samedi 22 août 2009

POESIA
















No Tique-Taque os dias começaram a ser todos um tanto iguais. Começava às cinco da tarde e laborava como um condenado. Quase que não tinha tempo de namorar alguns dos clientes que se vinham sentar ao Bar para me fazerem olhinhos. Isso às vezes exarcerbava-me. Tinha tanta oportunidade de combinar encontros galantes mas não tinha o tempo para preparrar o terreno. O grande inconveniente era que eu trabalhava até às duas da manhã e a maioria dos meus sedutores tinham que ir para a cama cedo.
Assim muitas vezes tinha de ir para a cama só, para as minhas já tradicionais solitárias. O que era para mim muito frustrante. O que me valia era, como o Tété gostava muito dos meus poemas, às duas da manhã, quando fechávamos a porta, todos os empregados regressavam a penates e eu ficava sempre um bocadinho mais a sós com o meu Tété. Assim, enquanto ele fazia as suas contas do dia, verificar todas as caixas registadoras, uma no Bar, outra na pastelaria, e a outra no balcão das especiarias. Para mim era a melhor compensação do dia, estar a sós como ele! Ele entretanto começara a tratar-me por tu e a chamar-me Gégé, e o Gégé cada vez com mais ganas de beijar aquela sua linda boca onde se pressentiam viciosos beijos profundos. Tété tinha uns olhos que despiam as pessoas no meio das ruas. Ele era um fanático do sexo! Não podia ver uma mulher bonita à sua frente. Ele tinha que a comer de seguida com os olhos e depois, com aquele charme devastador e aquele seu narizinho arrebitado, todas as mulheres lhe abriam as pernas. A Rita, a fascinate mulher dele, confessou-me um dia que ele, no dia do seu casamento, na grande recepção que deram no grande salão da sua casa ali ao Rato, todos os convidados que chegavam ela, como não tinham cabides que chegassem para pôr os casacos e chapéus dos acabados de chegar, pegava nesses vestuários e ia pô-los em cima da cama de casal onde, nessa noite, ela lhe entrgaria a sua virgindade. A festa decorreu bem, com muita alegria e bebidas à descrição e, quando, altas horas, os conviadaos começaram a regressar a suas casas, vinham-lhe pedir os seus casaco. Uma dessas vezes que ela entrou no seu quarto em busca das indumentárias requeridas, foi dar com o Tété a fornicar a sua melhor amiga! Confessou-me também que se ela o não deixou nessa noite, também nunca mais o deixaria, fizesse ele o que fizesse. E assim foi toda a sua vida. O seu Tété era de toda a gente, mas sempre o seu Tété!

Nessas românticas horas passadas a sós com o Tété, isto das duas às três da manhã, eu descia ao seu escritório na cave, ao lado das casas de banho dos clientes, sentava-me à sua secretária e, como tínhamos um microfone para anunciar alguns eventos a serem realizados no Tique-Taque alguns dias maias tarde, ou para chamar clientes ao telefone quando haviam chamadas, e como tinhamos um gira-discos e muitos discos para termos música de fundo o dia inteiro, músicas que me ficaram na alma desde esses tempos, como Frank Sinatra e Nat King Colle, eu punha a girar um disco de música clássica muito suave e dizia os meus poemas que sabia de cór. Alguns também foram lidos. Ele adorava ouvir-me recitar, e eu, lá em baixo, ao fim de cada poema ouvia o seu aplauso. Por vezes também alguns bravos. Esses míticos serões ficaram gravados nas paredes do Tique-Taque e nas pardes da minha memória!
O Tété adorava os meus poemas ditos por mim sem secalhar se aperceber que alguns eram abertas confissões do meu amor por ele.

Há porém um grande poema que lhe fiz quando ele fugiu para Israel sem sequer me dizer adeus. Ele nunca o leu, nunca o ouviu! Espero que agora ele chegue até até ele, lá onde ele possa etereamente se encontrar...

A POESIA ANDA LÁ FORA



Não me fales nunca mais das noites de vigília emparedada
Nem me perguntes roucamente pelos meus poemas os meus ideais
Eles estão recalcados e latentes em minha boca sedentada
E que só tu se soubesses poderias fazer acontecer ainda mais!
E nada percebes das distâncias desmedidas que vou sulcando
Nem dos gritos imperceptíveis e rouquejantes que vou lançando!
Mas não vás ficar triste nem sorrir-me docemente
Embora teus sorrisos me arrancassem desta lassidão
Nunca saberias ser triste suficientemente
Nem dar-me oiro bastante que abalasse a minha decisão!

Vai nessa janela toda aberta acesa toda acesa até ao fim
Cabelos desgrenhados pelo arrepio da tua luxúria intensa
Gritar a minha epidérmica ânsia louca sensual e densa
E vive também um pouco mais ainda um pouco mais por mim!
Vai e cede noutros braços mais quentes mais vivos e reais
E esfrangalha teus lábios em sangue e chama desabrochados
Em outra boca qualquer outros lábios que não são os meus
Porque eu sòzinho ao crepúsculo de uma lâmpada apagada
No fundo silencioso e frígido do meu quarto vazio
Continuarei a esperar-te e a amar-te perdidamente
Na estupidez da minha ambiguidade incrível!

Embora eu possa e consiga viver sem ti
Rente aos meus lábios sem lábios
Eu morro lentamente por cima do que sou
Debruçado em meu poço transbordante
Que nehuma sede ainda me matou!
E eu hei-de coaxar noite fóra nessas águas
E esticar meus dedos de verme para as estrelas
E na noite imensurável que me cerca e me sufoca
Eu hei-de chafurdar no absurdo das minhas mágoas!

Quando eu passar hirto pelas ruas a caminho da terra fria
Sob o meu sonho poisado em núvens que os olhos não profanam
Eu sei que o teu adeus não assomará a nenhuma das janelas!
Mas deixa que eu sepúlcro do meu grito desgarrado
Prossiga por fim liberto sem derrotas nem vitórias
Balouçando aos ombros dos que me levam por ofício
Porque eu hei-de renascer em folhas verdes
Todas as primaveras deslumbrantes que hão-de vir
E flutuar no desprendimento doirado de todos os outonos
Nos braços do meu sonho intangível que o mundo julgou tocar
E que vão sustendo o sol no seu magnífico esplendor.
E as águas as aves as flores irão pròdigamente desabrochar
Em hinos de som de luz de vida e de cor
Quando alguém rendidamente à sua beira o meu nome pronunciar.
E eu não recusarei o meu nome a essa boca tão beijada
Porque o meu nome há-de ser lançado à terra com saudade
E desse nome dessa saudade e dessa terra pisada há-de brotar
Uma árvore grossa e altiva como um homem de braços tortos e crispados
Mil braços de homem erguidos aos céus num desvairado clamor
A lembrar ao mundo que eu passei na vida esguio e solitário
Com olhos de criança que chorou e com mãos de quem vai esmolando amor
E com esgares de quem o amor nunca na vida se lembrou!
E os braços hão-de encher-se de folhas verdes como poemas
Que eu pobre fraco e mortal nunca ousei escrever
E que a humanidade caminhando na rotina nunca saberia ler!
Então nos braços entroncados dessa árvore tosca e muda
As aves chilreando virão fazer os ninhos e pôr os ovos
E aos pés à sombra à beira deste homem apagado e despercebido
Os machos e as fêmeas vão fecundando os sexos furtivamente
E seus gritos de sofrimento de cio de gozo e de tédio
Vão-me deixando impávido estéril absorto indiferente!!!

Não me perguntes nunca mais pelos meus poemas as minhas dores
Nem venhas nunca mais bater-me à porta pedir loucas ventanias
Pergunta-me antes pelas minhas mãos que eu sempre vi vazias
E vem enchêlas de terra de raizes de frutos e de flores!

Não busques poesia nas minhas mãos doidas frias brancas e nuas
Porque a poesia a verdadeira poesia anda à solta perdida pelas ruas!



Rogério do Carmo
Lisboa, 4/7/1958

3 commentaires:

  1. Bem vinda sejas Dina!
    Sê uma das poucas Venturas do que me resta de vida!

    Ficarei à tua espera!

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  2. Agora é que eu estou a entender verdadeiramente o teu "A poesia anda lá fora."
    Só que, meu querido, desde Campolide até à " A poesia anda lá fora", há alguma coisa que falta.
    Ficaste homem de repente?
    Comecei a ler-te em Julho. Estou em Agosto. Em Julho ainda eras a criança que ficou em casa da tia Luzanira... Em Agosto, apaixonaste-te pelo Teté. Arranja-me o feedback.
    Este poema jamais o apagarei da minha memória.

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