dimanche 2 août 2009

A Sarah Bernhardt
















Dias mais tarde passei pelo Monte Carlo para lhe dar um abraço e aproveitei para lhe recitar os outros dois poemas que ele me tinha pedido. Ele gostou desses poemas e da maneira como eu os tinha dito. Ficou pois combinado que eu estaria no Monumental nesse domingo às duas da tarde, pois que o recital começava às três, que eram vários poetas, e que eles tinham que organizar tudo, pois que o espectáculo era apresentado por ele. Senti-me tão feliz de, finalmente, subir a um palco de Lisboa, e realizar talvez um dos muitos grandes sonhos do passado:

Estar sobre um palco em Lisboa, ao lado de Rogério Paulo!

Chegada essa tão desejada data, desse tão importante Domingo, quando eu ia estrear-me num Teatro de Lisboa, subir a um palco, ao lado de Rogério Paulo, os nervos enclavinharam-se-me de tal forma que fui apanhado por um pavor tal, que comecei a tremer dos pés à cabeça. A Dona Alice, a patroa do Gavião Branco, procurou acalmar-me, dizendo que tudo se iria passar pelo melhor. Estendeu-me uma bonita camisa e um par de calças para eu vestir, dizendo-me que depois dum bom banho me sentiria como novo.

Como morava ali na Sacadura Cabral, decidi descer a pé a avenida da República até ao Saldanha, esperando que o passeio me descontraísse. Não foi o caso! Tal como a Sarah Bernhardt, pelo caminho, fui vítima duma embaraçosa e inesperada diarreia! Voltei a correr de volta a casa para mudar de roupa, mas a Dona Alice já tinha posto em sabão as calças que eu tinha tirado essa manhã. Como eu tinha pouca roupa, a Dona Alice disse-me para eu ter juízo, que me deixasse de fantasias, e não me meter em cavalarias altas!
Assim fiquei o resto da tarde em casa, metido na cama, em lágrimas, enquanto a Dona Alice lavava a roupa toda da semana, ali na marquise, no seu tanque de cimento, cantarolando a sua indiferença.

Depois nunca mais vi o Rogério Paulo. Tive vergonha de lhe aparecer pela frente a explicar-lhe as razões pelas quais eu tinha faltado a esse para mim tão importante recital.

No dia 2 de Outubro de 1960 às cinco e meia da manhã, eu apanhava um comboio em Santa Apolónia, a caminho de Israel. Assim terminou a minha talvez grande carreira como actor em Portugal! Não obstante, algumas outras grandes carreiras me aguardavam além-mar...

***
Vivi seis anos em Israel. Vivi um ano num Kibbutz. Aprendi o Hebraico e algumas outras línguas. Fiz um curso de hotelaria em Herzelia e trabalhei em muitos hoteis do norte ao sul do país. Recebi prémios do melhor recepcionista do ano em quase todos os hoteis por onde passei, e cada vez que eu apresentava a minha demissão imploravam-me para eu não deixar o hotel.
Em 1965 receberia o Prémio de Mr. Mar, o mais bonito corpo do ano da Praia Frishman, em Tel Aviv.

Em 1966 tive dois julgamentos por estar ilegal, por não ser Judeu, e expulso do país!

Forçado a deixar Israel, esse país que tanto amo, durante três meses divaguei por essa Europa num permanente deboche, um autêntico regabofe! Era uma espécie de vingança acerca dessa tão injusta decisão de ter sido deitado fora pelo país que venero! Tinha posto um anúcio numa revista alemã chamada "Hermes", com a minha fotografia, pedindo jovens radicados em Itália, França, e Suiça, pedindo "pen pals" que me pudessem albergar e mostrarem-me a cidade onde residiam. Foi um sucesso! Recebi centenas de cartas do mundo inteiro! O director do hotel onde então trabalhava, o Hod, disse-me um dia que eu recebia mais cartas do que ele para reservas de quartos! Quando lhe mostrei o meu anúncio ele replicou:
-Normal! Com a foto que enviaste!... És certamente muito mais bonito do que o Hod!
Depois desses triunfais três meses pela Europa fui passar umas semanas em Portugal, para saudar minha mãe e o resto da família.
Claro que também fui ver o Rogério Paulo que, nessa altura, já estava a trabalhar no Dona Maria II. O Rogério ficou encantado de me rever e estive longamente com ele no seu escritório, cada qual contando as suas vidas durante esses seis anos que nada soubemos um do outro.
Foi nessa tarde que eu lhe pedi desculpa de ter faltado à matinée de poesia desse quase esquecido Domingo, e de não ter dado explicação alguma. Ele riu-se e falou também nesse similar problema da Sarah Bernhardt nessa Bela-Época em Paris. Que o medo do palco fazia das suas.

- Que pena, Rogério, teres deixado Portugal! Hoje podias talvez ser um grande actor no nosso país!

Respondi-lhe que talvez isso tivesse sido possível mas que, por outro lado, não teria vivido esses maravilhosos seis anos em Israel, nesse país onde tinha plantado uma árvore em Jerusalem na Floresta da Shoa, escrito um livro no Kibbutz, e feito um filho !!!
***
Depois segui para Londres, onde um emprego e muitas outras mais aventuras me aguardavam.
Ainda nos vimos algumas vezes mais no Dona Maria II, quando eu vinha a Lisboa. Aparecia sepre de surpresa. Ele ficava sempre contente de me ver e convidava-me para uns momentos no seu escritório para um café e dois dedos de conversa. Quase sempre ele falava de ter sido uma pena eu ter deixado Portugal, que hoje podia ser um grande actor português...

***
No dia 26 de Fevereiro de 1993, tinha eu então 58 anos, estava em casa a ouvir a Rádio Alfa quando, no noticiário das três da tarde, anunciaram a morte do meu querido Rogério Paulo!

Portugal acabava de perder um grande actor, e eu um grande amigo!

Desliguei o rádio e continuei por essa vida fora, sempre em busca de mim próprio, indagando que diabo tinha eu cá vindo fazer a este mundo onde tudo era tão absurdamente efémero!

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire