dimanche 14 mars 2010

O Regresso ao meu Antro Amado


Depois da grande surpresa de voltar a ver aquelas paredes onde fora tão feliz no passado, ainda mais surpreendido fiquei quando me levaram ao escritório do Fernando Lopes, o filho do proprietário, que era então o director da Alfa, me ter igualmente recebido de braços abertos e me ter proposto eu voltar às minhas funções de animador, com um programa diário de duas horas. Talvez mesmo, quem sabe? o regresso do a “Bica e Copo de Água”, como nos velhos tempos de outrora!

Para começar, como Meudon é bastante longe de Créteil - onde a Alfa se instalara - falou-se de eu me mudar para Créteil. Mas quando informei o Fernando Lopes das dificuldades de alugar casa, devido a esses indecentes acordos entre os Bancos e as Agências Imobiliárias, para que os alojamentos fossem vendidos e não alugados, para assim obrigar os interessados a recorrerem aos empréstimos feitos pelos Bancos, ele pediu-me para eu ir à Câmara Municipal me inscrever para obter um apartamento e que, depois, lhe trouxesse o número de meu dossier, pois que ele era muito amigo do Presidente da Câmara, e que lhe pediria para ele interceder a meu favor.

Entretanto, enquanto aguardava os resultados dos esforços do Presidente da Câmara, foi-me proposto pela Ana Bela, (que todas as sextas-feiras falava de Poesia) eu participar no seu programa. Aceitei e imediatamente comecei a sentir-me de novo de volta a casa! O Filho Pródigo que, pouco a pouco, foi destituído de quaisquer oportunidades de voltar a ser, como dantes, o menino-prodígio!

No programa “Alameda dos Poetas”, da Ana Bela Cunha, todas as sextas-feiras das 10 ao meio-dia, tudo decorreu bem! A minha voz e a maneira de ler um texto começou a ser amplamente apreciada pelo auditório, e todas as semanas se falava dum poeta português. Sua biografia e obra. Os ouvintes que gostavam de participar telefonicamente, todos se mostraram entusiastas com a novidade! Eles recitavam poemas do Poeta do Dia ou poemas de sua própria autoria e, por vezes, para minha grande surpresa, poemas meus dos meus dois livros, Sombras ou Vagas!

A busca de apartamento em Créteil foi continuada, mas sempre sem qualquer sucesso! Só havia apartamentos à venda e, no Banco, visto a minha avançada idade, um empréstimo foi-me categoricamente recusado! Do Fernando Lopes ou do Presidente da Câmara, nunca mais obtive qualquer resultado, positivo ou negativo! Parece que, segundo um boato, um dos colaboradores ou responsáveis da Alfa, fora dizer ao Fernando Lopes que “o Rogério do Carmo já deu o que tinha a dar”! E desde ai tudo ficou a nadar em seco! Naufragado em fingimentos!

Uma vez mais, como ao longo de toda a minha vida, as invejas deram à luz a não-realização dos meus projectos e sonhos demasiado altaneiros! A minha presença, como várias vezes me aconteceu na minha vida profissional, uma vez mais incomodou os que me rodeavam, e assim, uma vez mais me cortaram as asas, para que eu não voasse mais alto do que aqueles que me temiam pelo meu profissionalismo!

Frustrado, decidi contentar-me com as minhas inglórias sextas-feiras apenas! Renunciei aos meus mais caros anseios e desejos de voltar a ser quem tivera sido nessa rádio!

Para preencher um pouco o meu tempo e calar a raiva que de mim se apoderara, continuei a escrever e a publicar no Facebook, a tentar lembrar a todos aqueles que pudessem eventualmente vir a ler-me, que eu ainda, a despeito de todas as manobras para me deitarem abaixo, continuava de pé! Pois que as árvores morrem de pé, a despeito de todos os mais inclementes vendavais!

jeudi 4 mars 2010

Saudades imensas do microfone



Depois desta abominável agressão da Ameline e indiferença do Hospital Quinze-Vingts, da desprezível apatia da Justiça, dos Ministérios e Imprensa, reduzido a quase nada depois de tantas raspagens inúteis para mim, mas muito rentáveis para os cirurgiões que apenas se preocupam em preencher camas nas clínicas onde operam, e dos "dépassements d'Honoraires" de que são peritos, para aumentar os seus ganhos diários sem demasiado mexerem o cu, resolvi pôr pedra no assunto e viver o que me restava de existência o melhor possível, tomando em consideração que eu estava reduzido aos restos mortais de quem eu tinha até então sido ! Aprendi a viver com os meus insultos à dignidade masculina, como as ejaculações retrógradas e ameaças de impotência, devido àquela raspagem da próstata que me resolvera problemas físicos e criado novos e graves problemas psicológicos ! Continuar a minha vida rindo de mim e daqueles que de mim se riem! E é precisamente o que foi a minha vida até ao dia em que, exausto de não ser mais ninguém, farto de viver num apartamento que me custava os olhos da cara, decidimos mudar de casa, pois que cada vez que mudo de casa eu principio uma nova vida. Novos projectos, novas perspectivas, novas crenças no futuro!

Assim, uma bela manhã, fomos até Créteil em busca dum apartamento. Entretanto, depois dos repugnantes acordos entre os Bancos e as Agência Imobiliárias, essas nojentas manigâncias dos Bancos para encherem ainda mais as suas caixas com as economias dos outros, de obrigar as pessoas a comprarem casa, e assim nos vermos forçadas a pedir empréstimos a esses elos dessa nefasta corrente que nos enforca ! As Agências concordaram em não alugar casas, e apenas terem a propor casas para vender. Negócios abjectos entre monopolizadores que devoram tudo à sua passagem, sem dó nem piedade pelos outros! Apenas os lucros eram, foram, e sempre serão, de maior importância! Uma espécie de obsessão, de grave doença mortal, pela eterna ambição de ficarem todos os dias um pouco ou, de preferência, muito mais ricos e poderosos, para se vingarem de certas humilhações sofridas num já distante passado, do qual, agora, nós não temos culpa alguma!

A caminho de Créteil, em busca de casa, repentinamente me veio à ideia de dar um salto a Valenton, onde a Alfa se encontra instalada! Uma feroz saudade dos meus belos tempos frente a um microfone se apoderou de mim! Esses tempos em que eu, ao aperceber-me que, por detrás desse microfone se encontravam milhares de pessoas à escuta, que eu entrava em casa deles para lhes fazer companhia, estar com eles, trazer-lhes a minha grande vontade de os relembrar que o Português era a nossa língua materna, e acabar com essas misturas de Português e Francês, que resultou nessa extravagante linguagem que crismaram de "Imigrês"!

Depois de termos visitado todas as Agências Imobiliárias da cidade, chegámos à conclusão que era tempo perdido. Só casas e apartamentos à venda! Nada de aluguer! De regresso a casa, passámos por Valenton. Não resisti à tentação de ir embebedar os olhos naquela imensa fachada da minha Alfa. Ao mesmo tempo, talvez também fazer uma fotografia como recordação. Pat arrumou o carro dentro do "parking" da Alfa e eu saí do carro para, muito discretamente, fazer uma foto ou duas. Sobretudo eu não queria que ninguém notasse que eu tinha ali voltado sem ter sido convidado. Por acaso, o Paulo, um dos meus antigos colegas, estava a fumar um cigarro à porta, reconheceu-me ! Fez-me sinal para que eu me aproximasse. Hesitei, mas ele tanto insistiu que não resisti ao desejo enorme de lhe dar um grande abraço e talvez, discretamente, acariciar aquela parede contra a qual ele se apoiava. Depois desse curto abraço Paulo convidou-me a subir para me mostrar os progressos tecnológicos que a radio tinha sofrido e, ao mesmo tempo, dar um abraço à "malta"! Como uma donzela virgem com medo de ser violada, resisti, mas bem no fundo eu estava morto por subir e perder de novo a virginade e matar saudades de tudo e de todos.

Galguei as escadas a quatro e quatro, tão ansioso estava de rever os meus domínios de outros tempos! De rever a malta toda! Logo à entrada verifiquei que tinham havido muitas modificações! A pequena dependência que tinha sido o meu escritório com a Cássia, era agora uma pequena cabine de som, e a grande dependência mesmo ao lado, que outrora fora o espaçoso escritório da doutora, era agora um estúdio com uma grande mesa oval com muitos microfones à volta, para quando, deduzi, tivessem muitos convidados a fazerem algum muito importante debate! A primeira pessoa que procurei ver, foi o Fernando! E ele lá estava no seu pequeno mundo de computadores. Ao ver-me ele abriu-me os braços, e era evidente a alegria que ele sentiu ao ver-me, depois de 12 anos de separação. O Artur, ao topar-me, deu-me um abraço tão apertado que quase me quebrou o esqueleto! Depois vieram caras novas que nunca tinha visto antes!

mercredi 17 février 2010

Uma mulher foi-me ao olho!



Quando ele - esse belo jovem ginecologista - saiu do gabinete da Ameline, veio despedir-se de mim, dizendo-me até logo, no primeiro andar, para a "refracção" !
Mas certamente muito mais interessado num bom "aumento"... Esperei ainda até já não haver mais ninguém! Fui o último, uma vez mais, a ingressar nos domínios da bela Ameline! Ela fez-me um sinal com a cabeça (talvez para não gastar saliva) para que eu a seguisse. Entrei no seu gabinete, preparado para me sentar na tal cadeira frente ao canudo, mas ela impediu-me de o fazer, dizendo-me que nessa tarde ela não teria tempo para mim. Claro que, muito pouco sensato, lhe atirei que ela não tinha tempo para mim porque tinha dado o meu tempo ao seu amigo dos tempos da Universidade! Pois que ele tinha vindo sem consulta marcada e que ia submeter-se à refracção, ao passo que eu tinha esperado a manhã toda, que tinha ali o Pat que tinha faltado ao seu trabalho para me acompanhar, e isso não era justo! Ela esticou-me uma outra convocação para a semana seguinte, e virou-me as costas! O Pat ficou fulo e eu estava tão revoltado, que seria capaz de reconstruir o Muro de Berlim em dois segundos! O que ela acabava de me fazer era pura e simplesmente um abuso de poder!

