jeudi 27 août 2009

O Condes















Nessa mesma manhã, depois da minha carcaça com manteiga, desarvorei e vou até ao Condes ver onde paravam as modas. Cheguei à bilheteira e perguntei se era verdade que eles andavam à procura dum arrumador. A senhora volta-se para trás e grita a uma moça que estava a escriturar sabe Deus o quê:

-Ó Filomena! Vai dizer ao senhor Antunes que está aqui um rapaz interessado na vaga do arrumador!

Fez sinal ao porteiro para me deixar passar e que eu esperasse ali ao pé da entrada. Passados momentos sou interpelado por um rapazote fardado que me pergunta se eu era a pessoa que indagara acerca da vaga para arrumador. Disse que sim e ele pede-me que o acompanhe até ao escritório do Sr. Antunes. Lá chegado depara-se-me um homem já duma certa idade, muito anafado que, por cima dos óculos, me inspecciona dos pés à cabeça, esse hábito ao qual eu já me tinha gradualmente habituado. Para tudo o que eu quisesse fazer na vida, primeiro era vasculhado de alto a baixo. Mesmo quando, na rua, eu pedia lume a um passante bem apresentado, que depois me perguntava se eu morava ali perto! O Sr. Antunes não perdeu muito tempo comigo. Perguntou-me o nome, idade, morada, e número de telefone, que anotou num caderno e, depois, sem tirar os olhos do seu precioso caderno, disse-me que os horários eram das duas da tarde à meia-noite, que não havia ordenado, apenas as gorjetas! Que me concedia esse posto apenas um mês à experiência, e que depois logo se via! Se eu podia começar no dia seguinte? A minha resposta foi afirmativa. Depois tocou uma campainha e logo a seguir o mesmo rapazote entreabre a porta e pergunta:

- Sim, Sr. Antunes?!

O Sr. Antunes pede-lhe que ele me leve até à Dona Carmesinda, para tratar do assunto das fardas! A Dona Carmesinda, que certamente tinha acabado de chegar do cabeleireiro que lhe tinha feito aquela horrorosa permanente de ouriço caixeiro, olha-nos de revés e pergunta o que nos trazia?! O rapazote diz-lhe era o Sr. Antunes que me tinha enviado para obter fardas de arrumador. Ela, como todos os outros, olha-me de alto a baixo e pergunta-me quais as minhas medidas. Eu sabia lá quais eram as minhas medidas! A única coisa que eu na vida tinha medido no meu corpo, só acusara dezoito centímetros! Ela pega numa fita métrica e, silenciosamente, enforca-me o meu corpo todo à procura das minhas medidas todas, especialmente as mais recônditas! Depois desapareceu por detrás dum biombo e volta com duas fardas azuis escuras nos braços, e pede-me que eu, por detrás desse mesmo biombo, as ensaiasse para ver qual delas me enchia melhor as medidas. Um tanto trémulo, dispo-me e ensaio a primeira farda que, “de alto a baixo”, me encaixava que nem uma luva! Triunfalmente, reapareci, usando o biombo como pano de fundo e, mesmo sem “spot-lights” vim mostrar-me à Dona Carmesinda. A Dona Carmesinda, uma vez mais olha-me de alto a baixo e declara que me assentava muito bem, que estava perfeito. Que eu precisava de trazer de casa camisas brancas e gravata preta. A seguir pede ao rapazote que me mostre o caminho para os vestiários dos homens, pondo-lhe uma pequena chave na mão. Antes de eu partir ela diz-me que depois ela trataria de encontrar mais uma outra farda com as mesmas mediadas, que depois eu a encontraria no meu cacifo, no vestiário dos homens.

O rapazote acompanha-me ao vestiário dos homens, entra sem bater, e damos com um gajo qualquer de cuecas e peúgas a vestir-se ou a despir-se, nunca o saberei. Pensei cá com os meus botões: isto começa bem. O vestiário, que era apenas um sombrio cubículo, ia certamente ser o meu campo de batalha onde iria ganhar e perder alguns assaltos à castidade de alguns desprevenidos! O rapazote abre-me a porta dum cacifo de ferro ao lado de muitos outros, pede-me que deposite a minha farda num dos cabides e, depois, fecha a porta, e põe-me aquela pequena chave na mão, dizendo-me que era a minha chave, que a não perdesse!

Saí para a avenida e sentei-me num banco a retomar o fôlego. Como já tinha enviado o Sr. Rosa para o raio que o parta, dei-me ao luxo de ser livre mais umas horas, pois que começaria no dia seguinte. Subo a avenida até ao Campo Pequeno, e a Dona Alice é informada que eu tinha um novo emprego. Ela, um tanto exasperada, diz-me que eu não paro em parte alguma! Que era péssimo para mim e para os outros! Ela estava tão chateada que nem sequer me perguntou quanto é que eu ia ganhar. Foi para a cozinha tratar do jantar e eu fui para a cama descansar os ossos!

No dia seguinte lá fui, avenidas abaixo, até à Rua dos Condes com a minha camisa branca muito bem engomada, e uma gravata preta que me emprestara o Zé Barbeiro. Antes de abrirem as portas para a primeira matiné, fui estudar a sala, ver como estavam numeradas as cadeiras e as filas, que porta de entrada na sala me seria atribuída. O Daniel, a quem chamavam o Dádá, um jovem aí dos seus vinte anos, alto, magro, com olhos pretos como azeitonas, parecia-me bastante pronto a ajudar-me “naquilo” que pudesse. Ele mostrou-me como funcionavam duma forma geral as funções de arrumador, no qual eu era então um noviço. Depois mostrou-me os bastidores, incluindo alguns camarins e outras tantas retretes. O seu último conselho foi, para obter uma gratificação, acompanhar o espectador até à sua cadeira e, antes de voltar-lhe as costas, dizer-lhe, o menos hipocritamente possível:

- Se precisar de mais alguma coisa, sempre às suas ordens!

Depois ainda tivemos tempo de ir ao vestiário pentear os nossos cabelos, ajustar o nó da gravata frente ao espelho e, ele, para minha grande surpresa, molhou as pontas dos dedos na sua saliva e passou-os pelas belas grossas sobrancelhas de azeviche, assim como, voltando a meter um dos seus dedo na sua boquinha de carmim, para bem o molhar, alisou para cima as suas belas pestanas que quase lhe chegavam às ditas sobrancelhas. No fundo, foi a única coisa que o Dádá me ensinou! E pu-lo logo em prática! Eu também, eventualmente, lhe viria a ensinar outras manhas para se fazer bonito e atrair as atenções dos outros. Uma delas, saber bem como armazenar aquilo que de melhor a sua mãe lhe tinha dado, dentro das calças, do lado direito, para que ficasse mais em evidência o seu belo enchumaço, um enchumaço que viria a enchumaçar todos aqueles que gostavam de enchumaços! A partir desse dia as minhas pestanas começaram a ser bem reviradinhas para cima com a minha saliva. Depois de bem ajustarmos as nossas fardas saímos para a sala. Já eram quase horas de abrir as portas! Depois ele indicou-me onde seria a minha porta, para eu estar sempre perto do porteiro, e imediatamente propor aos recém chegados os meus serviços. Se eles recusassem irem tomar imediatamente o seu lugar na plateia, indicar-lhes onde eram os bares e as casas de banho, usando a pilha que eu teria sempre bem apertada na mão, em vez do indicador!

Às quinze horas as portas foram abertas e os espectadores que aguardavam no átrio assaltaram os porteiros como lobos esfaimados sobre pobre lebres desprevenidas. Eu, à minha porta, apertando bem a minha pilha na minha mão direita, comecei a tentar dispensar os meus serviços aos acabados de entrar, mas o pior foi que eles pareciam já conhecer o Condes muito melhor do que eu, pois que se lançavam à conquista dos bares ou dos seus lugares na plateia sem quaisquer hesitações! Fiquei um tanto inquieto, pois que se tudo se ia passar assim eu ficaria tramado! Quando teria eu oportunidade de obter um gorjeta? A resposta foi-me dada quase logo a seguir quando a sineta tocou e as luzes começaram a baixar. Aí eu acendi a minha pilha como se fosse a Tocha Olímpica, pronto a mostrar a meta aos retardatários. Aí já as gratificações começaram a serem plantadas na palma da minha mão esquerda, depois de chegados aos lugares, e eu ter balançado a minha tirada, não de Shakespear, mas do Dádá: Obrigado! Sempre às suas ordens! Se eram casais ainda muito jovens eu não ousava mas tinha uma vontade louca de acrescentar: gozem mas é a puta da vida! Forniquem! Pó caneco os desperdícios de tempo! Tempo não é dinheiro! Tempo é uma fracção de Eternidade, essa grande senhora que não abre a porta a ninguém! A Obra de Camões e alguns outros podem vir a ser eternas, mas o Camões e esses alguns outros, eles mesmos, agora são apenas Nada!

Durante todo esse primeiro dia tudo correu bem. Fiz umas coroas e vi “E Tudo o Vento Levou” uma vez e meia, pois que o filme era tão longo que só deram duas sessões! Mesmo assim fiz boas gorjetas e até tive tempo de ir ao Gavião jantar. A Dona Alice continuava casmurra, sem me dirigir a palavra! Certamente, com o seu instinto feminino e maternal, previu que eu nunca acertaria o passo em parte alguma, e isso não era para uma casa de gente séria! O jantar foi rápido e rapidamente estava de volta ao Condes para as minhas funções, e assim ver “E Tudo o Vento Levou” pela segunda vez. Voltaria a rever esse fabuloso filme mais algumas vezes por detrás das cortinas, frequentemente com o Dádá à minha beira. Um dia ele chegou-se tanto a mim que não resisti à tentação de verificar se o seu enchumaço estava bem arrumado. Como já dum certo modo esperava, o seu enchumaço tinha mudado de posição, estava a trepar-lhe pela barriguinha acima! Apertei-o na minha mão. Dádá vira-se para mim e sorri-me cumplicemente e segreda-me:

- Enfim! Apanhei-te! Levou tempo mas estava certo que mais dia menos dia nos viríamos a encontrar... e tu encontraste-me de pau feito!

