samedi 22 août 2009

O Belo Rui
















No Tique-Taque as coisas começaram a complicar-se desastrosamente. O Tété continuava nos seus negócios pouco límpidos, numa tentativa de ser ele o seu próprio patrão. Agora sem os Bares do Roma e do Avis, ele continuou embrulhado em manigâncias, numa desesperada tentativa de sair do buraco em que se metera. Não sei que falcatruas ele cometeu, mas a verdade é que repentinamente o irmão do Tété, o senhor Engenheiro Guimarães, começou a aparecer à noite para fazer as caixas. Fiquei perplexo e muito preocupado. Perguntei-lhe se o senhor Melo tinha ido de férias ou se estava enfermo. Ele diz-me muita friamente, que não me ralasse, que o senhor Melo estava muito bem onde agora estava. No dia seguinte entro na Condotti e pergunto à Rita onde tinha ido o Tété. Ela diz-me, como que esquivando a pergunta, que o Tété tinha ido para Israel para ingressar num Kibbutz para aprender o Hebraico. Que depois ele procuraria um emprego e que logo que ele estivesse estabelecido, ela iria ter com ele. Fiquei muito intrigado e ao mesmo tempo inquieto, pois que tudo aquilo me parecia inverosímil. Mais tarde começaram os boatos que o senhor Melo tinha feito vigarices, que tinha comprado alguns carros aqui e ali, a pagar a prestações, e que depois os vendera por metade do preço a pronto a amigos e conhecidos. Que agora ele tinha a polícia ao seu encalço, e que ele fugira para Israel para se livrar de responsabilidades, pois que em Israel ele estava seguro de não ter problemas com a Justiça, pois que em Israel ele não corria o risco da extradição! Não sei o que realmente se passou, se com esse dinheiro ele queria investir nalgum outro negócio ou se para apenas se pirar de Portugal. Nunca o saberei! Procurei apagar da minha memória e coração esse belo homem que tanto amara e que tão indignamente saíra da minha vida sem sequer me dizer adeus!

Continuei mais uns tempos no Tique-Taque, mas a minha consciência começou a ser contaminada por uma espécie de cólera contra o senhor Luís. Como era possível que o senhor Luís, um homem podre de rico, tinha consentido que o seu filho entrasse em tais perigosas desventuras, e por que raio ele, que tanto dinheiro tinha, o não tirara dessa embrulhada? Todos estes dias sem ver o Tété, sem saber o que realmente se tinha passado, e sem lhe dizer os meus poemas todas as noites, como ainda num tão recente passado, comecei a sentir-me profundamente só e a detestar o senhor Luis! Também comecei a desgostar do engenheiro Guimarães por ele ter tirado o lugar ao seu irmão e por não me dizer nada do que verdaeiramente se tinha passado com o Tété! A Rita também me parecia um túmulo! A sua boca não se abria senão para me dizer que um destes dias, mais ninguém falaria do senhor Melo ali nas redondezas. Que ele seria simplesmente esquecido! Talvez, mas eu não, eu nunca o esqueceria! Revoltado com esta imerecida situação em que o Tété se metera, dei a minha demissão. Eu queria afastar-me do Tique-Taque e do Tété, eu queria, bem afinal de contas, tudo esquecer e começar uma vida nova longe da Avenida de Roma!

Começou então a minha grande luta em busca dum outro emprego. Na RTP tinha apenas as quartas-feiras para fazer figurações e isso era muito mal pago. Diariamente comprava todos os jornais de Lisboa para rebuscar todas as páginas dos anúncios, mas nunca havia nada que correspondesse às minhas capacidades e qualificações. Eu não tinha estudos nenhuns! No fim do mês deixei o Tique-Taque e segui a minha vida. A Dona Alice andava muito preocupada com a minha situação, pois que ela sabia muito bem como era então difícil encontrar empregos em Lisboa. Durante algumas semanas andei ao “tio-ò-tio” em busca de trabalho sem que nenhuma proposta me fosse feita. Eram os “encontros” com possíveis futuros patrões que ficavam com os meus contactos, que depois me convocariam! O que nunca aconteceu. O único trabalho que encontrei foi, ao passar na Avenida de Madrid vi numa montra um papelinho a pedir “mão d’obra”. Não dizia de que trabalho se tratava. Havia um número de telefone a contactar, o que imediatamente fiz. Foi uma voz de homem que me respondeu, perguntando-me se eu podia ir vê-lo pessoalmente a sua casa na Rua Sacadura Cabral. Disse-lhe que sim, que eu até morava nessa rua. Ele disse óptimo, que eu fosse ao número tal, que subisse ao terceiro andar esquerdo, e que perguntasse pelo Rui. Pus os pés a caminho. Não era mesmo nada longe. Ao subir a esse terceiro-andar esquerdo, bato à porta e aparece diante dos meus olhos talvez o mais sublimemente belo homem que jamais atravessara o meu caminho. Ele apresenta-se como sendo o Rui, e propôs-me eu trabalhar para ele naquela boutique onde eu encontrara o anúncio, que ia iniciar um novo negócio de “Pop-Corn” em Lisboa. Que precisava de alguém que o fabricasse e conduzisse o negócio. Descemos e ele foi mostrar-me as instalações do meu novo emprego. Tratava-se de uma grande dependência com uma montra para a rua, uma secretária com uma cadeira de cada lado, a minha secretária para eu receber os meus clientes. Sobre essa secretária um telefone muito preto e uma máquina de escrever. A um canto havia a máquina para torrificar o “pop-corn” e a um outro canto uma bancada com outra pequena maquineta para fazer a colagem dos sacos de uma dose. Claro, havia também um grande saco cheio de milho e um rolo de sacos em cima da bancada. Ele ensinou-me a fabricar o “pop-corn”, o que nos levou cerca de cinco minutos a obter. Depois mostrou-me como se enchiam e se colavam os sacos. Seguidamente sentámo-nos à secretária, cada qual do seu lado. Ele explicou-me como se iriam passar as coisas. Eu prestava atenção ao que ele me dizia, mas eram aqueles olhos dum azul divino que eu devorava. Ele pareceu aperceber-se e dum certo modo correspondia às minhas mensagens em morse. Súbito um dos seus joelhos tocou o meu como que a dizer-me que me pusesse à vontade. Continuou as suas explicações dizendo-me que eu não tinha ordenado, que seria uma espécie de sociedade entre ambos, que eu teria trinta por cento dos lucros. Que tinha posto anúncios nos jornais e que já tinha algumas encomendas, mas que agora eu ficaria a cargo do telefone na “oficina” (como ele lhe chamava), e que ia pôr novos anúncios nos jornais com o número de telefone da dita. Depois entregou-me as chaves da loja e mostrou-me onde era a retrete. Nesses tempos ainda se não tinha que escrever e assinar contratos. Bastava a palavra da pessoa. Ele ficou radiante de sermos vizinhos na Sacadura Cabral, e que estaria comigo no outro dia de manhã na loja para me ajudar a preparar os sacos-dose, como ele lhes chamava. Depois saímos e fomos tomar um café àquele mesmo Café onde íamos ver os meus trabalhos para a RTP. Se ele me tivesse proposto o Tique-Taque eu teria recusado! Enquanto tomávamos o café, pensando na RTP, revelei-lhe que a única desvantagem do meu trabalho na sua loja era que eu trabalhava todas as quartas-feiras na RTP com o Nuno Fradique, e que agora os meus dias de folga seriam ao domingo. Ele ficou muito agradavelmente surpreendido, um tanto admirativo, e disse que se alguma vez eu precisasse desesperadamente duma quarta-feira ele tomaria conta da loja por mim nesse dia. Algo que não viria a ser necessário, pois que durante algumas semanas não fui convocado porque o Nun Fradique tinha tirado um mês de férias. Falou-se que ele tinha ido até aos Estados Unidos, para uma qualquer formação.

A dona Alice ficou muito mais descansada sabendo que eu tinha finalmente encontrado trabalho e, ainda por cima, ali tão perto! O que ela não sabia era que eu não tinha ordenado! Nessa noite eu e os rapazes fomos dar uma volta à noite pela Baixa e apanhámos uma piela! Depois eles foram todos às putas. Eu e o António voltámos para casa a pé sem quase trocar uma palavra, pois que ele ou não era falador ou não tinha mesmo nada para dizer. Ele era realmente muito fechado, mas uma doçura de rapaz!
No outro dia de manhã fui abrir a loja às nove, como tinha sido combinado. O Rui chegou um pouco mais tarde e começámos ambos a trabalhar. O trabalho era fácil. Bastava pôr uma medida de milho dentro da máquina, cobrir com um pouco de açúcar para o “pop-corn” caramelizado, ou um pouco de sal para os outros que serviriam de aperitivo para as cervejarias. Depois era só ensacar. Haviam sacos para os salgados e outros para os caramelizados. Depois bastava pô-los separadamente num dos dois caixotes de madeira ali no chão, um para os doces, o outro para os salgados. Finda essa tarefa, ficámos já com algumas reservas para satisfazer quaisquer possíveis encomendas. O Rui, depois de ter explicado que por hoje era tudo, pediu-me que ficasse até ás sete da tarde para responder ao telefone, pois que o novo anúncio tinha sido lançado nessa mesma manhã. Rui foi à sua vida e eu ali fiquei à espera que o telefone tocasse. Coisa que não aconteceu. Como do meio-dia à uma eu fechava a loja para ir almoçar, assim fiz. A Dona Alice crivou-me de perguntas mas as respostas eram poucas. Tinha sido o primeiro dia e nada de prometedor tinha acontecido.