Segundo a data que me tinha sido concedida para esse famoso retoque , lá estava eu uma vez mais na companhia do Pat aguardando ser chamado pela Senhora Dona Ameline para cumprir a sua tarefa! Como de costume fui o último a ser chamado. Depois das usuais verificações, mandou-me voltar ao primeiro andar às 14H30! Novamente pequena refeição num Café local, visita a uma casa de discos em busca de discos da Amália, e novamente a minha cadeira preferida, ao pé da janela, daquela minúscula sala de espera. Estavam apenas duas pessoas à minha frente. Pacientei resignadamente a minha chamada ao sacrifício! Como já era meu hábito, deitei-me naquela marquesa, e esperei até que a Ameline se decidisse a pegar dos seus utensílios para esses inesperados retoques. Durante o retoque ela palrou com os seus assistentes acerca do casamento ao qual ela tinha sido convidada no passado fim-de-semana. Desta vez ela não comentou o seu trabalho, apenas contava as peripécias desse copo de água presidido pelo Rabi Não Sei Quantos. Desta vez o Laser burilou o meu olho mais de 15 minutos. Achei estranho, mas como confiava no seu Sermão de Hipócrates, fiz-lhe confiança. Quando ela deu o seu trabalho por terminado arrancou as gazes da minha cara e pediu-me para me ir repousar o quarto ao lado.

Um tanto aturdido, agarrado às paredes, mudei-me para o quarto ao lado. Eu via pessimamente Deitei-me na outra marquesa e, ao olhar o cartaz em frente, mal conseguia ver as letras gordas! As pequeninas tinham completamente desaparecido! Fiquei alarmado, mas pensei que isso passaria gradualmente. Ao fim desses 20 minutos de repouso, a visão continuava desastrosamente perturbada. Mal Ameline entrou nesse "quarto ao lado", amedrontadamente lhe disse que, parecia-me, desta vez a intervenção não tinha resultado. Eu via mal e porcamente! A sua reacção, olhos postos no chão, alto e bom som, alegremente, foi:

- Je saaaaaaaaaaaaais! (Eu seeeeeeei!)

Como podia ela saber os resultados antes de me ter inspeccionado o olho acabado de estar 15 minutos sob o Laser? Alarmado, levantei-me e sentei-me em frente do canudo. Ela olhou-me dentro desse olho e comentou os resultados aos seus dois estagiários. Um deles estava petrificado contra a parede atrás dela, e olhava-me com uma piedade infinita, e parecia-me à beira das lágrimas! Ele chamava-se Laurent. Não sei se era o seu nome ou apelido! Não percebi quais foram os comentários, porque tudo foi exposto em termos técnicos, os quais eu ignorava totalmente o sentido. Ela disse-me friamente que o trabalho estava feito, que voltasse dentro de dois dias, ao segundo andar, para verificações. Fui para casa lavado em lágrimas! Sentado ao lado do Pat enquanto ele conduzia de regresso a casa, apercebi-me apavoradamente que eu já não conseguia ler os nomes das ruas nem ver os números das portas. Confiei ao Pat os meus temores. Pat, como sempre, reconfortou-me dizendo que isso ia passar com o tempo!

Dois dias depois voltei a carregar o esqueleto até à Ameline para, depois de todos os outros terem passado, ser chamado a sentar-me diante do maldito canudo! Enquanto Ameline olhava para dentro meu olho e tomava apontamentos sobre o meu "dossier", anotando o que muito mais lhe convinha, repentinamente uma outra médica, como uma aparição, pediu licença à Ameline para deitar uma vista de olhos ao meu olho. Amelina cedeu-lhe o seu lugar, e essa senhora começou judiciosamente a espiolhar o meu olho. Depois de ter tudo muito bem vistoriado, voltou-se para a Ameline e disse-lhe autoritariamente:

- Ameline! O problema com o olho esquerdo do senhor Carmo " é que ele esteve demasiado tempo exposto ao Laser!

A senhora, da mesma maneira como apareceu desapareceu! Ameline retoma as suas rédeas e depois de pretender que estava a fazer o seu trabalho, disse-me que iríamos tentar mais um retoque, mas que não acreditava muito, pois que os resultados do prévio retoque eram irreparáveis! Depois enviou-me ao quarto ao lado para me dar outra data para essa nova tentativa! Nesse escritório, enquanto aguardava a decisão da senhora que procurava datas disponíveis sobre sobre o ecrã do seu computador, como ela tinha passado no gabinete da Ameline enquanto a outra médica inspeccionava o meu olho, perguntei-lhe quem era essa senhora que tinha vindo verificar o trabalho da Ameline sobre o meu olho esquerdo. Ela, sem tirar os olhos do ecrã, disse indiferentemente:

- Foi a responsável do Serviço, a Dra. Leroux Les Jardins!

Na data que essa senhora me deu para esse segundo retoque, voltei às mãos da Ameline, no primeiro andar.

Depois de alguns segundos de Laser, ela secamente me informou que não podia fazer mais nada. Que o problema era irreparável! Meses depois procurei a morada dessa outra doutora, para uma consulta privada em sua casa. Essa senhora, depois do obrigatório canudo, fez-me uma receita para fazer óculos para ver ao longe e outros para ver de perto. Quando, discretamente, lhe disse que a Amelina me tinha deixado sob o Laser demasiado tempo, que tinha sido de propósito, para se vingar. E contei-lhe tudo acerca das nossas disputas! Dra. Leroux Les Jardins soergueu os olhos dos seus papéis e disse-me que eu não devia estar bom da cabeça! Que essas coisas não se faziam! Não se faziam mas foram feitas! E agora aqui estou eu a escrever à pressa as minhas memórias, antes que os meus olhos se fechem para todo o sempre! Algumas vezes me passou pela cabeça fazer justiça com as minhas próprias mãos mas, ao pensar que ela iria direitinho ao céu e eu à prisão, mandei tudo, como se diz em Português da rua, "pó caralho"!

Essas Longas Esperas no Tempo




Chegada essa data, novamente o Pat teve de ausentar-se das suas "obrigações profissionais" para me acompanhar ao hospital para esse famoso retoque! Enquanto aguardava a minha vez, quero com isto dizer, até que a Ameline muito bem entendesse vir à sua porta e apregoar o meu nome, reparei num belo jovem que, com o seu computador portátil sobre os joelhos, me parecia muito ocupado com os seus estudos. Ele era, claro, um rapaz de pequena estatura, cabeça coberta de loiros caracóis, olhos muito azuis e penetrantes, um sorriso de acordar a Bela Adormecida, que me deu ganas de o apertar contra o o peito, esmagá-lo entre os meus braços, até que da sua boca brotassem palavras escaldantes de amor e desejo! Fechar-lhe aqueles olhos azuis com um imenso e longo beijo sobre aquela boca vermelha e carnuda! Um delírio! Eu que me tinha divorciado dessas coisas, que, como Greta Garbo, me tinha retirado sob os meus óculos escuros e o meu sorriso enigmático!

Como sou muito comunicativo, rapidamente o abordei. Perguntei-lhe se esses computadores portáteis funcionavam à base pilhas. Ele olhou-me uns segundos nos olhos e murmurou :

- Que voz! Você devia trabalhar numa rádio! Essa voz é um desperdício apenas nos meus tímpanos!

Bem, engoli em seco, fiquei um tanto perturbado, pois que o meu corpo também acabara de ressuscitar do seu túmulo, sacudindo-se das suas cinzas!

Uma conversa muito íntima se estabeleceu entre ambos. Vim a saber que, a despeito dos seus ares de adolescente, era casado e tinha dois filhos. Que era médico, especializado em ginecologia! Ao saber da sua especialidade, cinicamente lhe sussurrei que ele era um oportunista! Tratar da saúde das mulheres... Ele sorriu e martelou :

- De mulheres e não só!

A desviar o meu embaraço e medo de cair de novo em antigas e pérfidas tentações, disse-lhe que Ameline era uma bela mulher, e muito "prestável"... Ele concordou! Que tinha feito os seus estudos com ela, na mesma Universidade, que tinha vindo apenas fazer-lhe uma pergunta acerca dos seus olhos, e que, mesmo sem ter consulta marcada, ela lhe tinha proposto fazer-lhe uma fracção de miopia nesse mesmo dia! Uma jóia de rapariga!

Nesse mesmo instante Ameline pôs o nariz fora da sua porta e chamou-o! Ele fechou o seu computador, ergueu-se, e ao afastar-se na direcção de Ameline, atirou-me uma olhadela de esguelha e, quando suavemente se afastava, as suas roliças nádegas, como num perverso sorriso, ondularam lascivamente ante os meus olhos embevecidos, mas temerosos de novamente tombarem nas minhas luxúrias incontroláveis de outras eras!

mardi 16 février 2010

Podres Abusos de Poder


















Uma manhã, como habitualmente todos os anos, fui ao melhor hospital do mundo de oftalmologia para fazer a minha anual inspecção dos lhos com o Dr. Larricart, esse maravilhoso homem que, já lá iam 30 anos, tomava conta dos meus olhos. Ele era um homem que eu admirava pela sua competência e amizade pois que, como lhe dissera um dia, depois de trinta anos de cumplicidade, nós tínhamos envelhecido juntos! Eu sabia o seu nome de cor porque só tinha um oftalmologista, mas ele também sabia o meu, e eu era apenas um das muitas centenas dos seus pacientes. Ele era um homem que ao passar mim na rua me cumprimentava dizendo-me "bom dia senhor Carmo"!

Ele operou-me do olho esquerdo duma catarata, mas como esse meu olho não era normal - tinha a retina muito próxima da córnea - ele receou fazer um implante de lentilha artificial, e deu-me óculos para fazer a correcção. Anos mais tarde operou-me doutra catarata, desta vez do olho direito. Desta vez implantou-me uma lentilha, e os resultados foram surpreendentes! Como, entretanto, os progressos tecnológicos da oftalmologia tinham avançado espectacularmente, ele pediu-me para ir consultar um outro oftalmologista desse mesmo hospital, o Dr. Werthel, com uma carta a pedir-lhe para ele examinar o meu olho esquerdo para ver se seria possível ele submeter-me algo de novo de que ele era o especialista. Dr. Werthel, depois de me ter observado longamente, disse-me que essa intervenção também, pela proximidade da retina à córnea, seria bastante arriscada! Aconselhou-me ir ver a Dra. Ameline - também desse mesmo hospital - para ver se seria possível fazer uma refracção de miopia desse mesmo olho. Ao sair das suas mãos fui imediatamente ao guichet onde se encomendavam as consultas e pedi uma data para essa senhora, a Dra. Ameline!