Respondi-lhe que os homens morrem de pé mas que teríamos, antes disso, encontrar meio de nos deitarmos ambos na mesma cama para tratar de assuntos em suspenso, mas o pior era que os nossos assuntos estavam ambos bem de pé! Uma inoportuna urgência me leva a murmurar muito baixinho, ao seu ouvido, apalpando-lhe as suas maciazinhas nádegas:

-Dá-dá!!!

E ele respondeu:

- Dou! Dou!!!

Aquela tremenda frustração acerca do Rui agarrou-me de tal forma pelas minhas azeitonas que era preciso comê-las antes de deitar fora os seus caroços, que agarrei-o por uma manga e arrastei-o até à retrete “Homens” do Pessoal e aí, como o filme era muito longo, tivemos tempo de ler a cartilha quase até ao fim. Fomos, de um certo modo interrompidos, pois que um outro “arrumador” de intestino grosso a pedir despejo, tentou abrir a porta, mas ao aperceber-se que a catedral estava ocupada, e ele morto de fazer as suas preces, começou a quase arrancar a maçaneta, ao mesmo tempo que implorava:

- Despacha-te! Despacha-te! Tou à rasquinha! Tou à rasquinha!

Porém, o grande sobressalto dessa vítima dessas outras urgências sem possíveis adiamentos, foi que ele devia ter dito “despachem-se” e não “despacha-te”! Quando saímos ambos, embaraçadamente apertando os cintos, ele não queria crer nos seus olhos! Abriu a boca até os queixos tocarem o nó da sua gravata, e foi a correr sentar-se numa pia ainda bem quentinha de certas quenturas passageiras. Mas, claro, o assunto não ficaria por aí! Dias mais tarde, ele tanto badalou a grande descoberta, que um dia fomos chamados ao escritório do Sr. Antunes, e fomos ambos postos na rua! Eu, não era problema, pois que tinha sido aceite um mês à experiência, mas o pobre do Dádá também deu o que tinha a dar! Nesses tempos ainda não haviam contratos a respeitar e, assim, os grandes patrões punham e dispunham como lhes dava na veneta! Nessa noite ainda fizemos a sessão da noite, mas no outro dia, tínhamos sido informados, os nossos serviços estariam dispensados! De novo eu me encontrava sem emprego, mas já começava a estar habituado a esse caminho por mim já tão trilhado. O Dádá, por seu turno, como já lá tinha trabalhado uns anos, debulhou-se em lágrimas nos meus braços, num dos corredores.

Nessa noite, depois do segundo intervalo, fomos mudar de roupa ao vestiário, perto do arrumador que nos tinha lixado a vida, mais outros que nos olhavam de esguelha para bem observarem os fenómenos. O Dádá, provocou o traidor e ameaçou partir-lhe a cara. Agarrei no Dádá, uma vez mais pela manga, e fomos até ao Palladium tomar um café. Aí aprendi a conhecer o Dádá e as suas origens. Ele era filho dum grego que tinha emigrado da Grécia por razões políticas, e que fora a sua mãe, empregada num Banco, que o tinha alojado e, por fim, depois de se saber grávida do seu protegido, se tinha casado com ele, para que ele pudesse perfilhar o seu pequeno Daniel. Que ele era para ele um bom pai e que era igualmente um bom marido. Que ele agora receava magoar os seus pais se jamais a verdadeira razão pela qual ele tinha sido despedido chegasse um dia ao seu conhecimento. Claro que nós não estávamos apaixonados um pelo outro, tudo aquilo tinha sido apenas manipulações da natureza que nos tinha empurrado nos braços um do outro. Claro que essa nossa aventura chegara ao fim. Eu não podia convidá-lo para o Gavião, que era uma casa de gente séria, e ele não podia convidar-me a sua casa por causa dos pais que eram muito caseiros e dependentes de controversos princípios. Nessa noite despedimo-nos um do outro à saída do Palladium. Ele ainda enxugou uma outra pequena lágrima e depois apanhou o Elevador da Glória, pois que os seus pais viviam na Rua da Rosa. Eu segui a pé para casa um tanto entristecido pela desventura que tinha causado ao Daniel, pronto a tudo esquecer e começar de novo à procura de outro emprego.

Chegado a casa comi a refeição que a Dona Alice me deixava numa espécie de termos, bebi a minha ração de tinto naquele pequeno canjirão de barro e, depois, fui para a caminha perguntando a mim mesmo para que raio de coisa tinha eu vindo a este mundo! Eu não andava nem desandava, o meu destino encontrava-se prisioneiro de certas convenções que eu mal entendia, e as quais eu nunca poderia cambiar. Eu não podia mudar as minhas inclinações sexuais, e muito menos ainda essas velhas tradições portuguesas, arreigadas a milenários dogmas transmitidos de geração em geração!

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire