mardi 11 août 2009

A CASA DAS CAVACAS


Foi então que começou a minha labuta, a minha desesperada busca de emprego. Pensei que talvez pudesse ir trabalhar para o Café Esplanada onde o meu irmão Elmiro trabalhava desde os oito anos, mas tinham acabado de aceitar o senhor João, o pai da Bruxa. Aí o meu caminho estava vedado.
Procurei por toda a parte em Mafra mas nenhuma porta se me abriu. No Café Estrela tinha conhecido um Inglês que tinha aberto uma espécie de Bar-Restaurante na Ericeira, o “Galeão”. Ele vinha frequentemente ao Estrela tomar um whisky e conversar comigo. Por vezes cheguei a pensar que ele talvez não se importasse mesmo nada de tomar um whisky comigo a sós na sua casa, pois que duas vezes mo propôs. Depois do seu terceiro whisky os seus olhos enviavam-me estranhas solicitações. Nunca cheguei a nenhuma conclusão acerca dele. Como eu gostava muito de mar e da Ericeira, resolvi tentar a minha sorte nessa encantadora vila com orientais vestígios do estilo arquitectónico que os Árabes tinham deixado atrás deles depois sua longa ocupação de Portugal.

Uma manhã apanho uma camioneta do Gaspar e dou um salto até à Ericeira. Dirijo-me ao Galeão para falar com o senhor engenheiro. O senhor engenheiro não estava mas garantiram-me que ele não precisava de pessoal, que tinha acabado de despedir um empregado de mesas por terem criados a mais e clientes a menos. Disseram-me que fosse falar com o senhor João, o dono da Casa das Cavacas, que parecia que ele sim, precisava de mão de obra na cozinha. Ele fazia pastelaria para os Cafés todos das cercanias. Tinha uma grande produção e precisava de muito pessoal.

Dei um salto à Casa das Cavacas, sentei-me a uma mesa e pedi um café. O senhor João estava ao balcão da sua pastelaria muito ocupado com muitos fregueses à espera de serem servidos. Quando o seu trabalho abrandou, cheguei-me a ele e perguntei se ele precisava de alguém que o ajudasse. Ele já me conhecia do Café Estrela e disse que sim, que para gajos como eu haveria sempre trabalho! Ficou logo combinado que eu começaria a trabalhar logo no dia seguinte. Prometeu-me um quarto em casa dele, que não era mesmo nada longe. Falou-se de ordenado, pois que ele precisava de alguém no Bar/Copa ali no primeiro andar e que no Bar não haviam gorjetas, pois que o meu trabalho consistia em servir os empregados de mesas com as suas encomendas. Que poucos clientes vinham ao Bar tomar qualquer coisa. Aceitei! Nessa altura não havia ainda a grande moda de assinar contratos. Bastava a palavra de honra de um homem!

Muito contente da vida, apanhei novamente a camioneta do Gaspar para Mafra. Minha mãe ficou radiante, pois que havia pouco dinheiro lá em casa e ela sabia que eu era muito independente e que não gostaria de, como quando eu era muito puto, ir ao Esplanada pedir mais buchas ao Miro.
Que eu devia vencer sozinho na vida!
Imediatamente ela me preparou uma maleta com algumas roupas minhas para levar comigo para a Ericeira.

No outro dia de manhã, depois de um frugal pequeno-almoço e um grande beijo à minha mãe, agarro na maleta e vou apanhar a camioneta do Sardinha do meio-dia e um quarto. A viagem foi curta e quando passámos pelo Sobreiro, ao passar pela Casa da Brasileira, a casa onde nasci, jurei a essa casa que um dia eu seria rico e a compraria só para mim, para a minha velhice!

Chegado à Ericeira entro imediatamente na Casa das Cavacas e lá estava o senhor João muito atarefado com muita freguesia. Pediu-me para eu descer à cozinha e pedir à sua mulher que me levasse a casa para me mostrar o meu quarto, para eu me instalar, e que depois viesse novamente ter com ele.
Foi o que fiz.
Ele pediu-me que descesse à cozinha. Desci e fiquei espantado com o tamanho daquele arsenal onde muitas senhoras trabalhavam no fabrico dos bolos. Fiquei logo curioso. Cheguei a desejar ficar a trabalhar na cozinha para aprender ainda mais dessa profissão que, de algum modo, muito me agradava.
A mulher dele pediu-me para me sentar e ofereceu-me almoço. Enquanto eu almoçava ela explicou-me que eu iria trabalhar na copa, o tal Bar lá em cima onde os empregados de mesa se viriam abastecer para servir os clientes. Que eu teria de trabalhar uns dias na cozinha pois que tinha de ir ao alfaiate tirar as medidas para que ele fizesse os meus uniformes.
Nesses três dias que trabalhei na cozinha apercebi-me da presença duma bonita rapariga que se chamava Glória. Pensei que se eu fosse quem eu gostaria de ter sido, eu lhe faria a corte e talvez um dia fundasse uma família com ela. Mas eu era eu, não aquele quem gostaria de ter sido, o assunto ficou logo arrumado!

Logo que o meu uniforme me foi entregue, levaram-me lá a cima ao Bar/Copa para me mostrarem qual seria o meu trabalho e as minhas obrigações. Uma vez mais eu teria de trabalhar das sete da manhã até à meia-noite, tendo um dia de folga por semana para ir a Mafra matar saudades da família. Gostei das condições pois que eram muito idênticas às que tinha no Estrela. Por outro lado tinha um belo quarto só para mim, na casa do senhor João, com uma larga janela para as traseiras. O quarto era pequeno, tinha uma cama e uma mesa-de-cabeceira e uma cómoda para eu pôr a minha roupa e, o mais simpático de tudo, o que muito me agradou, havia sempre uma jarrinha com flores frescas todos os dias!

Quando eu ia para a cama depois do Café fechar dava sempre uma grande volta pela Ericeira à noite e ia-me sempre debruçar uns minutos sobre aquela amurada que dava para a Praia do Peixe, para ver aquela bela esteira de luar sobre as águas tranquilas. Por vezes olhava à volta para ver se havia algum pendura em busca duma estocada, mas apenas turistas com as suas famílias e alguns pescadores com uma grande piela, ainda divagando pelas ruas, por essas, para eles então, altas horas da noite!

A minha rotina era, como todas as outras rotinas da minha passada curta existência: levantar-me às seis da manhã para abrir a Casa das Cavacas às sete. Depois de tomar o pequeno-almoço, feito os preparativos, abrir as portas à clientela, e trabalhar até à meia-noite, quando se fechava a Pastelaria. Tinha, claro, uma hora para eu ir dar uma volta ou descansar. Essa hora, normalmente, dava um salto à praia para ver as belezas meio desnudas.
Tinha vários colegas, empregados de mesa, mas um, particularmente simpático, com quem me dava muito bem, e que bem teria gostado de lhe ter saltado para cima: o Quim! Era um bonito rapaz que muito me lembrava o Tonecas, o sobrinho do Godinho.
O meu único problema nessa Bar/copa era que havia uma janela mesmo em frente do balcão, sempre aberta para entrar o ar fresco. Janela essa que dava para o prédio em frente, aí a cinco metros de distância e, mesmo em frente, também sempre aberta, a janela do gabinete do dentista lá do sítio. Como nesses tempos ainda não tinham inventado as anestesias locais, apenas passavam um algodãozinho molhado em éter para fingir que adormeciam as gengivas.
Os gritos eram tais que me punham os cabelos todos em pé! Os cabelo do meu corpo todo!

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