Na data obtida para a primeira consulta com a Ameline, ansiosamente, pus os pés a caminho para estar a tempo e horas para conhecer essa senhora que me ia fazer essa refracção de miopia. Corri até ao segundo andar, para onde me tinham indicado ser o seu consultório. Como tinha a minha convocação com a hora marcada, sentei-me e aguardei a minha vez. Estavam lá meia dúzia de pessoas que tinham chegado antes de mim. Às tantas, uma bonita mulher veio à porta chamar o seu próximo paciente, chamando-o pelo seu nome. Fiquei encantado! Ela além de ser talvez a pessoa que me ia ajudar a recuperar a vista do meu olho esquerdo, ainda por cima era uma mulher muito atraente!

Quando chegou a minha vez, foi alvoroçadamente que me pus naquelas suas bonitas pequenas mãos milagrosas. Sentei-me frente àquele canudo pelo qual temos de espreitar. Ameline, depois de ter consultado o meu "dossier", sentou-se do outro lado, espreitando pelo outro lado do canudo, e começou a relatar-me o problema desse meu olho. Que era muito míope, mas que iria ser possível corrigir o problema! Que viesse no dia seguinte, dia 2 de Fevereiro, o meu aniversário, dia de festejar ou lamentar os meus 70 anos! Mas que viesse acompanhado, porque depois da intervenção eu ficaria com problemas de visão! Fui para casa a correr para fazer as minhas obrigações caseiras e, antes de mais nada, telefonei ao Pat, para ver se ele poderia estar livre no outro dia de manhã para me acompanhar ao hospital, para essa para mim tão importante intervenção!

Na manhã seguinte, depois dum rápido pequeno-almoço com o Pat, lá pegámos no carro e fomos até essa Rue Charenton, ali à Bastilha, para essa tão importante intervenção! Depois da chamada ao seu consultório, logo após um segundo estudo do meu olho, ela pede-me para estar de volta às 14H30, no primeiro andar, para ser então submetido a essa intervenção à base de Laser! Pat ficou furioso, pois que só tinha tirado a manhã! Fomos a um Café ali na Bastilha tomar uma bebida e telefonar para o O.E.C.D., a prevenir que ele não podia voltar da parte da tarde! Depois demos uma passeata, vimos as montras, e à hora requerida lá estávamos ambos nesse primeiro andar, onde se encontrava todos esses apetrechos para essa intervenção ao Laser! Enquanto esperávamos, como sou muito comunicativo, encetei uma conversa com uma senhora que lá estava com a sua filha, uma miúda dos seus 16 anos, que estava previsto de passar antes de mim! Depois dessa intervenção foi a minha vez!

Nesse pequeno bloco operatório, primeiro tive de me sentar em frente desse canudo para a Ameline, penso, tirar as medidas, ou fosse lá o que fosse! Depois deitaram-me na marquesa, cobriram-me a cara com umas gases, e logo Ameline começou o seu milagroso trabalho com o seu Laser. A operação durou uns 10 minutos. Depois pediram-me para me ir repousar sobre uma outra marquesa no quarto contíguo, a descansar uns 20 minutos, para depois ser observado para ver os resultados da refracção. Enquanto aguardava, surpreendidíssimo e felicíssimo, apercebi-me que eu podia ver lindamente! Num cartaz mesmo em frente, ali especado na parede, eu podia ler as letras miudinhas. Eu nunca tinha visto assim tão bem em tida a minha vida!

Ameline, esses 20 minutos passados, depois de ter terminado outra intervenção noutro paciente, veio ver-me sobre a minha marquesa. Pediu-me que me levantasse e que me sentasse ali em frente do tal canudo. Imediatamente ela relatou-me como se tinham passado as coisas. Que tudo tinha decorrido muito bem, que ia ver tudo um tanto turvo durante uns dias. Que voltasse dentro de dois dias para ver o andamento das coisas!

Pat, antes de voltar para o OECD, foi-me pôr a casa e, enquanto ele conduzia, eu via Paris tão nítida pela primeira vez! Eu estava contentíssimo. Eu podia até ler os nomes das ruas, os números das portas, e as placas do carro em frente do nosso! Fechei os olhos durante uns segundos, e sem que o Pat se apercebesse, agradeci a Deus aquele fabuloso milagre! Chegado a casa deitei-me para descansar um pouco, e nessa noite, para celebrar, fomos jantar a um restaurante italiano, ali mesmo à esquina da nossa rua!

Depois, durante todo esse mês, tive de voltar ao hospital para que Ameline seguisse as reacções do meu olho. Cada vez era sempre o mesmo problema. Eu chegava com a minha convocação para as 10H15 e era sempre o último a ser chamado! Mesmo aqueles que tinham convocações para o meio-dia passavam antes de mim! Nessa última consulta disse abertamente à Ameline que ela deveria respeitar os horários e não os seus preferidos serem contemplados com sua generosidade! Ela ficou fula e disse-me que "chez-elle" ela fazia o que muito bem lhe apetecia! Respondi-lhe que, "chez-elle", na sua casa, achava muito bem, mas que ali, no hospital, não era a sua casa, mas sim o seu local de trabalho! Que ela devia respeitar as suas obrigações profissionais! Isto dito e feito, ela pediu-me para me sentar diante do seu "canudo" e, dois minutos depois, declarou que o meu olho precisava dum retoque. Agarrou numa folha e deu-me outra data para esse referido retoque. Tomando em consideração que Ameline tinha assinado o "Sermão de Hipócrates", fiz-lhe confiança e aceitei a proposta!

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dimanche 7 février 2010

Das Clínicas a um Grande Hospital



Apanhei o Metro para ir até ao hospital ver esse professor que me tinha sido recomendado. O problema subsistia e quase todos os quartos de hora tinha de urinar. Quando ia algures de carro, não era problema. Parava numa ravina e dava largas aos meus desalentos! Mas numa carruagem de Metro não me dava ao desplante de sacar uma garrafa vazia do meu bolso, para aliviar a bexiga! Nem mesmo nas horas de ponta!

Chegado a esse hospital que visitava pela primeira vez, senti-me mais à vontade! Para começar havia urinóis por toda a parte! Depois de me ter apresentado à enfermeira-chefe com a minha carta, ela pediu-me os meus documentos e preencheu uma daquelas folhas que entram no mais recôndito da nossa intimidade. Para começar, a idade! Quando, a medo, lhe disse a minha idade ela, muito surpreendida, levantou os olhos do papel, olhou-me uns momentos e muito elogiosamente afirmou:

- Está muito bem conservado para a sua idade!

Mas o que ela não sabia era que a minha bexiga começava a mostrar a sua!

***

Depois duma meia hora na sala de espera, tendo visitado duas vezes aquela pia que me sorria sempre que por lá passava, finalmente fui chamado ao gabinete do Professor. Esse professor era um homem ainda bastante jovem e bem encarado para a sua posição. A minha posição é que começou a ficar um tanto desconfortável quando ele, depois de ter lido a carta, me pediu para me despir da cintura para baixo e deitar-me naquela mais uma marquesa. Fui novamente assaltado daquele terror que me faz tremer da cabeça aos pés quando o vi começar a preparar aquele tubinho que me parecia muito ansioso de me penetrar. Mas pela uretra! Certamente mais outra sessão de sadomasoquismo! A sua assistente amparava o meu indefeso órgão enquanto o Professor apontava para atirar. Fechei os olhos e prometi a mim mesmo que essa seria a última vez! Eu não alinho muito nessas experiências de depravados sexuais. Porém ele, lentamente, começou a fazer a sua viagem através da minha uretra, na direcção da minha próstata. Ele era realmente muito carinhoso e falava-me ternamente das suas pesquisas dentro de mim. Isso acalenta bastante as vítimas de certas intervenções cirúrgicas sem anestesia! Os resultados eram sempre negativos, nada de assinalar. Às tantas ele disse-me que ia fazer um bocadinho doer, mas que seria rápido! E muito rapidamente me apercebi que aquilo não era nenhuma prenda de Natal! Às tantas ele disse-me que estava tudo muito bem mas que a próstata é que estava numa lástima, que ia ser preciso operar-me o mais rapidamente possível! Depois desenfiou o tubo, descalçou as suas luvas de borracha, desmascarou-se, e foi sentar-se à sua secretária na pequena dependência contígua, e convidou-me a segui-lo!

Sentado na sua frente, enquanto ele folheava a sua agenda em busca duma data a propor-me para essa dita urgente intervenção, eu fazia as minhas preces para que toda aquela história acabasse airosamente. Ele estacou uns momentos sobre uma das páginas da sua agenda e, fixando-me interrogativamente, sugeriu-me uma determinada data, que aceitei sem pestanejar. Eu, além das correrias para a pia para fazer a vontade à minha bexiga, estava totalmente disponível pelos anos que me restassem. Ele preencheu uma folha e estendeu-me a cópia que estava por baixo. Nessa cópia tinha a data, mais uma série de análises que teriam de ser feitas antes de ser internado. Depois informou-me dos efeitos secundários dessa raspagem à próstata. Que depois da operação eu ficaria a ter o problema de ejaculação retrógrada, e que, eventualmente, com os anos, a impotência! No meu constante desejo de gozar com as minhas próprias misérias, disse-lhe que isso seria terrível, pois que o meu ganha-pão era actuar em filmes pornográficos, e que isso ia desgraçar a minha carreira! Ele, divertido, olhou-me sorridentemente e disse-me que ou eu teria de mudar de profissão ou mudar de próstata!

Depois, muito seriamente, perguntou-me onde tinha eu feito todas aquelas raspagens à bexiga, que a bexiga estava na ponta da unha! Respondi-lhe que tinham sido feitas em três diferentes clínicas Uma em Ivry sur Seine, outra em Clamart, e a outra algures, nos arredores de Paris. Ele olhou-me embaraçadamente e disse-me algo que tanto me chocou que enquanto eu for vivo jamais me passará da memória!

