Foi então que realmente comecei a conhecer Lisboa. E a melhor maneira de conhecer esta então tão bela cidade, era fazê-lo a pé! E a pé a fiz quase toda. De baixo a cima, de lado a lado! Assim entre mim e Lisboa nasceu mais outra história de amor! Era a única grande cidade que eu começava a conhecer e a amar, considerando-a a mais bela do mundo inteiro. Isto antes de todas as outras que depois vim a conhecer e a amar também.
No Tique-Taque tudo corria pelo melhor. Ainda por cima, o senhor Jaime, aquele paternal homem que me ensinou a andar na Tentadora e a defender-me na vida, foi transferido também para o Tique-Taque e, assim, tinha a quem me apoiar nos momentos mais difíceis. Ele começou a personificar a imagem dum pai atento que nunca realmente tivera.
Entretanto, sempre em contacto por escrito ou telefónico com as manas de Montachique, fui informado que as manas também tinham todas vindo para Lisboa trabalhar, e que habitavam as três num quarto particular ali na Martins Sarmento. Uma noite, no dia da minha folga, fui visita-las. Fiquei surpreendido de ver todas as três a compartilharem um quarto com a filha da dona da casa. Era um pequeno rés de chão com apenas uma cozinha e dois quartos. A dona da casa era a Dona Maximina - que viria a ser muito minha amiga - vivia com muitas dificuldades financeiras, pois que ela não trabalhava, e o seu marido tinha um ordenado mais que modesto. O quarto de passagem era o quarto da dona Maximna e marido, e o segundo quarto, a única janela que havia nessa casa, dava para a rua, era o quarto das miúdas. Ela tinha uma filha, a Clementina, a quem chamavam a Lica. A Lica e eu engraçámos um com o outro e assim começámos a fazer escapadas só nós dois. Costumávamos ir às matinés do São Jorge e do Cinema Império. Quase sempre nos sentávamos num pequeno Café ali na Praça do Chile a namoriscar e a fazer planos de futuro. Assim, pouco a pouco começámos a conhecer-nos todos os dias um pouco melhor. Devagar nos apercebemos que eu andava apaixonado pelo patrão e ela pela sua médica. Isso ainda nos uniu muitíssimo mais. Um dos nossos projectos feitos nesse pequeno Cafezinho ali na Praça do Chile, foi de, para nos proteger da Sociedade - como fizeram e ainda fazem muitos portugueses - casarmo-nos para que a burguesa sociedade portuguesa nos deixasse em paz. Essa sociedade que ainda não compreendeu que as nossas tendências sexuais não foram escolhidas por nós próprios, mas sim pela natureza! Como me viria a explicar mais tarde o Dr. Tom, em Londres, que eram as nossas hormonas que o decidiam. Que temos hormonas masculinas e femininas que nos percorrem o corpo todo mas, como tudo o que vive e mexe, elas se comem umas às outras e que, no meu caso, eram as hormonas femininas que eram as mais glutonas e, assim, eram elas quem comandavam os meus desejos. Que ele próprio era bissexual e respeitava ambas as ordens dadas. Que assim, quando eram as hormonas masculinas mais comilonas ele desejava o sexo oposto, mas quando as hormonas femininas eram mais desembaraçadas, nesses dias ele preferia o mesmo sexo.
Maliciosamente olha-me nos olhos e declara:
- Look! Right now I feel very much like making love with you... would you like me to?
A minha resposta foi deixá-lo despir-me e foi ali sobre a sua marquesa que tudo se passou! Isto depois dele correr as cortinas da sua janela que dava directamente sobre o Primrose Hill Park, ali em Chalk Farm.
- Do not worry! Just come along and find out!
Moralidade da história, umas vezes era ele a fêmea, e outras o macho. Mas, como ele um dia me disse:
You too you are bisexual! You like giving and taking!
***
Quando comecei a organizar a minha viagem até Israel Clementina prometeu ir ter comigo a esse país, afim de vivermos juntos essa grande aventura. Porém isso não aconteceu. Ela deixou-se subjugar por uma das manas e nunca arredou pé! Hoje ela encontra-se acamada com Alzheimer, ali naquele pequeno apartamento em frente do Instituto Português de Oncologia, onde ela trabalhou toda a sua vida até à reforma. Tão injusto! Uma mulher que dedicou toda a sua vida a tratar dos outros, agora é ela, ali acamada, à espera dalgum toque de clarim, que precisa que tratem dela! Nunca perdoarei ao que quer que seja que rege os nossos destinos, essa infame injustiça! A última vez que a vi, já lá vão uns tempos, ela ainda me reconheceu e ainda conseguiu balbuciar:
-Rogério...não mudaste! Ainda estás a 100%!
Quanto à dona Maximina, a quem tinha confiado à sua guarda dezenas de retratos que eu tinha desenhado em papel Cavalinho de artistas de cinema, escritores portugueses, e tantas coisas mais, que eu não podia acartar comigo para Israel, um dia ela, pensando que eu nunca mais regressaria a Portugal, deitou tudo fora!
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