mardi 11 août 2009

O Café Chico


O Café Chico foi mais uma outra grande aventura! Rapidamente me instalei no meu pequeno quarto sobre o Café, e a Glória ajudou-me imenso a retomar as rédeas do serviço de mesas.
Era realmente um grande e agradável exercício pois que andava em loucas correrias da copa para a esplanada a servir todos aqueles sedentos clientes que sorviam cervejas e laranjadas umas atrás das outras. Era também agradável, encostado à porta de entrada tomar conta dos clientes e ver aquele imenso desfile de bonitos rapazes e raparigas passarem para cima e para baixo naqueles calções muito curtos a pôrem em evidência grossas coxas que me enchiam a cabeça de mal disfarçados desejos indesejáveis.
Também tomava conta da venda dos gelados ali encostado à minha porta: O meu poiso.

O meu dia a dia era uma permanente repetição do dia de ontem e uma antecipação do dia de amanhã! Levantar-me às sete da manhã, descer, dar os bons dias à Glória, tomar o pequeno almoço com os outros colegas, preparar tudo antes de abrir as portas do Café. A partir desse momento era um vaivém de clientes apressados que queriam ser atendidos prontamente para depois seguirem para a praia. Durante todo o dia haviam sempre muitos outros clientes a servir. Nós quase que não tínhamos tempo de ir à casa de banho lavar as mãos ou satisfazer certas necessidades fisiológicas. Tampouco tempo para ter uma curta conversa com um cliente. Tudo era feito a despachar. O trabalho era muito, mas ao menos não tinha que sofrer os gritos das vítimas do charlatão e ainda por cima as gorjetas entravam na minha bolsa à cintura para os pagamentos e trocos aos clientes. Nós íamos às mesas perguntar o que os clientes queriam tomar, depois íamos à copa comprar as bebidas encomendadas, pagávamos ao empregado por detrás do balcão e, depois, os clientes pagavam-nos a despesa. Por sorte todos os clientes pagavam sem protestar e ainda por cima nos davam a tal tão choruda gorjeta! Alguns dos meus colegas queixavam-se que alguns dos seus clientes partiam sem pagar, mas a mim isso nunca aconteceu! Ao fim do dia eu não tinha que fazer contas. O que me ficasse na minha bolsa pendurada à cintura, era dinheiro meu! Pela primeira vez na minha vida, abri uma conta no Banco mesmo em frente para saber onde pôr o dinheiro. Guardava um pouco de trocos no bolso para despesas pessoais e ter depois trocos para comprar as bebidas dos primeiros clientes do dia seguinte de manhã.
As folgas eram raras. Só, de vez quando, uma hora para ir cortar o cabelo ou comprar um par de sapatos ou uma camisa. Em três meses nunca dei um salto à praia uma única vez! O contrato inicial tinha assim sido feito, pelos apenas três meses da época balnear, pois que a maioria dos Cafés na Ericeira fechavam durante o Inverno, por falta de clientela. Não foi o caso com o Café Chico que depois me pediriam para eu continua a trabalhar até a esplanada ter sido completamente posta de parte por causa do frio ou das chuvadas.

A recordação mais marcante desses tempos do Café Chico foi, essa inesquecível tarde, quando eu estava encostado à minha porta a tomar conta dos clientes sentados na esplanada e a ver passar os veraneantes quando, de repente, vejo uma mulher linda descendo a rua, na companhia de três homens muito bem arreados. A sua cara não me era estranha e muito surpreendido fiquei ao ver as mulheres de pescadores locais ao passarem por ela fazerem o sinal da cruz. Fiquei intrigadíssimo! Eles procuraram uma mesa na esplanada e sentaram-se. Fui ver o que queriam tomar e eles pediram quatro cervejas Sagres. Olhei de perto aquela cara de rainha que me era tão familiar mas sem conseguir chegar a nenhuma conclusão. Ao entrar para ir à copa pedir as quatro cervejas o empregado diz-me muito alvoroçado:

- É pá! Mas que sorte! Vais servir a Amália Rodrigues!

Caíram-me os braços ao chão! A Amália? Enfim! Eu ia conhecê-la pessoalmente!?

Enquanto lhes servia as quatro cervejas as minhas mãos tremiam como varas verdes. Tive uma vontade louca de lhe dizer que a ouvia na telefonia desde 1940, na Rua do Arco do Carvalhão, ali sentado naquela Bica mesmo encostada ao Aqueduto. Claro que não ousei. Encostei-me à minha porta ali fiquei o tempo todo a olhar para as suas costas. Ela tomava a sua cerveja em pequenas goladas, enquanto acomodava a sua bela cabeleira, e falava com os tais três senhores muito bem trajados. Ouvir a sua voz mesmo apenas a falando deu-me arrepios. Pela conversa percebi que os tais senhores eram os seus guitarristas, e que estavam acampados na Foz do Lizandro.
Quando eles finalmente me chamaram para pagar tive ganas de lhe pedir um autógrafo num guardanapo de papel mas não tive coragem. Ao pé dela era como se eu estivesse perante uma Deusa! Quando se afastaram, os outros clientes da esplanada começaram a comentar a aparição da Amália naquela tarde. Um deles perguntou porque seria que as mulheres se benziam quando ela passava. Um cliente da mesa mais próxima explicou:

- Vocês sabem? Aqui na Ericeira, as pessoas simples chamam-lhe a “Nossa Senhora do Fado”!

Fiquei com pena de não ter ficado com um autógrafo dela ou qualquer outra coisa. Pesarosamente levantei a mesa. Essas quatro garrafas de cerveja e os quatro copos do Chico era tudo o que me tinha ficado. Ao pousar os copos sobre a bandeja, Santo Deus! Um dos copos, o copo da Amália, tinha ficado estampado com o batom daquela sua famosa boca! Aquele beijo da Amália ali retido naquele copo!
Esse copo guardei-o por muitos anos como um tesouro mas, muitos anos mais tarde, ao atravessar o Canal da Mancha num dia de temporal, aquela lancheira onde guardava todos os meus tesouros, e que ia sempre comigo para onde quer que eu fosse, foi-me tragada pelas ondas do mar!

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