossem eles de que nacionalidade fossem, fiquei com a corda ao pescoço! Como em Israel, deram-me apenas uma licença de estadia de três meses! Era evidente que não me valeria a pena procurar emprego noutra qualquer profissão. Tinha três meses e acabou! Depois desses três meses, tal como em Israel, teria as Autoridades no meu encalço! A única saída e solução seria contactar aquele célebre realizador de filmes e ver se assim eu obteria, eventualmente, trabalho e legalização dos meus documentos. Telefonei-lhe e ele marcou encontro comigo num famoso restaurante dos Campos-Elísios, muito perto dos seus escritórios. Almoçámos juntos e ele falou-me dum filme que ele andava então a preparar. Ficou radiante de me ter de volta a Paris para fazer de mim uma vedeta! Depois do almoço ele pediu-me o número do meu telefone e que, logo que as filmagens fossem iniciadas, me convocaria para falarmos do papel que me teria sido atribuído no seu “casting”! Não lhe falei da minha situação irregular no país, pois que pensei que, com a sua influência, ele me obteria os meus outros papéis. Esses de cidadão francês! Voltei a casa mais animado e profundamente convencido que o meu trabalho nesse filme me abriria muitas outras portas!

O Pat continuava na O.E.C.D. e ganhava bem a sua vida, mas como sou, fui, e sempre serei, muito independente, para não ficar totalmente dependente do ordenado do Pat, pus os pés a caminho e, como tantos outros pobres diabos aos cavacos, como eu, agarrei na única possiblidade de continuar neste país, ao “negro”, procurei trabalho numa Agência de Limpezas, ali mesmo ao pé da porta. Nessa agência, como muito bem contava, não me exigiram documentos. Assim, graças a eles, comecei a ser enviado aqui e ali para limpar as casas daqueles que, legalizados, podiam dar-se ao luxo de ter um limpa-merdas quase de borla. Mesmo assim ganhava o suficiente para limpar a minha dignidade de não depender dos outros inteiramento. Um do meus primeiros trabalhos foi ali em casa dum embaixador qualquer, na avenida de Versalhes, cuja esposa tanto gostou do meu trabalho (como sempre, seja o que que for que eu faça, sou sempre o melhor) recomendou-me à “concierge” e a todas as suas vizinhas e amigas. Comecei a fazer quatro horas de manhã em casa duma e, na parte da tarde, depois de uma sandes e uma meia de leite, mais quatro horas em casa doutra patroa. Ganhava cinco francos por hora, o que me dava quarenta francos por dia. O que já não era mesmo nada mau nesses tempos, mas esses francos que me entravam no meu porta-moedas saíam-me directamente dos poros do meu rosto e do meu corpo que fazia tudo o que eu lhe ordenava. Mas, como me tinha dito esse grande realizador de cinema, eu deveria estar sobre um palco, não a limpar o lixo dos outros!

E assim se foram passando os dias. Da Edourd-Vaillant à avenida de Versalhes era tão perto que eu ia a pé e atravessava sempre a rotunda Porte de Saint-Cloud, onde havia um grande Café, o “Les Trois Obus”, onde eu sempre parava para a minha primeira bica do dia e onde, mais tarde, voltaria para a minha sandes e meia de leite, antes de agarrar nos utensíios da outra senhora à qual eu limparia o seu esterco! A vida era dura, mas aguardava impaciente de ser chamado às fileiras para iniciar a minha carreira de grande actor que sempre quis ter sido!

Depois da minha segunda tarefa de cada dia, voltava a casa e, pelo caminho, fazia as minhas compras para poder apresentar um jantar decente ao homem que me pagava a renda da casa. Era uma rotina degradante pois que em casa das minhas frequesas tinha de assear a sua trampa e, o pior de tudo, coisa que detesto, passar a ferro. Por vezes também fazer-lhes as compras e algumas vezes mesmo cozinhar as suas refeições para elas armazenarem nos seus congeladores. Porém, ao fim dessa grande estopada, iria ter o Tapete Vermelho em Canes à minha espera. Eu estava certo de que, com a ajuda desse grande realizador de filmes, eu iria ser um grande, grande actor, como sempre sonhara ser desde pequenino! E eu não estava enganado!

Um dia, estava eu a preparar o meu jantar em casa quando subitamente o telefone tocou! Corri pressuroso! Talvez fosse o Pat a dizer-me que chegaria tarde, o que muitas vezes acontecia, pois que ele estava a cargo dum trabalho muito importante nessa Oraganização. Porém, nessa tarde, não era o Pat, era o meu Messias, esse grande realizador de cinema que me “descobrira” em Tel Aviv, ali por detrás do balcão da recepção do Hilton, e que iria fazer de mim uma grande vedeta! Ele pediu-me para estar - sem falta - às oito da manhã, na próxima segunda-feira, às oito em ponta, no Café “Les Trois Obus”, na Porte de Saint-Cloud, que partiríamos daí, com toda a sua equipa, para filmagens de exterior, nos arredores de Paris!

Ao repor o telefone sobre a sua base, ergui os olhos aos céues e agradeci a Deus essa grande benção. Eu já estava farto de andar a fazer de “mulher a dias” a todo o bicho-careta, e ia enfim ser um grande actor! Por essa razão eu tinha deixado o país que amava, um emprego onde eu tinha um grande futuro à minha espera, colegas que adorava! E essa Tel Aviv onde eu era tão feliz, que aguardava a vinda do Pat para trabalhar no British Council e estarmos de novo juntos, naquele novo pequeno lar lá no alto, sobre aquele telhado com um grande terraço todo acimentado que nos aguardava para nos agasalhar. E o mar ali mesmo à nossa frente, com as suas altas vagas à nossa espera para nos galgar em cima!

dimanche 20 décembre 2009

Saint-Cloud - Rue de la Tourelle




A viagem de regresso passou-se como quase sempre, nessas alturas. Dormitando e ser acordado para uma pequena refeição. Nesses áureos tempos ainda não tinham sido inventados os actuais miseráveis “cachorros” que não mordem nem são mordidos.

Sabia que o Pat tinha deixado a Jules Ferry por se ter sentido demasiado só sem a minha presença. Tinha alugado um pequeno estúdio na Rue de la Tourelle - mesmo em frente do Estádio "Parque des Princes" - e que tinha trazido com ele apenas as suas roupas e alguns cacos. Tendo deixado para trás todos os móveis que eu tinha confecionado. Incluindo aquela maravilhosa cama de casal que eu tinha fabricado com as pranchas que dividiam a sala. O pior de tudo, tal como os desenhos que eu deixara entregue aos cuidados da Dona Maximina, em Lisboa, em 1960, as minhas pinturas eróticas que tinha pintado sobre madeira, tinha-as perdido a jamais!

O seu estúdio era relativamente pequeno. A sala tinha duas janelas que davam para a rua, com o estádio ali mesmo em frente, a alguns metros de distância. Era o único panorama a ser avistado dessas janelas. Haviam dois divãs, um guarda-roupa, uma mesa de casa de janta com quatro cadeiras, uma estante, e uma mesa baixa com um televisor a cavalo. Haviam igualmente uma pequena cozinha, casa de banho, e um pequeno corredor. Ele tinha trazido consigo a Cookie, a nossa gata que tinha sido encontrada - ainda bébé - na piscina do Claridge Hotel, onde eu tinha trabalhado no passado!

Não ficámos lá muito tempo, porque era realmente demasiado pequeno para duas pessoas. Decidimos procurar um apartamento com mais espaço. Encontrámo-lo ali perto, na Avenue Edouard-Vaiilant, mesmo em frente da boca do Metro "Marcel Sembat". Procurámos ainda ver se o nosso belo apartamento na Jules Ferry estava desocupado, mas outra famíllia o tinha tomado. Talvez agora dormindo sobre a minha rica cama de casal, excitando-se com as minhas pinturas eróticas!

A única coisa que recordo claramente desse curto período que vivemos na Rue de la Tourelle foi, quando haviam grandes desafios de futebol. Para não ouvirmos a monotonia dos relatos, tirávamos o som ao televisor e ouvíamos apenas os urros e aplausos dos torcedores das duas equipas em campo, quando marcavam algum golo. Assim como, quando fomos ao estádio ver pessoalmente um encontro entre duas equipas de Rugby – Escócia-França. Quando subi aquela escadaria que me conduzia à bancada onde me iria sentar, ao pôr o pé sobre a plataforma acimentada, marcaram um golo e o estádio veio abaixo com uma clamorosa aclamação. Durante alguns segundos pensei que tinha sido causada pela minha súbita aparição! Ou talvez, quem sabe, do meu regresso a Paris! Sem esquecer, observar o Pat a tricotar um bonito pulôver todo branco para mim, que iria durar muitos anos. Eu e o malvado do pulôver que me chagava até aos joelhos!

A Grande Festa de Despedida







As últimas recordações desses belos tempos no Hilton foi aquela festa de despedida e a vinda do Pat até Tel Aviv para me ajudar a acartar as minhas malas de regresso a Paris. Foi uma grande alegria tê-lo visto entrar pela porta dentro e vir ter comigo à recepção com o seu belo tímido sorriso. Fui levá-lo a casa na Shlomo Hamelech para ele descansar um pouco, até que eu acabasse o meu turno às 15 horas. Eu trabalhei até ao último minuto no Hilton, como se me separar desse hotel e de todos aqueles colegas que tanto amei fosse uma das mais penosas separações da minha vida!

Passei o resto da tarde com o Pat a passear pela cidade. Depois do jantar fomos para casa e pedi ao Pat que me aguardasse, que eu ia despedir-me do Augusto que, entretanto, se tinha mudado para um quarto no Kikar Dizengoff, ali muito perto de minha casa. O problema foi que separar-me do Augusto significava uma noite inteira de intenso sexo, como só com ele seria possível! De manhã quando cheguei a casa encontrei Pat muito magoado e ofendido. Como ousara eu ter ido passar a noite com outro homem, quando ele tinha vindo expressamente para me ajudar com as malas? Nessa manhã ele jurou-me que se pudesse ter apanhado um avião antes do nosso, que o teria feito! Se tivesse sido o caso, teria sido o fim das nossas relações, que nunca mais me quereria ver pela frente! Felizmente, não foi o caso e nessa tarde apanhámos um táxi até ao Aeroporto com as minhas malas.

Foi com lágriams na alma que levantei voo desse país a que tanto quero, dessa Tel Aviv das minhas tantas aventuras, da minha juventude, desse Hilton que tinha sido uma das minhas mais ricas passagens pela minha profissão, e todos aqueles colegas que sabia que nunca mais veria na minha acidentada vida, mas que eu voava na direcção doutra grande aventura da minha vida: Paris e a minha ascenção como actor! Eu ia ser uma grande vedeta do cinema francês!

A Noite da Morte!



No Hilton, a minha vida era uma alegre cegada! Gostava tanto do meu trabalho, dos meus queridos colegas todos, gostava tanto de Tel Aviv e desse país em que essa cidade é raínha venturosa! Gostava tanto, tanto de viver! Gostava tanto de viver nesse meu país de adopção onde eu, estando a trabalhar no Hilton, autorizado a empregar quem muito bem lhes apetecia, me afastava da ameaça permanente de ser expelido desse país que tanto amo, apenas por não ser Judeu! Nunca ninguém é um milésimo maior ou mais pequeno do que o resto da humanidade! Hoje, se não fossem certos fanatismos podia estar lá agora a gozar a minha reforma nesse país que amo e perto de todos esses amigos que lá deixei, alguns dos quais ainda aguaradando o meu regresso!

