Escrevi uma carta ao senhor Luís Ferreira dizendo que estava à sua disposição e dando-lhe o número de telefone da fábrica das malhas.
Assim ficou combinado!
Depois de ter terminado o meu mês e ter recebido o meu último ordenado do Mestre Zé, agarro mais uma vez na minha já tão viajada maleta e ponho os pés a caminho da minha grande odisseia de conquistar Lisboa e o Teatro e o Cinema!.
Comecei o meu trabalho ao balcão da Tentadora a vender bolos e a servir às poucas mesas a um canto, e mais duas ou três em cima do passeio. Foi o responsável da Tentadora, o senhor Jaime, um homem simpatiquíssimo, que me encaminhou nos meus primeiros passos na Tentadora. Falei-lhe do meu problema de quarto e ele garante-me que isso não era problema, pois que dentro de dias eu seria transferido para o Tique-Taque, na avenida de Roma, que fosse logo que pudesse ver uma certa pensão duma amiga dele, ali no Areeiro, que era muito perto do Tique-Taque. Que essa pensão se encontrava no quinto andar dum prédio cor-de-rosa, muito moderno, com uma grande torre. Foi o que fiz. Como o meu dia de folga era às segundas-feiras, nesse meu primeiro dia de folga apanho um eléctrico para o Rossio e na Praça da Figueira apanhei outro eléctrico para o Areeiro.
No Areeiro não me foi nada difícil encontrar a morada. Subi ao quinto andar mas a senhora proprietária não tinha quartos vagos. Que experimentasse no prédio ao lado, também no quinto andar, esquerdo, que talvez a senhora tivesse um quarto disponível. Dei lá um salto e a senhora não tinha nenhum quarto, mas que eu deixasse um telefone onde eu pudesse ser contactado, que ela me telefonaria logo que tivesse uma vaga. Foi o que aconteceu uns dias depois. Ao fim da tarde dei lá um salto e paguei-lhe um mês adiantado pelo meu quarto. Mudei-me logo no dia seguinte. Estava farto dormir com os pés de fora daquele divã naquela gélida marquise. Expliquei as coisas ao senhor Luís e ele resolve enviar-me imediatamente para o Tique-Taque, onde o seu filho, o Tété, já por lá andava a fazer os preparativos para a abertura do Snack-Bar. Fiquei logo ansioso de lá chegar e rever o meu Tété que tanto me tinha ficado incrustado no meu pensamento.
Esse maravilhoso dia chegou. Dormi na minha boa cama naquele meu quase luxuoso quarto da Pensão Areeiro. Nessa manhã, depois de ter tomado o meu pequeno-almoço na sala de jantar dos hóspedes, segui a pé até ao Tique-Taque. Eram quase nove horas quando cheguei ao meu posto. Fiquei deslumbrado com o modernismo e o luxo do Tique-Taque. A porta estava entreaberta e verifiquei que andavam lá muitos operários a trabalhar na decoração e mobiliário. Entrei e pedi para falar com o patrão. Não ousei dizer ao Tété! Um senhor engenheiro qualquer, que parecia ser o responsável daquelas obras todas, disse-me que o senhor Melo estava lá em cima no primeiro andar mas, mesmo antes de terminar a sua frase, oiço uma voz muito musical que me vinha lá de cima. Não do céu, mas do primeiro andar. Olhei para cima. Havia lá uma balaustrada na qual se debruçava aquela criatura fora de série a que chamavam Tété.
Ele grita lá de cima:
- Olha quem aqui está! Já estava à sua espera! O meu pai telefonou-me a anunciar-me a sua vinda! Suba!
Subi. Estendi-lhe a mão porque não ousei estender-lhe os braços. Os seus olhos muito pretos lançavam-me faíscas de um presumível pessoal contentamento. As suas mãos muito brancas e longas eram como eu imaginava as mãos dum anjo, mas o seu sorriso não tinha nada de angélico. Havia uma mistura de malícia e convite a pôr-me à vontade, como se estivesse interessado mais na minha pessoa do que da minha servidão.
Ele quebra o silêncio como uma simples pergunta:
- Como é que você se chama?
- Rogério, senhor Melo!
- Não me chame senhor Melo. O meu nome é José mas pode chamar-me Zé. É o que toda a gente me chama, além do Tété lá em casa!
Eu passaria a chamar-lhe senhor Melo mas por detrás do meu inviolável segredo ele era e sempre seria o “meu” Tété!
Tété começou a falar do que seria o meu trabalho. O meu trabalho seria ali no bar memo a nosso lado para servir clientes e atender as encomendas dos criados de mesa. Explicou-me que no segundo andar era o restaurante, e que a cozinha se encontrava nos rés de chão. Havia aquele ascensor ali no bar que ia do bar até à cozinha. Os criados viriam ao bar com as suas encomendas de pratos escritas sobre um cupão em duplicado, e que eu tinha de guardar o duplicado e enviar o original pelo ascensor para a cozinha e depois aguardar que os pratos me fossem enviados pelo mesmo ascensor e entregá-los aos respectivos criados. Igualmente que, como no bar haviam lugares sentados, teria também de servir os clientes que viessem ocupar esses lugares.
Depois levantou-se e ofereceu-se para me mostrar o resto das instalações. Subimos ao segundo piso, apenas cinco degraus, e aí era uma longa faixa de alcatifado, uma espécie de longo e largo corredor onde as mesas eram todas encostadas às janelas que davam para a rua. O primeiro piso era apenas o Bar e aquelas algumas mesas com cadeiras à volta. Depois mostrou-me o rés de chão onde havia um longo balcão com grandes vitrinas onde seria exposta toda a pastelaria fabricada na Tentadora. Três degraus mais abaixo havia outro balcão para as carnes frias e uma grande cozinha onde os chefes iriam trabalhar das nove da manhã até às duas da noite. Perguntei-lhe quando era que eu começaria, e ele diz-me que dentro de dois três dias, mas que, entretanto, eu podia dar uma mãozinha aos decoradores.
E assim foi! Três dias depois o Tique-Taque abriu as suas portas à sua futura muito vasta clientela. No dia da inauguração veio a imprensa, muitos convidados, tudo gente muito importante, e um reboliço danado. Eu não estava sozinho no Bar, tinha a ajuda dum outro rapaz que me seria apresentado como o chefe do Bar. Ele chamava-se Joaquim e era um tanto arrogante, talvez temendo a responsabilidade do seu posto. Eu senti-me como se já tivesse ali trabalhado muitos anos! Sentia-me perfeitamente à vontade, como se estivesse na minha própria casa! Tudo me entrou na cabeça como se eu tivesse nascido para trabalhar naquele Bar da Avenida de Roma.
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