- Senhor Carmo! Na região de Paris há centenas e centenas de clínicas! Cada clínica tem 30/40 camas! E essas camas têm de ser preenchidas, senão é a bancarrota e essas clínicas têm de fechar a porta! Deixe-se de clínicas! Procure sempre um hospital do Estado, coberto pela Segurança Social! Que nos hospitais eu não tinha que pagar o quarto nem despesas suplementares além da televisão!
Eu não ousei dizer-lhe o que me ia na alma ! Sobretudo na cabeça! Senti uma revolta imensa! Por momentos senti vergonha, nojo, de ser humano! Penso que ele se apercebeu do que se passava na minha mente, pois que, a fechar, disse-me que havia demasiados médicos e cirurgiões em Paris, que nenhum deles queria trabalhar na província, pois que em Paris é que se fazia muito dinheiro! Que a maioria desses médicos e cirurgiões não tinham optado por essas profissões por vocação, mas sim que tinham sido forçados pelos seus pais, que queriam oferecer um bom futuro aos seus rebentos, pois que nessas ocupações se ganha muito dinheiro! Senti vontade de vomitar e pensei em alguém que tinha dito algures muitas verdades acerca dessa casta de castiços que só pensam em castiçais!

samedi 6 février 2010

As Mil e Uma Clínicas Oportunistas



Foi neste apartamento que começaram para mim grandes problemas de saúde! A hemorragia tinha parado, mas continuava a ter que urinar quase todos os quartos de hora! Fui ver o meu médico - que por acaso era mesmo em frente da minha casa - e ele enviou-me com uma carta sua a uma clínica em Clamar, a dois passos de minha casa. Nessa clínica fui imediatamente internado e logo na manhã seguinte, depois de uma anestesia geral, fizeram-me o que eles chamaram, uma raspagem da bexiga! Depois da intervenção o cirurgião veio ao meu quarto pôr-me ao corrente do que se tinha passado. Que tinha feito não sei o quê, e que eu teria de ficar cinco dias com aquele tubo enfiado na uretra. Passados esses cinco dias voltei para casa, mas a necessidade de constantemente urinar, mantinha-se!

O tempo foi passando, e o problema continuava. Novamente o meu médico me enviou a outra clínica, desta vez em Paris. Fui ver o cirurgião no seu consultório privado, pagando 150€, que, depois de muitas perguntas me disse que a única solução era ser operado, mas que para isso teria de lhe pagar 400€ de "dépassement d'honoraires"! Na data combinada fui novamente internado nessa clínica parisiense. Uma vez mais cinco dias com um tubo pela uretra adentro e acima, mais cincos dias da hemorragia pós-operatória, e novamente, em casa, a necessidade de urinar persistia! Voltei a ver o meu médico e ele já não sabia nem o que dizer nem o que fazer!

Dias depois, no pequeno Café-Tabac onde eu ia todos os dias tomar um café e comprar tabaco, uma senhora veio sentar-se à minha mesa. Como era muito natural, começámos a conversar. Falou-se de tudo e mais alguma coisa e, às tantas, falei do meu problema de bexiga. Essa senhora perguntou o nome do meu médico. Quando lho disse ela eu um salto e disse-me que ele tinha sido o seu médico durante algum tempo mas, como ele não lhe parecia muito competente, tinha mudado de médico, e que este era muito competente! Deu-me a sua morada e imediatamente marquei consulta com ele!

Carregando comigo todos os "dossiers" possíveis e imaginários, lá foi à única consulta que tive com o médico dessa senhora. Não fui lá muitas vezes porque era mais longe e sou um grande preguiçoso para me deslocar a pé. Depois de uma meia hora na sala de espera, saiu uma senhora e quase logo a seguir ele veio convidar-me a entrar no seu gabinete. A sua sala de espera e o seu gabinete desiludiram-me um pouco. Havia teias de aranha perto do teto e um óbvio desleixo. Sentado na sua frente, aguardei uma longa meia hora que o doutor percorresse cuidadosamente todos os meus dossiers. De vez em quando fazia-me uma pergunta relacionada com algumas das suas dúvidas e, finalmente, depois de ter reposto todos esses calhamaços perto da minha cadeira, ele tirou os óculos e fez-me uma pequena carta para um professor qualquer num grande hospital de Paris. Antes de sair e depois de lhe ter pago a consulta, a mesma soma que pagava ao meu médico, ele acompanhou-me até à saída pedindo-me que o mantivesse informado acerca da continuação dos meus problemas.

De regresso a casa, a pé, fui raciocinando: Então como é que se faz que o meu médico recebe os seus pacientes sem consulta marcada e, depois, uns atrás dos outros, os seus pacientes entravam no seu gabinete, e quinze minutos mais tarde davam lugar ao próximo. Ao passo que com o outro médico, com consulta marcada, ele reteve-me quase uma hora e levou-me o mesmo preço? Foi alguns dias mais tarde que, nesse pequeno Café, voltei a encontrar essa senhora que me tinha dado a morada do seu médico. Discutimos o assunto e o que ela me contou até me arrepiou! O que ela apresentou como explicação foi realmente de fazer perder a fé na medicina e seus praticantes! Ela, olhando-me fixamente, preveniu-me: Evite os médicos que recebem os seus pacientes sem consulta marcada. Eles enchem a sala de espera com ingénuos que ainda não compreenderam as manobras, e eles despacham-se com cada qual para apenas lhes apanhar o preço da consulta. Que se estão marimbando para a nossa saúde, estão ali para apenas em quinze minutos ganharem 22€!

Residence du Parque



Antes de voltarmos para casa passámos novamente pela "Résidence du Parque", indagámos onde se encontraria a"concierge" e esbarrámos com um tipo simpatiquíssimo que foi buscar uma chave para nos mostrar o único apartamento que tinham disponível. Era realmente um apartamento espaçosíssimo! Como a casa não albergava qualquer peça de mobiliário, a sala era a vastidão dum chão assoalhado com uma grande janela da largura da superfície daquela vasta dependência, a qual dava sobre um vasto terraço que se debruçava sobre o grande jardim central. O hall de entrada também era espaçoso, assim como a cozinha, que também tinha uma grande janela que dava para esse mesmo terraço. Tinha três quartos gigantescos com janelas para as traseiras, das quais se avistava Paris lá ao longe. Boa casa de banho e novamente essas duas pequenas dependências como guarda-roupas. Ideal para ambos, pois que assim cada qual podia ter a sua independência! Imediatamente descemos até ao escritório do "concierge", assinámos um contrato, e pagámos três meses adiantados. A renda era apenas 900€, "tout compris"! Ficámos encantados e mentalmente uma vez mais enviei a prévia proprietária ao diabo, pois que tínhamos acabado de fazer um bom negócio!

A mudança foi rapidamente feita! Primeiro trouxemos o Caramelo, que fechámos num dos quartos, para o não assustar muito com toda aquela balbúrdia. Rapidamente arrumámos os móveis, mandámos fazer cortinas, decorámos a casa toda, e ficámos ali com reis, muito bem instalados, e com muito espaço para ambos. O primeiro problema foi que, para ir às compras, eu tinha de subir uma muito íngreme ladeira até à via principal onde se encontrava o supermercado. O esforço era realmente bastante violento. Um dia, de regresso a casa, fui à casa de banho urinar e, horror, urinei sangue! Agarrei nas pernas e fui a correr a uma farmácia pedir a morada dum médico. A senhora deu-me uma morada mesmo por cima do seu estabelecimento! Subi e aguardei a minha vez. A sala de espera estava a rebentar de pessoas a tossir, pois que foi durante uma grande epidemia de gripe !

Chegada a minha vez, entro no consultório, e a primeira coisa que o médico me pede sãos as minhas coordenadas. Dei-lhe o meu nome e morada e, ao escrever a minha morada, por cima dos óculos, ele disse-me que me mudasse imediatamente, que a Residência do Parque era uma "fábrica de bronquites crónicas", pelo facto do aquecimento central ser por baixo do soalho, e que isso mantinha a poeira suspensa no ar, e que isso era terrível para os brônquios, pulmões, e sinusites. Ora eu tinha deixado a Alfa por causa da poeirada e de novo ali estava eu prisioneiro desse mesmo inconveniente. Ele deu-me um tratamento para parar a hemorragia mas, mesmo assim, andei quase uma semana a urinar sangue.

Imediatamente começámos a procurar outro apartamento ali próximo, pois que Meudon era realmente um lugar muito aprazível. Durante seis meses procurámos mas eram sempre apartamentos mobilados. Cada vez que passava ao pé do apartamento na Rue des Pierres, a tabuleta anunciando "a alugar", estava lá sempre patente! Era evidente que ninguém queria aquele apartamento no deplorável estado em que o tinha visto. Finalmente, desesperados até aos colarinhos, voltámos a contactar aquela divina senhora que queria que fossemos nós a fazer as obras ao nosso gosto, mas cores clarinhas! Acabámos por alugar esse apartamento a 1.600€ e, ao pegar nas chaves, disse a essa senhora que só pensava nas entradas de dinheiro e não nas saídas, que ela tinha perdido muito mais dinheiro não tendo alugado esse apartamento durante seis meses, do que lhe teriam custado as obras! Moralidade da história, estou agora aqui a escrever as minhas memórias nesse mesmo apartamento, e já lá vão nove anos que aqui moramos!

lundi 1 février 2010

Rue des Pierres - Casa Aluga-se


Depois fomos visitar a vila, tendo como guias os nossos amigos de poucas horas. Esse passeio foi outra deslumbrante descoberta. Meudon era realmente um tesouro escondido entre as frondosas árvores! O parque, lá em cima era uma extensa arrelvada superfície com uma grande álea de arvores e um miradouro donde se avistava toda a cidade e, mais além, a Cidade Luz com a sua Torre Eiffel e Montmartre com o seu espectacular Sacré Coeur. Claro, também o impressionante Observatório de Meudon todo ao longo do outro lado do parque!

Ao descermos, apanhámos a Rue des Pierres para visitar o centro da cidade. Ao fim dessa rua, à direita, a fazer esquina com a Rue Republique - a via principal - um simpático edifício onde, no terceiro andar, numa das varandas, uma tableta que dizia: "Aluga-se", por cima dum gordo número de telefone. Como era o fim-de-semana, decidimos tomar nota desse número e telefonarmos no dia seguinte!

No dia seguinte telefonámos e foi-nos dada uma data para visitar. Chegada essa data, a essa hora marcada, a proprietária aguardava-nos à entrada para subirmos a esse terceiro andar e apreciar esse espaço que estaria disponível a partir do fim desse mês. A porta foi-nos aberta pelos então actuais inquilinos, que muito simpaticamente nos mostraram a casa toda. O apartamento era realmente muito acolhedor. Tinha três quartos, um longo corredor com casa de banho e toilette, uma grande sala com uma longa varanda que dava para as traseiras, sobre o arvoredo, uma cozinha com uma grande janela, e um hall de entrada bastante espaçoso. Tinha, sobretudo, no corredor, duas pequenas dependências sem janelas, que eram enormes espaços com varões cheios de cabides para pendurar as roupas. Gostámos do apartamento, mas como a alcatifa estava num miserável estado, assim como a pintura das janelas e paredes, perguntámos à senhora quanto tempo lhe levaria para restaurar o apartamento antes do ocuparmos. Ela respondeu, enfaticamente, que não era ela que faria as obras, que seríamos nós, ao nosso gosto. "Mas, por favor, cores muito clarinhas!" Ora ela pedia-nos 1.600€ "tout compris"! Mandei a senhora à fava desejando-lhe boa sorte com os seus próximos inquilinos, que não seríamos nós!
Depois fomos visitar a vila, tendo como guias os nossos amigos de poucas horas. Esse passeio foi outra deslumbrante descoberta. Meudon era realmente um tesouro escondido entre as frondosas árvores! O parque, lá em cima era uma extensa arrelvada superfície com uma grande álea de arvores e um miradouro donde se avistava toda a cidade e, mais além, a Cidade Luz com a sua Torre Eiffel e Montmartre e o seu milagroso Sacré Coeur. Claro, o impressionante Observatório de Meudon todo ao longo do outro lado do parque!

