mardi 18 août 2009

O Macaquinho














Instalado na Avenida de Madrid, encetei uma relação muito filial com a dona da casa. Esqueceu-me o seu nome. Ela era casada e tinha um filho aí dos seus 20 anos que era um autêntico perigo para ele dormir no quarto mesmo ao lado do meu. Ela dormia com o seu marido num outro quarto com janela para as traseiras, onde tinham um pequeno quintal com algumas couves e algumas flores. O meu problema começou quando descobri que eles tinham um macaquinho adorável acorrentado dia e noite à sua casota de madeira com um telhado de zinco. O pobre não tinha liberdade alguma. Eu ia sempre que podia dar-lhe comer na boca. Eu punha-o no meu colo, punha-lhe um guardanapo à volta do pescoço, e dava-lhe colheradas de arroz cozido. Ele era louco por arroz! Como o alimentava três vezes por dia, uma relação de grande amor nasceu entre nós dois. Quando ele me via dava saltos de contentamento e saltava-me ao pescoço. Entretanto o Tété tinha tomado a exploração do Bar do Cinema Roma, que era ali mesmo à beirinha desse quintal das traseiras onde o meu querido macaquinho vivia como um prisioneiro em Alcatraz.

No Bar do Cinema Roma foi uma grande alegria para mim. Foi como se tivesse voltado aos meus tempos de menino, no Cine-Teatro de Mafra. Ganhava a minha vida e via filmes de borla. Esse Cinema foi inaugurado com o filme “Violetas Imperiais”, com a Sarita Montiel. Eu tinha colegas com quem adorei trabalhar. Havia o Soares que não ia muito à bola comigo porque tinha ciúmes de todas as atenções que o Tété me dispensava. O Soares era o responsável desse Bar, mas o Tété não lhe passava cartão. Penso mesmo que até o detestava. O Soares era um daqueles gajinhos de pequena estatura, tentando dar-se ares de muita importância lembrando-nos constantemente que o patrão era ele. Eu antipatizava profundamente com o Soares mas, por ouro lado, tinha um outro colega, o Santos, que viria a ser um dos muito poucos grandes amigos que tive na vida. Ele morava com a sua mulher e um filho na mesma pensão onde eu pernoitara umas tantas noites naquele divã na marquise, perto da Tentadora. Hoje não sei onde pára esse Santos que ainda recordo com tanta saudade! Será que ainda por cá anda? Será que ainda se lembra de mim? Ele que me protegia como se eu fossa seu irmão!

Havia também a Esperança, que servia e lavava os copos, e a Lucília, uma nortenha amorosa que um dia viria a casar-se com o meu irmão Fernando, que trabalhava nas malhas do Rubin, na Visconde Valmor, e que habitava em casa dum casal que alugavam quartos a rapazes, três em cada quarto. Eles tinham três quartos alugados e ocupavam precisamente o quarto mais pequeno lá da casa.

Eu gostava muito de trabalhar nesse grande Bar. Era só servir cafés e bebidas frescas aos clientes, durante um curto intervalo de quinze minutos. Eu era muito amigo da Dona Margarete, que era a chefe das bilheteiras. De vez em quando, durante a projecção do filme, eu ia debruçar-me sobre o baixo muro do quintal onde o meu pobre macaquinho queria saltar-me ao pescoço mas não podia por causa daquela curta corrente que o aprisionava. O muro era tão baixinho que eu facilmente o saltava para o ter nos meus braços durante alguns minutos. Sempre que eu punha no chão ele dava uns guinchos que aos meus ouvidos soavam como lágrimas de despedida. Também o seu nome se foi da minha mente depois de tantos anos que andei por esse mundo fora em busca de ventura e aventuras! Eu adorava esse bichinho e tanto pedi à dona que o deixasse livre dentro de casa, durante o dia, mas ela recusava dizendo que ele iria sujar-lhe a casa toda e quebrar tudo à sua passagem. Eu e o meu grande amor pelos animais, imediatamente compreendi que eu não poderia viver muito mais tempo nessa casa.

Entretanto o meu irmão Fernando, farto de malhas, pede-me para eu pedir ao Tété trabalho para ele nesse Bar. Penso que não foi apenas o desejo de deixar as malhas, foi, penso, muito mais a vontade de estar perto de mim. De um certo modo ele sempre procurou estar a meu lado, mesmo quando vivi em Paris ele pediu-me para o levar para a Cidade Luz! Foi nesse Bar que ele depois começaria a trabalhar e a namorar a Lucília. Eu continuava a ser o grande artista do Bar, aquele que, durante os intervalos, em quinze minutos, encarregado da máquina de café Cimbalino, dessas máquinas que tinham acabado de serem comercializadas, as tais dos famosos cafés Expresso. Eu parecia fazer parte dessa máquina! Cada vez que eu ia sacar o café já moído ao moinho, esse moinho contava as tiradas de doses para cada Cimbalino. Em quinze minutos, cheguei a tirar duzentos e quarenta e tal cafés. Várias vezes os clientes me cumprimentaram pela minha agilidade. Também muitas vezes o Soares, sempre invejoso da minha popularidade, me dizia para me despachar e não perder tempo com os clientes. Que eu estava ali para tirar cafés, não para ser a grande vedeta! Algo me segredava ao ouvido que eu tinha de mudar de casa por causa do macaquinho, e de emprego por causa dum macacão! E foi precisamente o que aconteceu!

O Tété tomou conta também do Bar do Cinema Avis, ali ao Arco do Cego, e pôs o Santos como responsável. Ora o Santos, consciente do mal estar entre mim e o Soares, pediu ao Tété para que eu fosse trabalhar com ele para o Avis. O Tété concordou e aí foi a grande passada das birras do Soares para os braços de alguém que muito me estimava. E não foi tudo! Como no quarto onde o Fernando dormia, ali na Sacadura Cabral, um dos três ocupantes casou e deixou a sua cama livre, o Fernando apresentou-me à Dona Alice, a dona da casa, e eu apanhei essa cama e deixei o meu tão querido macaquinho nas mãos de Deus e da sua má sorte. Desde esse dia em que fui transferido do Roma para o Avis, nunca mais lhe pus os olhos em cima.

Tantos anos depois, agora, aqui a contar-vos as minhas histórias, ele continua na minha memória e no meu coração. Coração esse que pede a Deus que ele não tenha sofrido muito naquela Alcatraz de trazer por casa, e que hoje se encontre muito feliz no céu dos macaquinhos tão adoráveis como ele! Liberto da sua curta corrente de ferro, possa agora flutuar à vontade no Paraíso, a brincar, livre como o vento, entre outros muitos macaquinhos tão adoráveis como ele!
Uma lágrima acabou de cair...

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