Certa manhã, estando eu felicíssimo de estar por detrás daquele balcão, fazendo o trabalho de que tanto gostava, brincando com todos os hóspedes que vinham pôr ou buscar a chave do seu quarto, apalpando as nádegas e os seios dos meus tão queridos colegas, reparei que, em frente, sentado num sofá, um cavalheiro me observava insidiosamente. Não liguei! Não era a primeira vez que um hóspede sentado num daqueles sofás do Loby, me observava como se eu fosse uma marioneta agitada por certos invisíveis cordelinhos. Se ele me espiava, eu também o comecei a observá-lo. Subitamente ele ergueu-se da sua cadeira e veio até à recepção e perguntou-me muito delicadamente se eu era ou tinha sido comediante. Respondi-lhe que sim, que desde muito pequeno o meu maior sonho era ser actor. Que tinha trabalhado na televisão portuguesa e entrado num filme dum grande realizador português. Ele põe-me na mão o seu cartão de visita, dizendo-me que eu era um desperdício estar alí por detrás dum balcão, que eu devia estar sobre um palco! Que se eu jamais viesse a Paris, o contactasse, que ele faria de mim uma grande vedeta! Que estava a preparar um filme e que me daria um papel nesse seu trabalho se eu voltasse! Agradeci o cartão e continuei a minha vida. Ele regressou ao seu quarto e, desde aí, nunca mais o vi! Porém, a sua oferta tinha acertado no alvo como uma flecha em ouro! A partir desse mesmíssimo momento a minha mente começou a carborar no sentido de voltar para Paris e tentar a minha sorte como o actor que eu sempre tanto quisera ser!

A semente lançada à terra do meu desejo mais profundo, começou a germinar e a ganhar raízes. Eu, que era tão feliz de viver no país que tanto amava, de trabalhar nesse Hilton que um grande futuro me oferecia, todos aqueles meus colegas que tanto carinho me dispensavam, a alegria de saltar no mar todos os dias ao sabor das ondas, o meu Augusto, o melhor amante que jamais tivera até então, o Omar que me vinha constantemente oferecr-me seu belo corpo de homem casado, o meu sonho de encontrar casa para quando o Pat viesse reunir-se a mim, pois que tinha encontrado trabalho no British Council, ali mesmo em frente do Hilton, e aquele pequeno apartamento que eu tinha visto sobre um telhado, frente ao mar, na Yarkon, a dois passos do Hilton e do British Council, eu ia renunciar a tudo isso contra uma proposta atirada ao ar nas asas dum branco cartão de visita escriturado num azul escuro muito forte? Foi precisamente o que aconteceu!

Quando apresentei a minha demissão ao Senhor Moshe Navon, o Chefe do Pessoal do hotel, ou melhor, a minha transferência para o Hilton de Paris, ele pediu-me por tudo que reconsiderasse, que o meu trabalho era muito pareciado e que o director tinha muitos planos futuros para mim. Na manhã seguinte fui chamado ao escritório do Director Geral, o Mr. Florijn. Acorri e ele pediu-me encarecidamente que não deixasse o Hilton, que o seu assistente iria ser transferido para Nova Yorque, e que ele gostaria que eu o substituísse, que eu tinha todas as qualidades requerida para esse posto. Senti-me muito lisonjeado, mas as luzes da ribalta que me acenavam de Paris eram mais fortes do que esse belo futuro que o Hilton de Tel Aviv me estendia!

Como eu tinha recusado a proposta do Director, Glória, a chefe do pessoal, tratou de organizar a minha transferêcia para o Hilton de Paris. Dei um salto ao Consulado de França, ali mesmo em frente da minha Praia Frishman, para ver se os meus papéis estavam em ordem para o meu regresso a França. Eles olharam para a minha Carte de Séjour e garantiram-me que sim, que eu tinha estado mais do que cinco anos nos país, que tinha todos os direitos. Imediatamente escrevi uma carta ao Pat e informei todos os meus colegas do meu retorno a Paris. Todos lamentaram a minha partida, mas que bem gostariam de estar na minha pele! Paris! Essa Cidade Luz que tanto os atraía!

Dei um salto a uma Agência de Viagens na Ben Yehuda e encomendei o meu bolhete de avião só ida. Telefonei ao Pat a informá-lo da data da minha partida do Aeroporto Ben Gurion e ele, para me fazer uma grande surpresa, reservou um voo de Paris, ida e volta, na mesma companhia, tendo lugar no mesmo avião que eu tomaria quando do meu regresso.

Fui despedir-me de alguns amigos e dei um salto a casa do Bob, aquele ricalhaço que tinha sido meu amante quando dos tempos da Pnimiá. Encontrei-o abatido e desmotivado da vida. Quando lhe disse que ia deixar Israel para tentar fazer uma carreira como actor em França, ele baixou os olhos e disse-me que eu lha faria muita falta. Que ele era um homem retirado da vida, farto da sua solidão, que a sua passagem sobre esta terra estava a chegar ao fim, que não tinha ninguém, nem mesmo descendentes a quem legar a sua fortuna. Que eu deixasse o Hilton e o Pat, que deixasse de andar a correr atrás de velhos sonhos de infância, que viesse viver com ele, que o acompanhasse até ao fim dos seus dias e que eu seria o único nome a figurar no seu testamento. Que eu podia depois ir viver para a sua casa em Capri, de que eu tanto gostara. Que tivesse pena dele! Agarrei-lhe na mão, fixei-o nos olhos e garanti-lhe que ele ainda iria viver muitos anos, que encontraria outro alguém que o acompanhasse no seu isolamento! Que eu tinha de cumprir o meu destino, voltar para Paris e ser um dia um grande actor! Que tinha muita pena de deixar o Hilton, mas que o Pat nunca o deixaria! Dei-lhe um beijo na face, disse-lhe até qualquer dia, e nunca mais voltei! Nunca saberei como tudo se passou depois!

Os meus colegas organizaram uma festa de despedida em casa dum deles que morava ali na Ben Yehuda, e foi uma festa de arromba! Eu estava triste de os deixar todos para trás, mas as luzes da ribalta fulguravam lá ao longe a chamarem por mim!

O Meu Lar Na Shlomo Hamelech







samedi 19 décembre 2009

A Mudança Para Shlomo Hamelech







No meu Mil e Uma Noites as minhas noites eram um afago. A Frishman Street era um sossego e, a partir da meia-noite, nem um carro passava. Apenas, raramente, uma pequena mota que ao passar derrubava a amena calmaria nocturna. Porém, descendentes desse progresso tecnológico, inventaram pequenos carros descapotáveis para os jovens, para enriquecer os seus próprios inventores. A promoção foi de tal modo intensa que, rapidamente as ruas começaram a ser infestadas por esses besouros que nos põem a cabeça em estilhaços. Todas as noites, capota aberta e o rádio altíssimo, aguardavam ali na esquina que dava para a Yarkon Street, que os semáforos voltassem ao verde. Com toda essa barulhada e algazarra, eu não conseguia conciliar o sono! Ainda por cima, na cave do prédio, abriram um “Night Club”. A música era tocada tão alta que ressoava por todo o edifício até às cinco da manhã! Todos os inquilinos se queixaram ao Dan, o senhorio, mas ele não se comoveu com qualquer dessas queixas, pois que esse Clube era igualmente um dos seus negócios, e esse negócio dava-lhe muito mais lucros do que todos os estudios espalhados por esses seus quatro andares!

Fui falar com o Dan. Ele, para resolver o meu problema, transferiu-me para um outro apartamento num outro prédio que eles tinham mais acima, na Shlomo Hamelech, onde ele próprio habitava. Esse apartamento era ocupado por uma velha senhora e seu filho. O meu quarto tinha uma larga janela que dava para as traseiras. Fiz a mudança sozinho, rua abaixo rua acima, com as minhas malas e os meus haveres, a pouco e pouco, e o meu gato foi o último a ser transportado dentro duma fronha de almofada. Claro que deixei as minhas Mil e Uma Noites pintado com as cores de Eilat e, sobretudo, a minha bela cozinha lá naquele precioso cantinho, assim como a minha varanda que dava para o mar! Da Frishman Street até à Shlomo Hamelech Street eram apenas alguns quarteirões, um dos quais a Dizengoff!

Nesse edifício da Shlomo Hamelech, havia, mesmo por baixo do meu quarto, um pequeno comércio pertencendo a um casal de certa idade, muito pituresco, onde eu fazia todas as minhas compras de comestíveis. Mesmo ao lado, na esquina com a Frishman Street, havia igualmente uma belíssima esplanada onde eu frequentemente ia tomar o meu pequeno almoço e alguns bons Espressos durante o dia. Era um prazer enorme sentar-me ali nessa esplanada a saborear a minha fresca cervejinha e a ver passar pessoas apressadas de chegarem, sabia Deus aonde! Era muito perto do Kikar Ha’Mediná onde, anos mais tarde, Itzchak Rabin seria assassinado. Nesse largo haviam muitos comércios e Cafés, e era sempre um grande prazer deambular por lá! Foi lá, num desses pequenos quiosques que viria a conhecer o Omar, que viria a ser o pneu suplementar da minha carripana carregada de efémeros amores. Nunca o partilhei com o Augusto, pois que o Omar, casado e pai de dois filhos, era duma beleza tal que receei perder ambos. Que eles engraçassem um com o outro e me pusessem de parte. Assim eu ficava com dois pneus suplementares em vez de apenas um volante e dois pedais!

De novo, com os meus pincéis e algumas tintas, novamente procurei fazer daquele quarto o meu refúgio. Fiz mais alguns pequenos móveis e pus alguns cartazes na parede e, de novo, eu tinha um lar, reduzido a um pequeno quarto, ali na tranquilidade daquela rua. O único drama que se passou nesse quarto foi - como em Eilat e a Pusky - o meu gato, aquele bébézinho que encontrara vasculhando os caixotes de lixo da Yarkon, que o trouxe para casa e fiz dele um muito amimado gatinho todo branco com manchas amarelas. Ele, nas primeiras noites, como se sentiu fora do seu território, como a minha cama estava colada à parede onde havia a larga janela sempre aberta para deixar entrar a brisa, ele utilizava a minha cama como trampolim para saltar par o parapeito da janela, talvez com ganas de voltar para a rua, porque não eram ali os seus aposentos das Mil e Uma Noites. Tantas vezes me acordou que, exasperado, o empurrei da janela abaixo. Como era apenas um primeiro andar, pensei que ele teria sobrevivido. Desci ao páteo em baixo à sua procura, mas nenhuns vestígios dele! No outro dia de manhã pus a sua tijela de água e o pratinho da sua comida lá em baixo no patamar do rés-de-chão, na esperança que ele voltasse e reconhecesse a sua casa de jantar. Um tremendo remorso se instalou na minha alma torturada. Imaginava-o morto de fome por essas ruas de Tel Aviv em busca de mim! Pedi a uma vizinha da frente que ficasse atenta à minha porta de escada onde tinha instalado a casa de jantar do meu gato mas ela, um dia, veio contar-me que o meu gato tinha sido atropelado e que alguém o tinha deitado ao lixo! Ainda hoje, como se pode ver, o não esqueci, e o meu remorso sempre crescendo, como uma planta maligna a envenenar-me a vida!

O meu trabalho no Hilton era a minha grande compensação de tantos dissabores. Outra grande conpensação era visitar a velhinha que morava no outro quarto frente ao meu. Ela tinha um filho que trabalhava e só à noitinha o via. Ela adorava a minha companhia quando dava um salto ao seu quarto e me sentava a escutar as suas histórias da Shoa e esse indigno sofrimento. Ela tinha escapado ao forno graças à liberação desses horríveis campos de morte! Eu acarinhava-a, fazia-lhe algumas compras e, sobretudo, fazia-lhe companhia. Só que eu também trabalhava e tinha muitas inopinadas visitas do Augusto e do Omar. O seu filho que, era óbvio, era homosexual, não dispensava as devidas atenções à sua mãe, ali isolada, apenas acompanhada pelas suas tristes recordações do seu dramático passado, preferia escutar à minha porta quando eu estava ocupado a por as contas em dia com o Augusto ou o Omar. Um dia perguntou-me como era que eu fazia para ter tais bonitos amigos que vinham para a cama comigo todas as noites, e ele não! Respondi-lhe que era tudo uma questão de rotina, para não lhe dizer muito simplesmente que ele era demasiado feio para conquistar criaturas tão belas como o Augusto e o Omar!