Ao descermos, apanhámos a Rue des Pierres para visitar o centro da cidade. Ao fim dessa rua, à direita, a fazer esquina com a Rue Republique, a via principal, um simpático edifício onde, no terceiro andar, numa das varandas, uma tableta que dizia: "Aluga-se", por cima dum gordo número de telefone. Como era o fim-de-semana, decidimos tomar nota desse número e telefonar no dia seguinte!

No dia seguinte telefonámos e foi-nos dada uma data para visitar. Chegada essa data, a essa hora marcada, a proprietária aguardava-nos à entrada para subirmos a esse terceiro andar e apreciar esse espaço que estaria disponível a partir do fim desse mês. A porta foi-nos aberta pelos então actuais inquilinos, que muito simpaticamente nos mostraram a casa toda. O apartamento era realmente muito acolhedor. Tinha três quartos, um longo corredor com casa de banho e toilette, uma grande sala que dava para as traseiras, sobre o arvoredo, uma cozinha com uma grande janela, e um hall de entrada bastante espaçoso. Tinha, sobretudo, no corredor, duas pequenas dependências sem janelas, que eram enormes espaços com varões cheios de cabides para pendurar as roupas. Gostámos do apartamento, as como a alcatifa estava num miserável estado, assim como a pintura das janelas e paredes, perguntámos à senhora quanto tempo lhe levaria para restaurar o apartamento antes do ocuparmos. Ela respondeu, enfaticamente, que não era ela que faria as obras, que seríamos nós, ao nosso gosto. Mas, por favor, cores muito clarinhas! Ora ela pedia-nos 1.600€ "tout compris"! Mandei a senhora à fava desejando-lhe boa sorte com os seus próximos inquilinos, que não seríamos nós!

O Belo Parque e o Observatório





O almoço decorreu bem. Tiveram o cuidado de preparar um almoço com um toquezinho português. Eles eram um casal acabados de regressar da sua viagem de núpcias, e o apartamento era um penugento ninho com um pequeno terraço que dava para a rua e, lá ao longe, toda aquela extensa e verdejante floresta! Falou-se da venda do nosso apartamento em Villejuif e que tínhamos de alugar um outro apartamento algures. Eles apontaram-nos lá em baixo, mesmo em frente, um aglomerado de blocos onde havia um enorme cartaz que dizia: "Apartamentos-alugam-se"! Achámos graça à coincidência e resolvemos ir deitar uma vista de olhos, mas como era domingo, os responsáveis não se encontravam e decidimos tentar no dia seguinte, telefonando para aquele número afixado no cartaz.

A Mudança Para Meudon a Florida





Em casa, durante esses dois dias, tivemos boas novidades. O nosso apartamento tinha sido vendido e teríamos que o liberar o mais rapidamente possível. Como tínhamos tido um convite para almoçar em casa duma colega do Pat, em Meudon, aproveitámos a deixa. Apanhámos a automotora para lá chegar, pois que de carro não sabíamos o caminho. Partimos de manhã cedo para estar a horas decentes de também visitar a vila.

Lá chegados, foi uma divinal surpresa! Meudon era um sítio de sonho! Mal subimos a escada para sair da estação deparousse-nos um Café-Tabac com uma pequena esplanada coberta que imediatamente me inspirou uma ternura muito especial! Mal sabia eu então que esse Café iria ser o meu Café preferido! Subimos a ladeira para chegarmos ao centro da cidade, onde morava a dita colega do Pat.

Durante essa penosa subida começámos a descobrir uma vila fascinante englobada na famosa Floresta de Meudon. A arquitectura local era dum estilo que me lembrava a bela velha Inglaterra nos descamapados. Eram pavilhões antigos abraçados por verdejantes jardins apinhados de flores. As casas eram de tijolo com largas bancadas de madeira pinho. Um deslumbramento!

samedi 30 janvier 2010

Abusos de Poder, Igual a Martírios




Para voltar de novo aos meus velhos tormentos, apareceram-me os meus primeiros problemas de saúde. Sem saber por que razão, comecei a ter inopinadas urgências de urinar. Eram todos os quartos de hora! dia e noite! Fui ver o meu médico. Ele, com uma carta por si manuscrita, enviou-me a uma clínica em Thiais para fazer um exame do qual eu nunca tinha ouvido falar, a que eu viria a chamar "bitoscopia", pelo facto de se tratar duma sonda que me enfiavam uretra acima - isto sem qualquer anestesia local - para investigarem não sabia muito bem o quê! Esse exame era extremamente doloroso pelo facto de haver uma pequena câmara na ponta dessa sonda, para que o cirurgião analisasse certos órgãos internos ali para as paragens do meu corpo que até essa data só me tinham dado prazeres incalculáveis!

Esse primeiro sacrifício pagão foi nessa clínica em Thiais. Quando dois jovens assistentes com cara de enterro me vieram chamar à sala de espera, fiquei contentíssimo da vida, pensando que esse cirurgião iria resolver-me esse tão desagradável problema sem grandes afazeres. Porém, enquanto aguardávamos a chegada do cirurgião, esses dois perturbados e perturbantes jovens pediram-me para me despir da cintura para baixo e me estirar naquela marquesa. Até ali tudo muito bem. O cagaço assaltou-me quando eles, enquanto um esterilizava um estranho utensílio, o outro pegou no meu sexo e começou também, com uma seringa, a injectar algo de oleoso dentro da minha uretra. Depois do embaraço foi o terror que de mim se apoderou! Momentos depois entra o cirurgião. Disse-me boa tarde e explicou o que me ia fazer. Que ia dar uma vista de olhos à minha bexiga. Que magoaria um pouco mas que não tínhamos outra alternativa! Depois foi avançando e comentando a viagem da minúscula câmara dentro de mim, desbravando os meus órgãos internos, dizendo que estava tudo na ponta da unha e que não precisava de qualquer intervenção cirúrgica. Depois retirou a sonda, descalçou as luvas, e disse-me que fosse para casa e que esquecesse o assunto!

Aliviado, depois dessa inesperada pavorosa experiência, regressei a casa e preparei-me uma vez mais para fazer face ao meu pobre futuro sem grandes expectativas! Uma outra rotina se instalou no meu dia-a-dia. Tudo poderia ter entrado nas normas se não fosse o problema das constantes corridas para a retrete para urinar. Voltei a visitar o meu médico, o qual se mostrou muito surpreendido, pois que tinha recebido uma carta de Thiais dizendo que estava tudo em regra com a minha bexiga. Depois de ter insistido que não era o caso, pois que o problema persistia, novamente ele me faz uma outra carta para outro urólogo numa outra clínica, para um duplo exame e um segundo diagnóstico.

Desta vez fui desaguar numa bela clínica em Ivry sur Seine, nas mãos dum cirurgião encantador que me propôs outra « bitoscopia » ! Depois de me ter queixado do horror que esse exame sem qualquer anestesia representava, ele prometeu-me fazer uma anestesia geral , mas que tinha de ser hospitalizado nessa clínica, para no caso de ele encontrar algo que fosse necessário rectificar, ele o pudesse fazer imediatamente!

Na data combinada, com o meu pequeno saco dos meus necessários haveres, lá me apresentei nessa clínica em Ivry. Claro que, muito bem recebido, acompanharam-me ao terceiro andar e apresentaram-me o meu confortável quarto com janela para a rua. Na manhã seguinte vieram-me buscar de padiola para me levarem para o bloco operatório. Na antecâmara deram-me uma injecção e imediatamente tombei na minha coma artificial Nem cheguei a ver o cirurgião que me iria operar. Horas mais tarde acordei no quarto de reanimação. Um enfermeiro veio buscar-me para me transportar até ao meu bonito quarto. Pelo caminho apercebi-me que eu tinha um tubo que me saía pela uretra, que aterrava num grande bocal de vidro. Fiquei aterrado. O bocal estava cheio de sangue. O enfermeiro ajudou-me a transferir-me para a minha cama, substituiu o ensanguentado bocal por um outro bocal mais apresentável e, afastando-se, disse-me que dentro de alguns momentos me seria servida uma refeição ligeira. Depois dessa refeição a enfermeira inspeccionou a minha sonda e, antes de sair, sugeriu-me que eu devia agora descansar um pouco.

Cinco dias estive nessa cama com uma muito regular mudança de bocais, refeições ligeiras, tomadas de temperatura, e um doce sorriso antes de sair, pedindo-me que tentasse dormir. As dores na uretra e aquela intrusão da sonda dentro daquilo de eu tanto me orgulhava, que me prestara grandes serviços no passado, mas que, desde que a Sida fez a sua aparição, apenas me servia para urinar e ocasionais sessões de desenrasca-te! A minha imensa frustração era perceber que aquela coisa que me tinha sido conferida para urinar e procriar, estava agora limitada a apenas quase um pequeno estorvo. Isso desmoralizava-me ao extremo das das minhas capacidades de agressões externas!

Ao fim desses cinco dias, uma manhã, um enfermeiro veio extrair a sonda da minha uretra e, pela primeira vez na vida, um muito atraente jovem se ocupava da minha intimidade, sem que ela, como no passado, engordasse com apenas um sorriso acompanhado duma piscadela de olho! Depois aconselhou-me um duche, e que me preparasse para regressar a casa e voltar dentro de dois dias para a necessária inspecção pós operatória. O cirurgião? Nem vistas! Devia já estar a jantar com a família e amigos, nalgum daqueles restaurantes muito chiques dos Campos Elísios!

O Doce Caramelo da Minha Alma






Pouco conformado com a minha sorte, lá ia reagindo o melhor que podia para não me deitar pela janela abaixo. O suicídio tornara-se-me numa intransigente obsessão! Saía bastante para fugir a tentações e fingir que ainda vivia. Ia ao Café ver gente, fazer as minhas compras, organizar o jantar, mas sentia-me sempre assustadoramente só desde o dia em que a Cookie fora abatida. Trabalho já nem me dava ao trabalho de procurar. Na minha idade já todas as portas se tinham fechado para mim! Restava-me o ficar em casa distraindo-me com o nosso pequeno computador. Escrever, para mim era uma frágil bóia onde me agarrava para ainda não soçobrar! O que me valia era que éramos frequentemente convidados a jantar em casa de colegas do Pat. Nesses dias não tinha que me preocupar com cozinhados e ainda por cima saía de casa, passar umas horas noutros ambientes menos tensos do que o meu caseiro dia a dia!

Um desses convites chegou-nos um dia de Boulogne, duma amiga do Pat que vivia só e tinha muitos gatos. Ela morava no último andar dum edifício que fazia esquina com a Rotunda Marcel Sembat. Normalmente íamos a um restaurante italiano ali muito perto, mas nessa noite ela decidiu preparar-nos uns bons petiscos em sua casa. Ela tinha aí uns quatro gatos, mas nessa noite encontrei um novo lindo focinho. Era um gato que ela encontrara perdido na rua e que o tinha trazido para casa a pensar em nós, que tínhamos perdido a Cookie. Claro que recusei! Eu não queria mais gatos na minha vida! Porém a páginas tantas esse belo gato amarelo e branco subiu para o meu colo, enroscou-se, começou a ronronar, e depois adormeceu. Ela virou-se para mim e atirou abruptamente:

- OK! Tu não o queres mas ele já te adoptou!

Moralidade da história: Depois dessa grande jantarada onde tínhamos chegado dois, regressou a Villjuif uma pequena família de três cabeças e três rabos. No carro ele continuou ao meu colo e mal chegámos a casa pu-lo no chão. Ele visitou a casa toda, fez dela o seu novo território, e nessa noite noite já dormiu connosco na nossa cama. Como ele era muito amarelo dêmos-lhe o nome de Caramelo!

A presença do Caramelo na nossa casa e nas nossas vidas, trouxe-nos uma certa alegria de viver que tínhamos perdido quando o Pat levara a nossa querida Cookie ao matadouro. Mas o Caramelo não vinha tomar o lugar da Cookie, ele vinha simplesmente ser o mestre do seu território, não o da Cookie. Para nós Cokie estava no céu à nossa espera e enquanto esperávamos, o Caramelo para nos ajudar a esquecer a sua ausência. Muito rapidamente ele começou a ser o dono da casa e nós os seus serviçais amigos. Tive muitos gatos na minha vida, mas este, nunca saberei por que razão, amei-o como nunca amara todos os outros que tinham velozmente atravessado a minha estrada, mas que nunca foram realmente esquecidos ! A minha vida continuou sem eles, mas eles continuaram na minha vida! Desde o Farrusco, no Cartaxo, o primeiro gato da minha vida, e todos os outros que vieram depois, foram como elos duma corrente que me aprisionaria para todos o sempre. Ele já não era nenhum bebé, mas quando o levámos ao veterinário para o declarar e obter os documentos necessários das usas vacinas, ele disse-nos que ele devia ter aí os seus quatro anos!

Comprámos uma casinha para ele, assim como a sua nova casa de banho, brinquedos, pratos para lhe servir as suas refeições e, claro, carradas de doses individuais de paparoca para o nosso novo bebé! Uma coisa era certa, uma determinada obsessão de acabar os meus dias foi de férias por alguns tempos. Ele gostava muito do meu colo e eu muito da sua doçura. Ele tornou-se num grande companheiro de ditas e desditas! Para onde eu ia ele seguia-me! Pior do que um cachorro! Os gatos são normalmente muito independentes, mas o Caramelo era como uma parte de mim mesmo da qual nunca mais me separaria. A sua presença ajudava-me a de tempos a tempos esquecer o meu outro bebé que me era também tão caro e insubstituível: a Alfa!

vendredi 29 janvier 2010

A Indiferença, a Apatia Unviversal




E a minha vida lá prosseguia, indiferentemente! Tinha de ultrapassar o medo dos assaltos, as saudades da Coockie, o não ter outra ocupação do que olhar-me no espelho e notar que impiedosamente eu envelhecia. Um dia, ao olhar-me mais de perto, reparei nos papos que eu tinha sob os olhos e apercebi-me de que envelhecer era o pior dos insultos à dignidade humana!

O Pat saía de manhã e só voltava à noite, e eu via-me reduzido à minha solidão. A Alfa corria-me no sangue e no pensamento. Tristemente me apercebi que ninguém, nenhum de todos esses colegas com quem simpaticamente confratenizara na Alfa, se dava ao trabalho de me telefonar a indagar como estaria eu a viver esse doloroso afastamento dessa rádio que me tinha saído das entranhas.

Apenas uma vez o meu telefone tocou, graças a um dedo que discou o meu número dum dos muitos telefones da Alfa! Era o Castro a perguntar-me se eu estava à escuta da Alfa. Respondi-lhe negativamente e ele aconselhou-me a fazê-lo, pois que tinha uma grande surpresa para mim! Liguei o rádio e aguardei... Ora, a grande surpresa era que a Amália estava no seu programa em pessoa, lá nos estúdios. Fiquei varado com o acontecimento. Eu tinha-a entrevistado oito vezes, mas era sempre eu que ia procurá-la ao hotel em Paris onde ela se tivesse instalado. Logo após ter respondido à primeira superficial pergunta do Castro, a Amália perguntou:

- Onde está o Rogério?

Orgulhosamente o Castro respondeu:

- O Rogério já não trabalha na a Alfa!

Respondeu a Amália com tristeza na voz:

- Que pena! Eu tinha vindo para estar um bocadinho com ele... (SIC)!

***

A outra vez que me telefonaram foi quando a Amália deixou este mundo! Um dos jornalistas, sabendo do meu amor por essa grande artista e sabendo que eu a tinha entrevistado oito vezes, queria entrevistar-me acerca dessa grande senhora! Perguntei-lhe quando seria a próxima vez que ele me telefonaria? Se seria quando o Carlos do Carmo a seguisse? Eu tinha sido operado a um olho e andava a ver tudo multiplicado por mil, e ninguém sabia das minhas desventuras, pois que nunca ninguém se tinha dado ao trabalho de me telefonar para saber se eu ainda estava vivo...

...Disseram-me que ia ver tudo duplicado!
Tudo menos a vida o ordenado!
Afinal por sete
Tudo acabei por ver multiplicado!

Minhas mãos
-Onde sempre apertei meus segredos-
Eram dois monstros
Cada uma trinta e cinco dedos!
Minha gata era uma centopeia
E meus amores
Se pelos dedos os pudesse contar
Setenta deles vos poderia desvendar!
Cortejo de amores imensa melopeia
Amores de neon amores à luz da candeia
Como meu segredo ainda é mais forte
De que a própria vida a própria morte
Aqui me fico aqui me calo
Grito de socorro ao mar lançado
Garrafa sem rolha nem gargalo
Grito pelo mar há muito já tragado!

Em minha casa
Sombras e vultos medonhos!
Ninguém sabia da minha existência
Total ausëncia dos meus sonhos
Cruel prematura decadência!

Vinte e oito telefones que não tocavam
Duzentos e dez amigos que não chamavam
Vinte e oito paredes que me asfixiavam
Sete bocas um só grito calavam!
Um peito onde sete gritos se fundiam
Quartorze olhos que se fechavam
Sete que cegavam
Vinte e um que nunca mais abriam!

Eu que na vida a amizade sempre cultivei
Só mais tarde verificara
Como sempre me enganara
Como sempre me enganei!
Os amigos são para as acasiões
As ocasiões não para os amigos!
E neste mar de desilusões
Fecharam-se-me todas as portas e todos os portões
E mesmo todos os postigos!

Aqui me fico em gestos quedos
A contar meus anseios meus degredos
Minha mão num triste adeus acenando
Minha mão a outra sepultando
Seus trinta e cinco dedos!

Na penumbra de uma capela de Paris
Trinta e cinco círios vão ardendo
E meus olhos lentamente vão morrendo
Afogados nas minhas lágrimas pueris!
Minhas mãos aos céus erguidas
Trinta e cinco dedos cada
Setenta despedidas
Setenta dedos entrelaçados
No meu peito setenta cruzados
Setenta contas dum longo rosário
Setenta contas desfiando
Setenta cruzes arrastando
No meu ingreme calvário!

Cabeça baixa olhos tão cerrados
Cabelos longos desalinhados
Foragido dos caminhos onde errei
Andrajos rotos enxovalhados
Espinhos em nuca bem cravados
Chagas que nunca sararei!
Lábios mudos lábios apertados
Sermões que jamais serão prégados
Missas que nunca resarei!
Oráculos nunca suspirados
Pregões nunca apregoados
Hossanas que nunca entoarei!


Rogério do Carmo
Paris, 18/8/1988

Os Três Malvados Assaltos






Tínhamos comprado aquele apartamento em Villejuif, o tal no 5, rue du Dr. Paul Laurens - 2° Esq., para ficarmos mais perto da Rádio Clube Português, naquela minha já tão antiga ambição de fazer rádio! Agradou-nos também o facto de a casa ficar ali mesmo em frente do Metro Louis-Aragon, assim como o Mercado e todas as outras lojas mais necessárias. Isto sem falar nos dois grandes Cafés e esplanadas ali mesmo à porta! Eu que tanto aprecio ir tomar um café de vez em quando e, sobretudo, ver gente e ouvir rir e falar todos aqueles encostados ao balcão, a virarem os traseiros aos que, como eu, preferimos sentarmo-nos uns momentos a descansar as pernas e a engordar os olhos e outras coisas mais! Além de tudo isso, Villejuif era uma vila calma e povoada por pessoas bem-postas e bem-educadas. O problema é que o que é bom acaba-se depressa! Rapidamente se começou a ver jovens com o boné de pala para trás, faca ao cinto, e "pitbulls" à arreata! Com a sua chegada partiram para bem longe esse grande sossego e bem-estar!