Ao voltar para a loja levei um livro para ler, pois que estava certo que nessa tarde o telefone continuaria mudo. Felizmente enganei-me! Tive uma meia dúzia de chamadas de algumas cervejarias lisboetas interessadas na mercadoria. Tomei nota de duas encomendas, e que eu as viria entregar pessoalmente na manhã seguinte. Eram duas moradas ali próximo, na Avenida Almirante Reis. Uma delas era a Cervejaria Portugália. O Rui passou por volta das cinco a perguntar como se estavam as coisas a passar e ficou contente com essas duas encomendas. Ao deixar-me passou a sua bonita branca mão pela minha face e murmurou:
- Bom trabalho! Até amanhã!
Depois virou-me as costas e subiu a Avenida de Madrid na direcção da Avenida de Roma. Eu aproveitei para regalar os meus olhos naqueles belos costados e naquelas belas nádegas que ondeavam como um subtil mar de doces promessas! Eu então andava um tanto celibatário e esses elegantes metro e noventa teriam sido a melhor das soluções a esse meu tão grave problema das minhas noctívagas solitárias no Gavião Branco, muito sorrateiras para não acordar o António!

No outro dia, depois de ter entregue as duas encomendas voltei à loja, pedindo a Deus que o telefone tocasse para mais encomendas, mas o telefone estava ali em cima da secretária, sob os meus olhos ansiosos, mas o resto do dia e ele não deu sinais de vida. No outro dia de manhã, para minha grande surpresa, o telefone toca. Era a Portugália a fazer outra encomenda. Os dias foram passando e as encomendas eram raras e apenas da Portugália. Comecei a ficar preocupado. Por outro lado, os dias todos ali fechado na loja sem nada que fazer era um verdadeiro tormento para mim, depois daquele permanente burburinho no Tique-Taque. Como não tinha livros para ler comecei a aproveitar o tempo para ler os jornais que eu comprava ali à esquina. Lia todas as páginas de alto a baixo, incluindo as necrologias. Isto, claro, sem esquecer as muitas páginas de anúncios. Foi num desses jornais que descobri um apelo duma revista que procurava colaboradores. Era a revista Turismo. Respondi a esse anúncio para fazer carburar a porcaria do telefone. Deram-me uma data para eu ir lá falar com o director.

Chegada essa data dei lá um salto na hora do almoço e falei com o senhor director. Levei comigo todos os meus poemas que tinham sido publicados na Antologia de Revelações do Diário Popular, assim como um pequeno conto que eu tinha escrito lá na loja Essas pequenas histórias que eu contava nesses curtos textos não eram porque eu andava muito inspirado, simplesmente para preencher aqueles longos dias sem chamadas telefónicas. O senhor director leu os meus poemas e as boas críticas do Diário Popular. Disse ter gostado do que eu escrevia. Leu depois umas linhas do meu pequeno conto e disse-me que eu tinha muito jeito para a escrita, que lhe escrevesse uma história acerca dum qualquer jardim de Lisboa. Quando voltei à loja, como o telefone parecia estar-se nas tintas para a minha presença, agarrei na máquina de escrever e algumas folhas de papel, e escrevi acerca das minhas recordações dos tempos em que, tão puto, passava os meus dias no Jardim da Parada a brincar com os outros miúdos. Intitulei este artigo “Eu Também Tenho Um Jardim”e depois, como combinado, enviei-lhes o meu trabalho pelo correio. Claro que a partir dessa data comecei a também comprar a Revista Turismo, que era uma revista mensal! Passados uns meses o artigo foi publicado. Fiquei radiante! Orgulhoso de mim mesmo! Se eu nunca viesse a ser um grande actor, talvez pudesse vir a ser um dia um grande jornalista! Porém esse meu primeiro artigo foi também o último, pois que eles, alguns meses depois propuseram-me um biscate que eu adoraria ter feito, mas que chegou tarde demais. Tinham-me proposto eu ir passar os meus fins-de-semana de terra em terra, escrever a história da vila visitada, de como tudo tinha começado, que tipo de indústrias ou artesanato típicos da região, assim como o que havia de interessante a visitar, museus ou outras atracções, afim de promover o turismo nessa específica terra e em Portugal duma forma geral. Eles pagar-me-iam as viagens e uma noite num hotel, e eu receberia 100 escudos por cada artigo. Tal como a minha carreira como actor, a minha carreira como jornalista, acabariam ambas ao nascer, por ter deixado demasiado cedo o nosso país, correndo atrás de amores puramente platónicos!