A Bela Rua do Professor Neuman



Pouco a pouco tudo me pareceu de novo aceitável para que eu continuasse vivo e de algum modo orgulhoso da minha pessoa. Eu continuava a divertir os colegas e os hóspedes e, sobretudo, a apalpar os traseiros e os seios da malta toda! O meu Ego tinha emagrecido um pouco, mas procurei dar-lhe boas razões para que ele engordasse um pouco, evitando a obesidade. Pensava no meu irmão Alberto e na dívida que tinha de pagar: Ser feliz por ele e por mim próprio! Eu tinha de continuar feliz de ser quem era, fosse como fosse, fosse quem fosse!

Um dia começou a grande moda de todos os meus colegas fazerem operações plásticas ao nariz. Eles e elas ausentavam-se durante uns tempos e ao voltarem pareciam outras pessoas, muito mais orgulhosos de si mesmos. Passou-me pela cabeça que o meu nariz também precisava dum retoque. Fui falar com o Professor Lazar e ele disse-me abertamente que não havia qualquer risco ocular em fazer essa correcção, se isso me fosse realmente importante. Dias depois, como uma das minhas colegas tinham feito essa correcção em Jerusalem, com o Professor Neuman, telefonei para a sua clínica e pedi uma data para apresentar o meu caso. A data foi-me fornecida de seguida. Tinha porém de esperar uns meses, pois que ele era um grande nome da chirurgia pltástica, e as esperas eram longas.

Essa data chegada, apanhei um autocarro até Jerusalem e daí um táxi, pois que ele vivia numa parte da velha Jerusalem que eu mal conhecia. O táxi rompeu aquelas velhas ruelas até chegar à morada da famosa Clínica do Professor Neuman. Entrei e mostraram-me a porta da sala de espera. Dois ou três quartos de hora mais tarde, depois de ter folheado todas as revistas adormecidas sobra aquela pequena mesa redonda, vieram-me chamar. Entretanto, mais dois futuro pacientes tinham chegado e acomodado-se silenciosamente na minha frente. Eles pareciam tão embaraçados quanto eu próprio estava.

No seu consultório, Professor Neuman, um homem já duma certa idade, duma presença altamente apaziguadora, pedeiu-me para me sentar e mostrou-se curioso das razões que me haviam trazido. Depois instalou-me numa marquesa e, com a ajuda do seu belo assistente, fizeram as devidas pesquisas acerca do meu nariz. Professor Neuman garantiu-me que eu tinha um belo nariz e que não encontrava fosse o que fosse que necessitasse de ser corrigido. Insisti, que o meu pai, com a idade, o seu nariz tinha-se feito enorme, e que eu já tocava com a língua na ponta do meu nariz e que gostaria de o fazer um nadinha mais curto. Ele fez fotos do meu perfil, que ia estudar a possibilidade de me fazer o gosto ao nariz, que depois me enviaria uma carta a sugerir datas para a minha intervenção.

Semanas mais tarde recebo essa carta. Telefono-lhe e marcámos uma das datas. Essa data chegada, agarrei nuns trapos e aí fui a caminho do meu grande desejo de compensar os estragos feitos pelo o meu olho. Deram-me um belo quarto com janela para aquela rua aonde ainda haviam vestígios da passagem dos romanos, Na manhã seguinte vieram-me acordar cedo para ser levado ao pequeno bloco operatório. Vestindo apenas a minha bata branca como a neve, recostei-me na marquesa e, aterrado, aguardei o andamento das coisas. O primeiro passo foi, antes de mais nada, a dolorosa injecção de anestesia local. Pensara que seria anestesia geral, mas era tarde demais para tais exigências! Durante uma meia hora, com a ajuda do seu assistente, trabucaram no meu nariz e, com um escopo, um martelo, e uma serrinha muito afiada, cortaram-me o osso básico do perfil, assim como algumas cartilagens. Depois recoseram, puseram um grande penso, e levaram-me de novo para o meu quarto, dizendo-me que dentro de momentos me seria servida uma peqauena refeição. Que mastigasse lentamente para não rebentar os pontos.

Passei três dias nessa clínica. Na manhã desse terceiro dia levaram-me novamente ao bloco operatório, e verificaram os resultados. O seu assistente disse-lhe que ele tinha feito um bom trabalho, que eu tinha ficado com um nariz muito masculino. Nem pequeno nem grande, apenas perfeito. Gostei de ouvir esses comentários. Depois aplicaram outro penso e lá voltei ao meu quarto para me vestir e apanhar um táxi de regresso a Tel Aviv. Entretanto entram no meu quarto o próximo paciente que aguardava o meu quarto, uma lbansesa que se fazia acompanhar do seu simpático irmão. Eles queriam saber tudo, como se tinham passado as coisas comigo. Disse-lhes que era um tanto doloroso e, quanto aos resultados finais, teria de esperar duas semanas até que o inchaço e as nódoas negras desaparecessem. Antes partir, Professor Neuman explicou-me que tinha de o vir consultar de dois em dois dias durante a primeira semana.

Claro que não trabalhei durante esse longo período. Passei os dias em casa a esconder-me das furtivas miradas dos passantes. Dois dias depois, com combinado, às dez da manhã, Professor Neuman arrancou-me o penso, inspecionou o seu trabalho, e confessou-me que ele não estava muito satisfeito com os resultados, e que, logo que voltasse dos Estados Unidos - onde ia lecionar a sua arte - que quando voltasse, dentro dum ano, que eu lhe telefonasse para combinarmos uma data para corrigir a cartilagem central e reduzir o tamanho das narinas. Ao despedir-se disse-me que já não precisava de mais pensos, que deixasse o nariz ao ar, mas qu evitasse o sol directo sobre a minha arroxeada penca.

Voltei ao meu trabalho no Hilton e fui aplaudido pela malta, perguntando-me, no gozo, se eu tinha levado com alguma porta na tromba. Durante alguns dias houveram mais alguns sarcásticos comentários. Depois o nariz começou a ter cara de gente, e nunca mais se falou do assunto. O Augusto achou que eu estava muito mais bonito com o meu novo nariz, e que o meu olho estava a ficar na ponta da unha! Claro que, durante as nossas próximas avenças na cama, todos os cuidados foram poucos para não agredir o meu combalido nariz de grego. Durante algum tempo, fui eu que me vi grego para me barbear sem poder soerguer um pouco a ponta do nariz para rapar o bigode. Sempre que me barbeava olhava-me no espelho longamente, de face e de perfil, indagando se eu tinha tomado uma boa decisão em ter corrigido o nariz. Achava-o mais bonito mas, realmente, quanto à cartilagem central e as aberturas das narinas, estava de acordo com o Professor Neuman.

Claro que nenhuma outra correcção poderia ser feita antes de ter passado um ano. O Professor estava na América e eu em Tel Aviv, diariamente a espiar o seu trabalho. Decidi que, realmente, quando ele voltasse eu o procuraria para as tais correcções por ele sugeridas. O problema foi que, meses mais adiante, muito bem sentado numa esplanada da Avenida Ben-Yehuda, lendo meu jornal, descubro - como uma grande chapada na cara - que o Professor Neuman tinha falecido em Nova Yorque. Moralidade da história, o meu nariz ficaria tal como o Professor Neuman o deixara, isto até que eu fosse ter com ele onde, certamente, os narizes não são de qualquer importância à felicidade seja de quem for!

O Bobo da Corte
















De volta a casa, ali na Frishman, ao meu Mil e Uma Noites, foi uma alegria! Eu estava finalmete “chez-moi”! Outro grande prazer foi voltar às minhas actividades na recepção, trabalho que tanto amava! O probema foi, como me tinham desfigurado o olho direito e, duma forma geral, o rosto inteiro, frequentemente senti um grande desconforto. Eu, o Mr. Mar 1965, estava agora com cara de palhaço triste num Circo cheio de balões espalhafatosamente coloridos! Custou-me muito, e muito tempo me levou a aceitar-me com a minha nova feição que me parecia ser uma máscara a fazer de mim um assustador Drácula. Os colegas foram sempre discretos mas, mesmo assim, eu tinha espelhos por toda a parte no hotel, e eu não me reconhecia! Claro que com o tempo a vista melhorou, e o olho gradualmente se recompôs. Augusto foi quem mais me aparou, disendo-me repetidamente que tudo voltaria a ser como dantes. O trabalho na recepção com todos os meus queridos colegas é que, por vezes, me fazia esquecer a ofensa que tinha sido feita ao meu rosto! Uma coisa era certa e positiva: Eu tinha recuperado a minha vista e a minha rotina tinha-se de novo posto a caminho para dias melhores!

A Estadia no Hilton - by the Pool



Nesse meu primeiro dia na minha pequena cama, com um enorme penso higiénico sobre o olho, vi as caras dos meus outros dois companheiros de infortúnio acenando-me amicalmente, e as enfermeiras que vinham frequentemente mudar o meu penso e pôr algumas gotas no meu olho que mais parecia ter sido atropelado por um camião-frigorífico! O Professor Lazar também, nessa mesma tarde, veio deitar uma olhadela ao meu massacrado olho, e render-me um apanhado do que tinha sido essa tão longa e delicada operação. Que tinha levado oito horas, que era a primeira vez na história que ele tinha feito essa intervenção com laser, e que tudo tinha corrido pelo melhor! Que eu ficaria mais uma semana hospitalizado e que depois podia voltar para casa e vir ver a Dra. Haya, para controle, durante algum tempo. Que depois logo se via! Recordo o seu sorriso quando retorqui que “se depois logo se via" era óptimmo, pois que fora esse o intuito dessa complicada intervenção!

Essa tarde foi para mim uma demonstração permanente de humanidade e humanismo! Os meus dois companheiros de quarto constantemente me repetiam que estavam felicíssimos com os resultados das suas operações, que estavam a ver lindamente. Um pouco turvo, mas que isso passaria com o tempo! A minha enfermeira russa vinha-me buscar de vez em quando para me levar a uma sala ali mesmo ao lado, onde eu tinha que me sentar num pequeno banco rotativo e assentar o queixo numa minúscula plataforma para ela analisar o meu olho. Foi nesse dia que vim saber que ela se chamava Dra. Haya, e que era de origem russa! Ela emanava uma ternura tal que acabei por me apaixonar por ela. Quando um dia lho disse, ela explicou-me que isso era natural, que todos os pacientes se apaixonavam pelos seu médicos e enfermeiras! Que eu ainda me viria a apaixonar por outros médicos e enfermeiras, que era um fenómeno psicologicamente explicado! Recordo igualmente - sempre com um sorriso - uma outra médica que não era particularmente bonita, quando um dia lhe disse que ela era muito bela, ela respondeu-me, muito simplesmente, que nesse caso, eu teria de voltar ao bloco operatório, que os resultados visuais da minha operação não eram mesmo nada positivos, pois que eu andava a ter visões!

Nesse mesmo dia o Miki veio visitar-me e, ao sair, perguntou-me o que era que eu queria que ele me touxesse no dia seguinte. Disse-lhe que um bolo de chocolate me bastaria. No outro dia ele chaga-me lá com um bolo de chocolate do tamanho dum pneu! Perguntei-lhe se ele estava bem da cabeça? Que eu seria incapaz de consomir um bolo daquele tamanho antes de ele ficar bolorento. Ele - quase num berro - disse-me de o compartilhar com os meus colegas de quarto, com as enfermeiras, com os médicos, com as mulheres da limpeza! E foi o que se veio a passar! Um enfermeiro, pelo qual eu andava loucamente apaixonado, organizou-se e, no quarto onde eles se repousavam de vez em quando, pôs uma grande mesa com pratos e garfinhos, um grande balão de café, o grande bolo ao meio, e convidou todos os outros pacientes do Serviço de Oftalmologia. Foi uma festa! Nunca tinha visto tanta gente ao mesmo tempo com um penso no olho, em toda a minha vida! Até o Pofessor Lazar lá estava! Nessa ocasião ele aproveitou para me dizer que tudo tinha corrido muito bem, que eu deixaria o hospital dentro duma semana, que ia ver tudo turvo e as imagens multiplicadas por três, mas que isso passaria dentro de alguns meses.

Todos os dias Miki vinha com alguma coisa para mim, tendo a primeira coisa sido uma escova de dentes e um tubo de pasta dentífrica! Cada vez que ele vinha nunca vinha só! Trazia sempre com ele um qualquer outro dos meus colegas! Nunca me senti tão amado e amparado na puta da vida! Por essa e muitas outras razões, lhe escrevi, anos mais tarde - depois da sua injusta e precoce morte - um poema, o único poema que escrevi em Hebraico, confessando-lhe quanto eu o amava e amava esse luminoso país onde vivi a minha maravilhosa juventude, cercado de amigos sinceros!

Passados esses dias todos - depois de tantas idas ao quarto ao lado fazer os exames com a minha Dra. Haya - finalmente me disseram que eu deixaria o hospital dentro de dois dias. Foi o Miki que me veio buscar no seu carro. Quando dexei esse hospital tive de esconder uma lágrima. Eu tinha passado os dias mais saudosos de toda a minha vida. Esses dias quando eu amava todos aqueles que me cercavam, assim como, de volta, era por eles todos igualmente amado!

Primeiro o Miki levou-me a minha casa para eu pegar em alguma roupa, e depois levou-me para sua casa em Herzelia para eu convalescer em família, não sozinho no meu buraco na Frishman Street! Ao chegar a sua casa fiquei comovido com a recepção. Adela, a sua esposa, lá estava à nossa espera com uma mesa posta cheia de coisas boas para comer. Ele tinha tirado um dos seus filhos da sua cama, pondo-o a dormir no canapé da sala, para me poder oferecer um quarto onde - como ele disse - pudesse fechar a porta e sentir-me em minha casa. Durante alguns dias foi ele quem me transportou ao hospital para os primeiros exames. Foi ele, o meu querido Miki, quem me amparou, mostrando-me cuidadosamente o caminho, para ver onde eu punha os pés.

Uma tarde, ao regressar do seu trabalho - estava eu numa profunda modorra - ouvindo os seus três filhos no salão a brincarem às escondidas, Miki berrou-lhes que não fizessem barulho, que deixassem o Carmo descansar! Porém foi ele que, com esses mesmos berros, me acordara! Sempre que penso no Miki, digo-lhe, em pensamento: Miki! I love you!As I have never loved anybody!

Dias mais tarde, como ele tinha de me levar ao hospital para os habituais exames - para lhe facilitar a vida - pediu licença ao diretor do Hilton - Mr. Florijn - de pôr à minha disposição, um daqueles pequenos quartos à volta da piscina. Foi nesse quarto, ao som de pessoas felizes a mergulharem na dita, que fui tão feliz! Tinha lá todos os dias os meus colegas que davam lá um salto para estarem um pouco comigo e ver se eu preciava de alguma coisa. Mas a única que eu pecisava era o seu amor. E esse, eu tinha-o!

A maior de todas as surpresa foi, quando eu estava a descansar em cima da cama e alguém docemente me bateu à pora. Achei estranho, pois que a minha porta estava sempre destrancada e todos entravam e saíam como suave brisa ou rabanadas de vento! Levantei-me, entreabri a porta, e quem estava ali na minha frente? O Pat! O Pat com a sua pequena mala de mão! O Miki tinha-lhe escrito a dar-lhe as minhas notícias. Que grande alegria! Foi nessa altura que me tiraram o penso e comecei então a ver muito fosco e as imagens multiplicadas por sete. Foi com o Pat, depois de liberto do meu penso, que comecei a deambular pelo loby do hotel. Havia, no grande salão uma grande televisão onde, certo dia, eles anunciaram mostrar pela primeira vez como se passavam as coisas durante essa intervenção ocular à base de laser. O Pat quis ver esse certamente horror, mas eu voltei para o meu quarto e ver as belezas à volta da piscina. Foi nesse dia que vi pela primeira vez o salva-vidas da piscina, um belo rapagão, multiplicado por sete. Ao vê-lo, disse com os meus botões: Porra! Um deles já me chegava para umas boas braçadas!

jeudi 17 décembre 2009

Hospital Ichilov Tel Aviv


Uma manhã, no Hilton, estava eu muito ocupado a receber um grupo de quarenta pessoas quando, subitamente, comecei a aperceber-me de que uma espessa cortina muito negra lentamente se baixava sobre o meu olho direito. Intrigado, pensei que era algo de passageiro e continuei o meu trabalho. Porém essa impiedosa cortina descia implacavelmente! Alarmado, cheguei-me ao Miki - o meu querido Miki - que estava ali mesmo a meu lado, e pu-lo ao corrente dos meus temores. Ele olhou-me mudamente por alguns instantes, pousou os seus papéis sobre a sua secretária, meteu-me no seu carro e levou-me às Urgências do Hospital Ichilov, ali a dois passos. Lá chegados fui imediatemente levado de padiola até aos Serviços de Oftalmologia. Nesses serviços fui muito rapidamente posto sobre uma marquesa, rodeado por um grupo de oftalmologista que, depois de cada um ter deitado uma vista de olhos, um deles disse aos outros que seria necessário recorrer aos conhecimentos do Professor Lazar. Que fossem à procura dele e que ele viesse às Urgências, que era um caso muito sério! Entrei logo em pânico mas quedei-me ali alongado, nas mãos daqueles médicos todos, sem qualquer outra alternativa, pois se eu estava com medo deles, estava ainda muito mais apavorado perante a ameaça de ficar cego!

Passados alugns momentos, entra nessa peça um homem alto, forte, cabelos muito grisalhos, senhor duma grande serenidade. Ele pega na sua lupa, espreita o meu olho durante uns segundos e, logo a seguir, voltando-se para um dos seus assistentes, comentou:

- Trata-se dum descolamento de retina. Vai ser necessário operar este senhor o mais rapidamente possível! Encontrem-lhe uma cama! É um caso muito urgente! Ele será o meu primeiro paciente àmanhã de manhã. Que o bloco das intervenções ao “laser” esteja completamente preparado para, por volta das oito, submeter este paciente a uma longa intervenção de emissão de radiação estimulada.

Enquanto me transportavam sobre a minha padiola em busca duma cama vaga nos Serviços do Professor Lazar, um indomável terror se apoderou de todo o meu ser. Era a primeira vez que eu dava entrada num hospital para uma operação. Pelos vistos grave e urgente! Indefeso, deitado naquele desconfortável tabuleiro, eu tremia como varas duma cor imprecisa. Chegado a esse quarto onde haviam três camas, uma delas ali num obscuro recanto, estava livre. Os dois jovens enfermeiros despiram-me e enfiaram-me uma bata branca atada por detrás das costas. Foi a primeira vez que um homem me despia e eu não tive quaisquer ameaças de ficar embaraçado com um das minhas então muito prontas e indesejadas erecções. Acomodaram-me nessa cama e, antes de partirem, um deles me informou que dentro de momentos uma enfermeira me viria dar uma injecção. Ela não tardou! Ela era uma bonita russa, muito loira, com um sorriso angelical que me pediu para me voltar, como já tantos outros na minha vida mo tinham feito também, mas para outro tipo de seringas! Docemente senti uma picada na minha nádega esquerda e, momentos depois, senti-me como pairando nas núvens...

Horas mais tarde, depois duma refeição muito ligeira que me tinha sido trazida numa outra padiola, depois dessa frugal refeição fui mais uma vez levado a chocalhar sobre essa rectangular prancha com quatro pernas e quatro rodinhas, até a um obscuro cubículo que me pareceu ser uma arrecadação onde se arrumavam tralhas já sem qualquer utilidade. Da padiola fui transferido para uma pequena marquesa, sob um luz muito intensa, e o Professor Lazar novamente, com grandes lupas, se inclinou sobre mim. Ele discutia o fenómeno com alguns dos seus colegas, dizendo-lhes que era um sério descolamento de retina, assinalando as lesões por: Uma às três e meia, outra às quatro e um quarto,e algumas outras horas mais. Fiquei surpreendido com aquela linguagem técnica! Depois, muito mais assustadoramente, que tinha de ser imediatamente atendido, que iam experimentar o laser, esperando que o laser fosse capaz de recolar a retina e resolver o assunto. Que o caso era muito sério, que seria operado na manhã seguinte. Nessa noite dormi como um anjo pois que continuava a flutuar entre as núvens e as estrelas. Por vezes, por entre anjos muito loiros, todos de negro vestidos. Aí percebi o poder das drogas! Disseram-me depois, que me tinham injectado morfina!

No outro dia de manhã, às sete horas, vieram-me buscar, uma vez mais de charola. Ao subir para aquela coisa com quatro pernas e quatro rodinhas, entreguei a alma ao Criador! Lá em baixo, no bloco de operações, enquanto preparavam a anestesia geral, a minha primeira anestesia para a minha primeiríssima operação, perante o medo de nunca mais acordar, toda a minha vida me passou pela mente, como numa derradeira despedida da vida que era ainda tão curta. Desde a minha nascença à minha morte, todas as recoradções de todos os meus amores se desenharam ante os meus olhos. Não sei se num adeus se num até breve! Nunca esquecerei esse momento da minha vida em que, sem quase dar por isso, mergulhei numa inconsciência total, como se tivesse rendido a alma ao Senhor, como se a Morte muito cinicamente me tivesse vindo arrancar aos braços da sua pior inimiga: A Vida!

Quando voltei a mim, naquela pequena cama daquele sombrio canto daquele meu primeiro quarto de hospital, quando abri os olhos foi para ver, como se de miragem se tratasse, o doce rosto da minha querida Hella que tinha vindo de Haifa para estar a meu lado. Quando ergui o meu braço para lhe acariciar aquele tão bem-vindo rosto, os outros dois doentes, entalados nas suas camas, aplaudiram o meu regresso à Vida! Hella inclinou-se para depor um beijo sobre a minha face, ao mesmo tempo que me dizia baixinho: You look bautiful! Momentos mais tarde ela me confessaria que quando ela entrou nesse quarto, eu jazia completamente nu sobre aquele muito branco lençol. Que eu tinha um lindo corpo, e que só então percebera a razão pela qual eu tinha sido um dia eleito Mr. Mar! Que o meu corpo muito bronzeado sobre aquele lençol tão branco, era uma visão divina. Que a enfermeira que me tinha vindo tomar o pulso, me tinha coberto com outro lençol branco, mas que essa imagem ficaria para sempre gravada na sua memória!

O Café da Esquina Ali na Yarkon


Era neste simpático Café-Restaurante, perto da minha casa, ali mesmo em frente do mar, que frequentemente íamos jantar ou almoçar. Um encanto de de lugar e de recordações! Lá sentado, vendo a gente passar na rua, era melhor do que ir ao cinema! Passei lá momentos tão felizes!