Para nós, depois de todas as obras que fizemos para que o apartamento ficasse como novo, era um inefável conforto viver ali num sítio tranquilo e bem verdejante. Até ao dia em que, voltando do meu trabalho na Torre Atlas, meti a chave à porta e ao abri-la deparou-se-me todas minhas roupas e sapatos, fotografias, todos os meus poemas e outras papeladas, espalhados pelo chão! A sensação ressentida foi precisamente aquela de se ter sido violado. Não o corpo mas sim os nossos domínios e privacidade! Imediatamente me apercebi do desaparecimento do nosso televisor, leitor de cassetes vídeo, e o Bar estava vazio. Era evidente que também tivessem procurado valores monetários, pois que as gavetas estavam todas abertas, despejadas, e os colchões de pernas para o ar! Não encontro palavras que possam descrever o que senti! Talvez apenas, como já o disse, ter sido violado por meia dúzia de bandidos! Era evidente que eles tinham entrado pela janela da varanda, que eu deixava sempre entreaberta para arejar, mas isto num alto segundo andar! Claro que a partir dessa data, antes de sair , tinha sempre o cuidado de verificar que todas as janelas estavam bem trancadas !

Todos os meus cuidados foram poucos mas, mesmo assim, meses mais tarde, voltaram a assaltar-nos. Desta vez, encontrando todas as janelas fechadas, arrombaram a porta. Desta vez o estrago ainda tinha sido maior! Quando eles pressentiram o meu retorno, saltaram pela janela! Esse famoso alto segundo andar! Penso que este tipo de jovens que vivem desses abusos é, são alpinistas profissionais. Desta vez não roubaram nada porque não tiveram tempo de acabar o seu trabalho! Eu tinha apenas ido à rua tomar um café ali num pequeno Café dentro do Metro e eles, se calhar estavam à coca, e pensaram que eu tinha tinha ido apanhar o Metro para ir até Paris. Isso lhes teria dado tempo que chegasse para fazerem limpeza geral! Mesmo assim, ainda tiveram tempo de encher duas malas com todos os meus CD! Nesse dia pensei que o melhor seria mudarmos de casa, de morada! Os nossos vizinhos - mesmo os do rés-do-chão - nunca sofreram esse mesmo tipo de investidas! Achei muito estranho! Falei com o Pat e decidimos vender o apartamento e ir alugar um outro algures menos selvático!

O anúncio foi posto numa Agência ali perto, mas ninguém se mostrou interessado durante uma longa temporada! Não tínhamos outra alternativa senão aguentar, mesmo temendo sermos assaltados à noite, durante o nosso sono. Mais o alto risco que isso representava! Tivemos de continuar a viver a nossa rotina o melhor que se podia! Não era mesmo nada fácil, mas realmente não havia qualquer outra solução que aguardar que alguém se interessasse na compra do nosso bonito apartamento!

Tempos mais tarde, estava eu em casa de janela entreaberta a fazer a limpeza quando, inesperadamente, ouvi uns estranhos ruídos vindos lá de baixo, do jardim que circundava o nosso edifício. Cheguei à varanda, olhei para baixo, e vi um jovem a trepar até à varanda do andar de baixo. Outros dois aguardavam sentados na relva, controlando as manobras. Quando lhes gritei que dessem a volta que eu lhes abriria a porta, os dois lá na relva agarram nos pés e piraram-se a grande velocidade. O que estava a chegar à varanda sob a minha, desprendeu-se e caiu sobre as lajes. Penso que partIu uma perna, pois que virou a esquina ao pé-coxinho! Eram, claro, aqueles folclóricos jovens que eu costumava ver lá em baixo, à esquina, sentados num baixo muro, a espevitarem os dentes e a fazerem festinhas nos seus colossais « pitbulls » !

Eu procurava compreender como era que Villejuif tinha sido invadida por esse tipo de adolescentes maltrapilhos. Certamente que eram resultados da união de todos os países europeus, que os políticos começavam a fazer para competirem com os Estados Unidos da América! Eles - penso - sonhavam e ainda sonham com os Estados Unidos da Europa! Agora todos os países que constituem esse continente têm liberdade de passarem as fronteiras sem terem de solicitar qualquer Visa! Assim cada qual faz o que muito bem lhe parece e vai onde muito bem lhe apetece, pois que esses jovens entre eles falavam uma língua que eu totalmente desconhecia! Assim cada país se tornou na montureira dos vizinhos do lado!

mercredi 27 janvier 2010

A Dolorosa Morte da Cuca





A minha vida, o meu destino, a minha odisseia, tinham de continuar! Novamente uma luta constante para sobreviver, pois que para viver o caminho parecia-me vedado. Não sabia que malditas forças me tinham tolhido os passos!

Voltar para a limpeza em casa dos outros começava a ficar fora de questão. Com os meus sessenta Outonos sobre as minhas espáduas, essa saída pareceu-me também sem qualquer entrada. O meu corpo começava a enviar-me incontestáveis mensagens dum irrevogável declínio físico! Tinha que olhar em frente em busca doutra quimera, doutros recursos de continuar a esbracejar até à outra margem!

Para ainda mais me abater, a Cookie - a quem eu ternamente chamava a minha Cuca - também com os seus vinte anos sobre o seu alquebrado lombo, começou a ter dificuldades para se deslocar. Ela a custo se arrastava para ir à sua toilette e ao seu pratinho para se alimentar. Tanto ao Pat como a mim mesmo, custou-nos muito vê-la acartar com tanto custo o seu pequeno já tão fatigado corpo. Pat levou-a ao veterinário mas, visto a sua elevada idade para um gato, ele aplicou-lhe, implacavelmente, o golpe de misericórdia! Aquela injecção, aquele corpo que deixou de arfar, aqueles tão lindos olhinhos verdes que para sempre se fecharam! Juntos chorámos essa grande companheira que tinha compartilhado connosco vinte anos das nossas existências, e jurámos solenemente: Basta de gatos, basta de tão dolorosas separações!

Durante meses a Cuca continuou a marcar presença naquela casa agora tão vazia! A despeito de termos deitado fora os seus pratinhos e a caixinha de areia onde ela tanto gostava de vasculhar, a cada instante os nossos pensamentos a procuravam. Uma vez mais a morte se me deparou como a única possível fuga ao sofrimento humano e animal!

Uma tristeza, uma sombra negra, pairou no ar até que o tempo injustamente apagou aos poucos aquela tão nossa preciosa e chorada presença. Gradualmente essa presença que tanto por vezes nos incomodava, transformou-se numa insuportável longa ausência! A jura ficou no ar: Não mais gatos! Não mais a perda de "alguém" que tanto amámos! Finito! Mais vale viver só do que demasiado bem acompanhado!

Ameaças Rondaram à Porta


O grande problema começou com a grande depressão que se instalou no mais profundo do meu ser. Psicologicamente eu ficara traumatizado até à ponta dos cabelos e das unhas dos dedos das mãos e dos pés! Eu tinha problemas para adormecer, dormia mal, tinha pesadelos de fazer acordar toda a vizinhança, e perdera o apetite. Sobretudo o de viver! Quando ia para a cama pedia a Deus que eu adormecesse depressa e nunca mais acordasse! Ao acordar pedia a Deus que a noite descesse rapidamente para eu voltar aos meus horríveis pesadelos de todas as noites! Arrastava-me da cama e metia-me num banho quente para ainda encontrar algo que ainda me dava algum prazer. Uma dessas manhãs, enquanto totalmente submerso no meu banho, ao abrir os olhos, deparou-se-me uma lâmina de barbear sobre a borda do lavatório, que parecia sorrir-me perniciosamente, como sugerindo-me um descer de pano:

- Pega-me! Quero-me perto das tuas veias! Preciso do teu sangue!

Num arrebate, seduzido por aquela diabólica alternativa, aquela sede de sangue, agarrei nessa lâmina e, dum golpe decisivo, cortei o pulso esquerdo! Mas ao ver o meu sangue começar a tingir a limpidez daquelas tépidas águas, ocorreu-me a dramática e penalizante surpresa que causaria ao Pat! Na minha gata que tanto ainda precisava do meu carinho e apoio para que o seu fim de vida fosse o menos penível possível! Dei um grito e saltei do banho! Enxuguei o meu pulso e cobri esse sangrento golpe com um pequeno penso adesivo, e jurei a mim mesmo ser forte, e não deixar que a Alfa - a quem eu dera a vida - não me roubasse agora a minha!

Quando o Pat voltou e viu aquele penso perguntou-me o que se tinha passado. Menti-lhe, dizendo que me tinha cortado acidentalmente com uma faca, ao preparar o jantar. Ainda hoje o Pat não sabe desse meu acto de desespero desse meu já tão longínquo dia!

samedi 23 janvier 2010

A Devastadora Ímpia Depressão




Ao chegar a casa, subir àquele segundo andar, foi como subir à torre mais alta dum fantasmagórico castelo, com ideias de saltar e ficar enterrado na terra lá em baixo, até aos tornozelos. Que os meus pés ficassem de fora para eu poder ir um pouco mais além! Mas ao abrir a porta a minha gata - a Cookie - já entorpecida pelos anos, roçou-se toda por mim. Peguei nela ao colo, encostei a minha face àquele doce focinho e imediatamente encontrei mais outra desculpa para continuar de pé! Ela precisava ainda tanto de mim! Encontrei nela uma basta razão para continuar de pé! De amar e ser amado! Nesse momento realizei que eu amava a minha gata e que ela me amava também! Como dissera um dia, daria a vida para nunca morrer, mas nesse momento senti que a morte seria talvez a melhor maneira de deixar de andar a mendigar por este mundo a rebentar de atrocidades, mas eu queria ser mais forte do que essa incontestável realidade! Ao olhar para a nossa mesa de casa de jantar, ali, onde a Alfa tinha sido gerada, essa rádio que para mim era como um filho que me tinha saído das minhas próprias entranhas, que tão malvadamente me tinha sido arrancada aos meus braços agora pendendo ao longo do meu corpo farto de labutar para encontrar sempre uma razão para avançar, pensei seriamente em recuar! Recuar até ao ventre de minha mãe. Se possível, até mesmo aos testículos de meu pai! A vida e a morte são tão naturais como fechar os olhos para lavar a cara, mas nesse dia eu não fechei os olhos sob a torneira para lavar o sal das minhas lágrimas! Senti-me como uma lâmpada fundida à espera de ser deitada fora, mas decidi carregar de novo as baterias e dar ainda à luz mais alguns sonhos ainda por serem inventados!

O meu maior problema era que eu tinha de fazer planos de futuro mas o futuro parecia ter deixado de existir para mim. Como se ele, de repente, me tivesse fechado a porta na cara! Eu que, na Alfa, tinha sempre tantos projectos de futuro, além de amar e ser amado! Percebera que nunca poderia ser amado por todos os meus colegas, por haver entre nós uma demasiado grande diferença de culturas e vivências. Eu tinha corrido mundos e eles tinham-se limitado apenas ao velho "em Agosto se Deus Quiser, vou de Férias a Portugal"! Eu falava uma língua morta e seis bem vivas, e eles falavam apenas uma mistura qualquer chamada "imigres"! Eu publicava livros que recebiam Prémios Internacionais, e eles nem sequer se davam ao trabalho ou ter a competência de escrever os seus próprios programas! Eu tinha feito um retrato dum rei português que tinha sido catalogado Património do Estado em Portugal! Eles nem sequer sabiam fazer um rabisco! Eu era extrovertido, sempre mostrando abertamente quem eu realmente era! Eles escondiam-se por detrás duma boca cerrada, que nada mais tinha para dizer que pequenos nada inofensivos insultos feitos de esguelha, ao passarem por mim! Lamentei imenso essas distâncias por eles próprios criadas, pois que gostava deles tal como eles eram e apenas pedia em troca que eles gostassem de mim tal como eu era! Esforços vãos!

E Tudo o Vento Levou!




Pouco a pouco fui fazendo mais este outro luto, graças ao facto de estar sempre tão ocupado com o meu programa e a criatividade necessária para o fazer todos os dias sem se tornar monótono ou repetitivo. O que me valia eram os convidados todos os dias com temas diferentes a discutir. Por outro lado o ambiente entre colegas continuava estável. A Cássia compartilhava o mesmo escritório e ajudava-me bastante nas minhas funções. Todos os dias era abrir toda a correspondência e acusar a recepção dos ditos envios. Convidados para a segunda hora não me faltavam, mas umas certas invejazinhas começaram a flutuar no ar, de parede a parede. A Doutora e o seu "protegido" eram muito meus amigos, mas quando, algum tempo depois, fui a Portugal para passar duas semanas com a família, ao regressar, fui chamado ao escritório da Doutora e do seu "cúmplice", e fui informado que "Bica e copo de Água" tinha sido excluído da grelha de programação. Concederam-me então uma emissão nocturna para adormecer o auditório. Era da meia-noite até às duas da manhã. Sarcasticamente, intitulei esse programa " E Tudo o Vento Levou"! Claro que o programa tinha de ser gravado durante a tarde, pois que a essas horas da noite eu não tinha transportes. Senti-me infelicíssimo, pois que não era a mesma coisa que fazer em directo. Na gravação eu sentia-me como a falar para o boneco! Em directo sentimos a presença do auditório lá do outro lado do microfone. Era evidente que a Doutora andava radiante com o mal que me tinha feito! Eu era alguém que lhe fazia sombra e isso incomodava-a. Como ela era a directora da programação e tinha as rédeas nas suas mãos, podia muito bem fazer o que lhe apetecia. E o seu assistente "assistia-a"! Ela passava por mim, empertigada como se fora uma rainha, e quase que não dava por isso que eu ia ali a passar a dois passos da sua arrogância.

A gravação do programa era feito da parte da tarde num dos estúdios da Alfa. Eu fechava a minha porta e procurava fazer como se estivesse em directo altas horas da noite. Falava com os ouvintes como se eles estivessem já na cama a repousarem-se de mais um dia de trabalho mas, nesse mesmíssimo instante, eles estavam nos seus empregos. Moralidade da história: eu estava ali feito espantalho a cagar larachas!

Ainda por cima comecei a ter problemas de saúde. Por causa da fina poeira que nos entrava pelas janelas, vinda das dunas de areia ali mesmo por detrás do edifício, comecei a ter problemas com as lentes de contacto. A poeira instalava-se sobre elas, endureciam-nas, e causavam-me queratites umas atrás das outras! No hospital oftalmológico onde me tratavam, ali para os lados da Bastilha, disseram-me que se eu continuasse a ter esse problema acabaria por ficar cego. Isso alarmou-me duma maneira atroz! Por coincidência tive uma convocação da Medicina do Trabalho para a inspecção anual. Claro que falei desse problema à médica e ela pediu-me para fazer uma radiografia aos pulmões que acusou lesões provocadas pela aderência de poeiras, e enviou-me a um ORL para analisar o estado das minhas mucosas nasais, que acusaram uma polipose nasal avançada. Essa mesma médica, que me tinha examinado uma vez por ano todos esses anos que trabalhei em Ivry, pediu-me que lhe descrevesse os locais onde então eu trabalhava. Falei-lhe dessas dunas e dessa poeira e ela pediu-me para eu me afastar desses locais e procurar trabalho num outro sítio mais limpo. Quando lhe expliquei que eu era um dos fundadores dessa rádio, e que essa rádio era como um filho meu, ela disse-me que iria falar com o novo proprietário, para ele instalar um sistema de climatização que nos permitisse trabalhar com as janelas fechadas.

Mais tarde ela voltou a convocar-me para me dizer que o meu patrão tinha recusado essa instalação e que ela o tinha processado e que eu devia cessar o meu trabalho em Valenton, senão teria sérios problemas com os olhos, pulmões, e nariz. No dia seguinte era o meu aniversário, fazia 60 anos, e na Alfa fizeram-me uma festa de aniversário e ao mesmo tempo de despedida, pois que a médica me dera ordens de cessar as minhas idas à Alfa, por causa do processo que ela lhes tinha feito, baseado em "despedimento abusivo".

Depois dessa festa, ao atravessar a rua para ir apanhar o meu autocarro para regressar a casa, tive vontade de por ele ser atropelado. Durante a viagem não conseguia controlar nem esconder o meu choro, ao ponto do chofer, na paragem seguinte, levantar-se e vir perguntar-me o que se passava comigo. Limitei-me a dizer-lhe que acabava de perder o meu trabalho, sem entrar em detalhes. Ele disse-me que não chorasse, que nos momentos difíceis da vida há sempre algo ou alguém que nos dará a mão!

Essa Inesperada Mudança de Casa




O meu repetitivo dia a dia entre a minha casa e a Alfa decorria normalmente, estilo ponteiros saltitando de segundo em segundo! Rotina! Eram os meus programas irem para o ar todos os dias à hora prevista, colegas e vida familiar, e algumas surpresas de vez em quando. Alguns dos meus convidados eram surpreendentes, outros duma banalidade absoluta, outros uma chachada infernal! Mas a grande, grande surpresa foi quando, sem quaisquer antecipadas predições ou insinuações, repentinamente a Alfa mudou-se para Valenton! Quando perguntei o que se passava, responderam-me indiferentemente que a Alfa tinha sido vendida e que tínhamos agora um novo proprietário. Nunca saberei quem foram os "vendidos" que, nas minhas costas, venderam a Alfa, soube apenas que a minha emissão começaria a ser difundida dum lugar do qual nunca tinha ouvido falar! Uma manhã levaram-me lá para eu aprender a fazer a minha técnica utilizando um material muito mais sofisticado. O meu primeiro pasmo foi, ao chegarmos lá, ver que a Alfa estava então instalada num gigantesco edifício, ali perdido em terras de ninguém, rodeado de dunas de saibro. Ao subir ao segundo andar depararam-se-me umas instalações muito espaçosas com um grande terraço ao fundo. Haviam várias dependências que passariam a ser os escritórios duma parte do pessoal. A cabine de som - a que passou a chamar-se o "aquário" - era bastante reduzida. Como aquário só cabia um peixe de cada vez e nada de grandes braçadas. Havia um grosso vidro e do outro lado uma pequena sala com uma mesa redonda com cinco microfones e cinco cadeiras. Fiquei deslumbrado! Que categoria! Mal pus os olhos sobre a mesa de mixagem logo me apercebi que muito rapidamente seríamos ambos grandes amigos de longa data!

Como de Villejuif eu apanhava do Metro Louis Aragon um autocarro directo até Valenton, uma pequena viagem de vinte minutos, a vida tornou-se-me mais fácil. Chegado à Rotunda Pompadour, ia a pé por caminhos e atalhos até à Alfa, num curto e salutar matinal passeio. Os meus programas continuavam a ser escritos e elaborados em casa, depois do jantar, e durante essa essa breve viagem eu inventava as minhas histórias do senhor Fagundes e Maria do Amparo. Eram quase sempre três breves historietas visadas a fazerem rir o pessoal. Uma vez, três miúdos que iam sentados no mesmo banco traseiro, iam a galhofar acerca da minha pessoa, chamando-me "velhote". Virei-me para eles e sibilei-lhes:

- Posso garantir-vos que já tive a vossa idade, mas não vos posso garantir que vocês um dia venham a ter a minha!

Ficou o caso arrumado! Acabou-se a galhofa e eles ficaram com cara de enterro! Talvez tenha sido a primeira vez que recebiam uma "ameaça de morte"!
Como sempre eu fazia da primeira parte uma hora de boa disposição, e a segunda hora sempre com um convidado – tentava fazer um trabalho mais sério, que fizesse reflectir os que estavam à escuta.

O programa continuava a ser bastante popular e tinha por vezes pessoas que se deslocavam até à rádio para me conhecerem pessoalmente e pedirem-me um autógrafo. Por vezes a Fátima, a recepcionista lá em baixo no rés-do-chão - essa minha saudosa amiga - mal fechava o meu programa, telefonava-me para me dizer que alguém que me queria conhecer me esperava lá em baixo! Eu descia, sempre um tanto intrigado. Quem poderia ser essa pessoa? Foram muitas. A maioria era porque gostariam de passar na minha emissão para se fazerem conhecer. Especialmente esses muitos cantantes que então haviam, sem qualquer talento, mas ambicionando fazerem uma grande carreira. Esses, ajudei-os todos! Que fosse o auditório que decidisse! Um deles que não tinha ponta por onde se pegasse, veio oferecer-me o seu "último disco"! Por graça perguntei se era realmente o seu último disco? Quando ele, com a cabeça, me acenou afirmativamente, eu, para subtilmente fazê-lo compreender que não tinha qualquer talento, disse-lhe:

- O último? Ainda bem! Que boa novidade!

Mas não o fazia com maldade. Alguns até bem gostava deles como malta nova a tentarem ser "alguém"!

Outra vez foi uma senhora que me queria conhecer, porque eu tinha uma bonita voz. Ao ver-me, estupefacta, ela atirou-me à cara:

- É você o Rogério? Que coisa. Tão magrizela!

Eu arrumei o caso dizendo-lhe apenas:

- Ó minha senhora! Eu não estou aqui para ser vendido ao quilo!

Ela deu uma grande gargalhada, pregou-me um repenicado chocho na face, e lá se foi mais conformada!