O negócio da loja não andava nem desandava. Além da Portugália, só, de vez em quando, uma outra encomenda caía do céu aos trambolhões. O Rui começou a ficar muito desanimado e eu também, pois que as minhas únicas entradas de dinheiro seriam as percentagens das vendas, isto depois das despesas diárias e do pagamento da renda mensal da loja.

Uma manhã o Rui chama-me para eu chegar a casa dele para falarmos da situação das coisas. Que eu viesse durante a minha hora de almoço, que ele prepararia umas sandes. Depois de fechar a loja fui até à morada dele e subi ao seu terceiro-andar esquerdo. Toco à campainha e é o Rui quem me vem abrir a porta. Para meu grande espanto, o Rui apresenta-se-me completamente nu, diante daqueles meus olhos tão sôfregos daquele tão atlético e desejável escultural corpo!! Pediu-me para irmos para o seu quarto porque a sua mãe estava em casa e que ele não se sentia à vontade todo nu em frente da sua mãe. Em frente de mim ele estava perfeitamente à vontade e brincava com o seu sexo para ver se ele engordava um bocadinho para me impressionar com a sua virilidade, como quase todos os homens fazem, pois que para todos os homens, terem um sexo bem aviado é de importância capital! Sentámo-nos na sua cama e ele despejou o seu saco. Mas não saco que eu mais gostaria que ele tivesse despejado. As suas preocupações eram os negócios que não avançavam na loja. Propôs-me eu começar a fazer de caixeiro-viajante e ir propor a mercadoria a todas as tabernas e cervejarias de Lisboa. Pediu-me para eu consultar a lista telefónica e procurar moradas desse tipo de estabelecimentos ou simplesmente ir por essas ruas fora e entrar em cada Café, Pastelaria, ou Cervejaria, a que eu passasse à beira, e propor os nossos sacos de “pop-corn”! Naquele momento teria preferido que ele me tivesse proposto aquele seu belo corpo ali todo desnudo frente aos meus ávidos olhos, enchendo-me o corpo todo dum desejo incontrolável! Comemos as nossas sandes e tomámos dois copos de vinho branco e assim o tempo voou! E eu tive de voar para a loja para responder a um telefone que nunca tocava! Nunca percebi por que razão ele me tinha recebido todo nu e a brincar com o seu berloque, se a sua única preocupação tinha sido os negócios. Ou teriam sido outros os negócios que ele não ousou manifestar? Mais uma pergunta que ficaria no ar por toda a eternidade! Que frustração irreparável esse meu ter perdido o comboio uma vez mais!

Ainda hoje ao pensar nessa visão daquele corpo esplêndido ali à minha mercê e que eu não mexi um só dedo para o alcançar! Ainda hoje me odeio por essa minha grande falta de coragem de não ter sido eu a disparar o gatilho e ter feito daquela tarde uma orgia de acordar a sua mãe e toda a vizinhança, de ter posto em dia os meus desejos, em vez de estar ali especado na loja à espera de telefonemas que nunca chegariam!
Os dias iam correndo e correndo andava eu de rua em à procura de estabelecimentos que pudessem estar interessados na minha mercadoria. A maioria dos responsáveis dos visitados estabelecimentos que poderiam eventualmente estar interessados no meu “pop-corn”, voltavam-me as costas e mandavam-me ir vender chuchas para outra banda! Cada vez que isso me acontecia (e foram tantas e tantas vezes) eu sentia-me humilhado até à medula! Só muito raramente havia um que me comprava meia dúzia de sacos à experiência, mas deles nunca mais tive notícias! Ficávamos limitados à Portugália mas a Portugália não consumia suficientemente para manter o nosso negócio de vento em popa. Como via que a empresa do Rui não funcionava, mandei o Rui à mãe e fui à procura doutro emprego.

Do Rui nunca mais soube nada! Teria ele singrado com a sua ideia do “pop-corn”? Teria ele realmente, naquela tarde, desejado o meu corpo como eu tinha desejado o seu? Dele nada me ficou nem mesmo uma foto daquele bonito rosto ou daquele corpo elegante como uma cavalo de corrida que tanto teria gostado de ter montado e cavalgado por esses prados fora!

Porém o Rui nunca me saiu inteiramente das minhas boas e más recordações. Em Paris, em 1985, pensei nele e procurei fazer o seu retrato de memória, de como ele para mim tinha sempre ficado! Belo e desejável!

Que restará dele agora? Morto? Velho? Como se teria acabado aquele seu negócio do “pop-corn”? Tinha singrado na vida? Casado? Tido muito filhos? Muitas aventuras com outros homens?

Porque não lhe tinha eu assaltado aquele seu belo corpo naquela memorável soalheira tarde de Lisboa, ali na Rua Sacadura Cabral, ali tão perto daquele bela orientalizada Praça de Touros do Campo Pequeno, tão rubra como as minhas devastadoras e incontroláveis contínuas paixões?

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